Proposta desresponsabiliza prefeitos que não executarem o gasto mínimo. No Ceará, todas as cidades cumpriram o objetivo em 2020. Mas mudança gera divergências sobre futuros investimentos em educação
Há 33 anos, prefeitos e governadores no Brasil são obrigados, conforme a Constituição Federal, a aplicar na educação, a cada ano, no mínimo 25% do que arrecadam com impostos. Caso não o façam, podem ser punidos. Na pandemia de Covid, essa incumbência tem sido problematizada.
Na noite desta terça-feira (21), o Senado aprovou, em 2º turno, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 13/2021, que isenta os gestores da responsabilidade em 2020 e 2021. Agora, o texto será encaminhado à Câmara dos Deputados.
No Estado, os municípios conseguem aplicar essa proporção? A gestão estadual, em meio à crise sanitária, cumpriu esse requisito? Qual o impacto para as 5,9 mil escolas públicas no Ceará da retirada desta obrigação, justamente, na retomada das aulas presenciais?
O texto aprovado em 1º turno no Senado prevê que a compensação financeira dos recursos não investidos em educação em 2020 e 2021 deverá ser feita até 2023.
No Brasil, em 2020, conforme dados do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope), dos 5,2 mil municípios que fizeram as declarações, 316 não conseguiram aplicar os 25%. Nenhum deles é do Ceará.
No Estado, conforme informações do Siope, as 184 cidades conseguiram cumprir essa aplicação em 2020, direcionando para a educação, ao menos, 25% do que arrecadaram. As menores aplicações foram dos 25% obrigatórios e as maiores de 35%.
Fortaleza, por exemplo, aplicou 26,62% na educação, daquilo que foi arrecadado em impostos e transferências. Antes da pandemia, em 2019, a Capital também conseguiu aplicar 26,41%da arrecadação na educação.
Essa verba custeia, dentre outros:
Capacitação dos profissionais da educação da educação básica;
Pagamentos dos trabalhadores da educação básica;
Aquisição de imóveis já construídos ou de terrenos para construção de escolas;
Compra de carteiras e cadeiras, mesas, armários, computadores, televisores, dentre outros;
Manutenção dos equipamentos nas escolas, como: máquinas, móveis, eletroeletrônicos ou produtos/serviços necessários ao funcionamento destes, como tintas e graxas;
Reforma, total ou parcial, de instalações físicas (rede elétrica, hidráulica, estrutura interna, pintura, cobertura, pisos, muros, grades, etc.) do sistema da educação básica
Realização de estudos e pesquisas que visam à elaboração de programas, planos e projetos;
Aquisição de materiais didático-escolares diversos (recursos para as aulas de educação física, para o acervo da biblioteca, livros, lápis, canetas, cadernos, dentre outros)
Compra de veículos escolares apropriados ao transporte de alunos da educação básica na zona rural.
No ano passado, de acordo com dados do Siope, o Governo do Ceará, também cumpriu, aplicando, inclusive, 27,69% do arrecadado em pleno primeiro ano da pandemia. Em valores absolutos, conforme o balanço fiscal do Estado, significa um incremento de cerca de 393 milhões destinados à área acima do percentual mínimo obrigatório de 25%.
Na discussão sobre a flexibilização da incumbência estabelecida na Constituição desde 1988, municípios apontam dificuldade em cumprir a obrigação. Contudo, explica o consultor econômico e financeiro da Associação dos Municípios do Estado (Aprece), André Carvalho, esse dilema no Ceará não é necessariamente pela ausência de recursos, mas pela falta de demanda para aplicar esse dinheiro de forma realmente adequada de modo a cumprir os 25%.
Na prática, conforme defende a Aprece e a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), com o fechamento das escolas, houve redução de despesas nas quais esses 25% devem ser aplicados, como a manutenção das escolas, o transporte escolar, os contratos temporários de professores, portanto, seria mais adequado flexibilizar os uso em 2020 e 2021.
De acordo com ele, passado maio, junho e julho de 2020 período no qual não se tinha uma perspectiva boa de arrecadação, as receitas públicas começaram a ter alta novamente e como não havia aula presencial, e outros gastos como o transporte escolar, os prefeitos começaram a ter “muita dificuldade em cumprir os 25%”.
“É um texto que tem mais de 30 anos (a exigência). Todos os gestores já estão acostumados a ter que aplicar esse mínimo. Mas, há anos que tem uma dificuldade maior. Isso é um problema bom. Problema ruim é quando você não tem o dinheiro e tem a demanda. No caso, eu diria que o gestor consegue equacionar a preparação das estruturas, o investimento em tecnologias e políticas pedagógicas e deixar um pouco do recurso para aplicar em 2022 e 2023”.
Argumentos favoráveis à desobrigação:
Os gestores terão mais tempo para planejar o bom uso dos recursos para não correr o risco de aplicar a verba “por aplicar” apenas para cumprir a obrigação;
Não será perdido nenhum recurso da educação já que o foco da norma é a não punição dos gestores;
A flexibilização irá garantir que não será gerada uma consequência legal para um gestor que foi “pego de surpresa” pela pandemia;
A PEC 13/2021 teria caráter transitório e excepcional, sendo definida especificamente para 2020 e 2021.
Argumentos contrários à desobrigação:
Com a reabertura das escolas públicas e a implementação dos protocolos de segurança, é necessário melhorar a infraestrutura e não alterar os percentuais mínimos constitucionais;
Não há garantias que a flexibilização para a excepcionalidade dos anos de 2020 e 2021 não possa se estender, posteriormente, para os anos seguintes.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e decisões do Supremo Tribunal Federal já contemplam soluções para situações emergenciais como essas (descumprimento dos 25%) não sendo necessário alterar a Constituição;
Houve “sobra de recursos” porque, por exemplo, professores (muitos temporários) não tiveram os contratos renovados e servidores (muitos terceirizados) foram dispensados. Ou seja, economia foi à custa da qualidade da educação.
O presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) Região Nordeste e secretário de Educação de Palhano, Alessio Costa Lima, explica que há uma notória preocupação pois a medida que está sendo adotada pode “abrir um precedente” na área da educação.
De acordo com ele “muita embora a PEC estabeleça que a anistia será em 2020 e 2021, e gestores devem ressarcir até o ano de 2023 e 2024. Entendemos que dificilmente os poderes vão se organizar para repor”. Além disso, reforça que a PEC “não dialoga com o momento atual da Covid”.
“Vivemos um momento de retorno das aulas presenciais e com total necessidade de recuperação das unidades escolares paradas por mais de 1 ano e meio”, diz ele, e acrescenta que a entidade vê com preocupação a alteração de um texto constitucional “por conta de um momento”, sendo mais adequado pensar outras alternativas que pudessem atender aos gestores que, por algum motivo, não conseguiram atingir o mínimo exigido.
Entidades como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) são contrários à aprovação da PEC.
De onde provém esse dinheiro?
Os 25% a serem utilizados na educação por municípios e governos estaduais são resultantes de receitas próprias e provenientes de transferências. Dentre os impostos municipais estão o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto Sobre Serviços (ISS) e Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Intervivos (ITBI).
Mas, nessa conta que garante verbas à educação entra ainda o que é repassado pelos estados em cota parte do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), por exemplo, e pelo Governo Federal no Fundo de Participação dos Municípios (FPM).