Carolina Miranda agracia seus colegas de trabalho e pacientes com ação
Quando decidiu cursar Enfermagem, Carolina Miranda, 40 anos, natural de Natal (RN), já sentia que poderia contribuir para melhorar a vida das pessoas por meio do seu trabalho. A injeção de ânimo veio mesmo quando, além de cuidar dos pacientes em um hospital público, tomou a iniciativa de criar um cantinho da leitura para enfermos, acompanhantes e equipe hospitalar. Assim, viu muitas pessoas acamadas apresentarem melhora em seus quadros clínicos e ainda descobriu uma nova vocação.
Com sensibilidade e perseverança Carol transformou o seu local de trabalho. Em 2017, ao notar que seus pacientes ficavam muito tempo ociosos e angustiados, quando não estavam com olhos fixos à tela do celular, a enfermeira teve a ideia de criar o cantinho da leitura para que fosse um momento de prazer e distração para as pessoas ali presentes.
“O primeiro paciente que pegou um dos livros chegou para mim e falou feliz que já estava na 12ª página. Uma outra pessoa, que estava internada, disse que os livros faziam com que ela saísse pela janela da enfermaria e conhecesse o mundo. Ela fez uma cirurgia neurológica, ficou acamada, teve dificuldade para falar, mas quando passou a pegar os livros ela começou a se restabelecer”, conta entusiasmada.
Os corredores frios do Hospital Roberto Santos, em Salvador, ficaram aquecidos diante do acolhimento dado às pessoas ali internadas. Mais do que mudar o ambiente, ela ajudou a minimizar a dor dos pacientes por meio de poemas. O retorno positivo rendeu-lhe a criação de dois livros e a participação em feiras literárias. “Era uma caixinha de sapato com cinco livros doados por minha mãe. Esses cinco livros viraram mil com doações de várias pessoas”, relembra a enfermeira.
Durante a pandemia, Carol teve que retirar os livros do local para evitar o manuseio por diversas pessoas, em respeito a uma das regras sanitárias de combate à Covid-19. “Nessa de retirar os meus livros, eu pensei: ‘e agora? O que vou fazer?’. Aí veio uma frase da minha avó que dizia assim: ‘Vai como pode!’. E essa frase fez com que eu começasse a recitar poemas de outros poetas e também da minha avó Dulce, que fazia poesias escondidas para o meu avô”, esclarece.
Ao recitar poemas, a enfermeira começou a escutar mais os pacientes e às histórias, claro, ela também deu uma forma poética. “Eu escrevia as poesias e entregava para eles no final do plantão”, conta.
No hospital, Carol criou o campeonato de poesia. Os participantes recebiam um tema e ganhavam livros. No campeonato participavam os pacientes, acompanhantes e funcionários. “Eles agradeceram muito, alguns nunca tinham escrito versos na vida e no leito começaram a escrever. Até hoje guardo as poesias deles”, comenta saudosa.
Enfermeira e poeta
A quantidade de enfermeiros com registro ativo no Brasil soma pouco mais de 659 mil, conforme dados do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). Muitos dos profissionais escolheram essa profissão motivados pela vontade de cuidar do próximo, fazendo além do que seu trabalho exige, com o objetivo de levar esperança de recuperação para pacientes e seus familiares.
A admiração pelas profissões da saúde corre na veia de Carol, bem como o gosto pela leitura incentivado pelos pais. Sua mãe é professora de literatura e, o pai, geólogo aposentado. Seu único irmão, o caçula da família, é cirurgião-geral.
Sua avó Dulce costumava escrever poemas para o seu companheiro de vida, mas tinha vergonha de mostrá-los. O hobby passou para o pai de Carol, que também tímido para a escrita se aventurou a escrever um livro sobre as memórias de São Sebastião do Passé, município baiano.
“Meus pais são referências para mim. Meu pai tem muitos dicionários e ama ler e escrever. Já minha mãe me inspira pela força, ela nasceu na beira de rio, no engenho, e é muito batalhadora”, ressalta.
A força da mulher que lhe serviu de exemplo em casa também virou poema. “Mulher, o que pensa nesse dia? Tudo mudou, adaptou, transformou. Fostes em busca do estudo, noites perdidas, milhares de xícaras de café. Valeu a pena? Claro que valeu. É dona da sua vida. És magnífica, és mulher!”, declama Carolina.
A enfermeira explica que faz as poesias em casa, geralmente no período da noite. Contudo, é comum que as inspirações surjam em diferentes momentos, inclusive durante suas viagens a trabalho. “Já teve uma poesia que surgiu enquanto eu caminhava na pracinha perto de casa, quando vi duas pessoas dançando no meio da rua. Eu peguei o papel, escrevi uma poesia e entreguei para eles”, relata.
Atualmente Carol é concursada e trabalha como apoiadora institucional na Secretaria de Saúde da Bahia fazendo acolhimento e palestras para profissionais de saúde. Quando viaja a trabalho faz poesias sobre os municípios que visita. Apesar de não estar mais no hospital onde se descobriu poeta, o cantinho da leitura continua.
“Mesmo eu tendo saído do hospital ainda tenho contato com os pacientes. Eu faço questão de passar meu contato para eles”, revela.
Do hospital para o Festival Baiano Literário
Além de dar conta de acolher os pacientes, a enfermeira Carol arranjou tempo para escrever livros. Autora de “O Poetizar do Cantinho da Leitura” e “Vai como pode - poesia ou saudade?”, ela já se prepara para a terceira obra. “Os livros têm poesias dos meus pacientes e o terceiro vem aí como homenagem a todos eles”, conta.
Nesse mês, a enfermeira-poeta se apresentou no Festival Baiano Literário de Contação de Histórias. Na ocasião não perdeu tempo e fez aquilo que seu coração pedia: criou poemas na hora e entregou para alguns escritores que estavam no local.
“Para mim foi fantástico participar do festival e se houver outros eu vou querer participar. Já penso na Bienal do Livro, no final do ano, que quero estar com os meus dois livros. Nunca passou pela minha cabeça ser uma enfermeira e participar de festivais literários. Eu tenho uma amiga que diz que quando precisei tirar os livros do hospital na pandemia ali surgiu a poeta. Essa observação dela me marcou”, reflete.
Parar com as poesias não está nos seus planos e sua pretensão é continuar usando as palavras para tocar as pessoas. “O que me motiva a fazer esse trabalho é poder transformar o dia das pessoas e poder dar sentimento a tudo que elas pretendem ser no futuro, ou o que querem ser no momento, é poder transformá-las através do sentimento”, conta entusiasmada.