Guilherme Muchale: Com foco, Ceará pode dobrar participação no PIB do Brasil em até 20 anos
O gerente do Observatório da Indústria da Fiec explicou as estratégias que poderão ser usadas pelo Estado para impulsionar e dar mais competitividade à economia do Ceará
Transformar dados e informações em direções para as políticas públicas e iniciativas de mercado é um desafio para o desenvolvimento local e, neste contexto, o Observatório da Indústria da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) vem funcionando como um diferencial para a economia cearense.
Para Guilherme Muchale, gerente do Observatório, o Ceará conta com este pilar, entre uma série de outros esteios relevantes, para superar a meta de até dobrar sua participação em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
O Estado conta com cerca de 4,6% da população de todo o País, enquanto a participação no PIB nacional é de apenas 2,25%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019.
Este desafiador processo de crescimento, contudo, terá de estar aliado a uma série de projetos e investimentos públicos e privados em educação e outros segmentos da sociedade para poder virar realidade, defende o especialista.
No Diálogo Econômico desta semana, Muchale detalha o planejamento que vem sendo construído para a economia do Ceará.
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Apesar de o Ceará já contar com um mapa de metas e projetos para a melhoria do ambiente econômico, Muchale também destacou que será preciso muito empenho da sociedade como um todo para engajar nos projetos de desenvolvimento do Estado, além do apoio e dedicação do Poder Público para aprimorar ações que reduzam burocracias e melhorem as condições de negócios.
O gerente do Observatório da Indústria ainda destaca como os processos de interação entre a Fiec e as diversas esferas do Poder Público (municipal, estadual e federal) têm contribuído para elevar os potenciais de aplicação das políticas públicas no Ceará.
Confira a entrevista completa:
O BRASIL VEM PASSANDO POR UM PROCESSO DE DESINDUSTRIALIZAÇÃO HÁ ALGUNS ANOS, COM O SETOR PERDENDO ESPAÇO NA PROPORÇÃO DO PIB. VOCÊ AVALIA ISSO COMO POSITIVO DADO O MOMENTO DA ECONOMIA GLOBAL OU É ALGO COM QUE O PAÍS DEVERIA SE PREOCUPAR?
Para mim a gente vive um processo de desindustrialização precoce, que vem antes de quando o país se torna de alta renda, que é quando essa alta renda gera uma demanda por serviços, fazendo com que o comércio ganhe destaque. Mas esse processo (desindustrialização) ocorre principalmente pelo Custo Brasil e um conjunto de obstáculos à atividade econômica que acaba penalizando inclusive a indústria, que atua de forma ampla nas cadeias de valor.
Eu acredito que um dos legados positivos da pandemia se dá exatamente no momento que identificamos uma crise forte na obtenção de insumos, principalmente na área médica, e que observamos o valor da ciência e tecnologia e o quanto isso pode ser transformador, e o quanto a inovação pode salvar vidas.
E, além disso, o quanto a indústria é importante e como ter um setor industrial forte pode ser importante na solução de alguns problemas.
Em estados com parques mais fortes nós percebemos o impacto da indústria, até com a questão da oferta do oxigênio, essencial para o atendimento durante a pandemia; na inovação, como a criação do Elmo aqui no Ceará, que ajudou a salvar vidas.
E vimos também a dificuldade em se tornar dependente de alguns insumos de fora do País. Então a indústria se mostrou importante e ter um parque diversificado e competitivo faz a diferença. A indústria brasileira conseguiu reagir positivamente e dar sua colaboração durante o enfrentamento da pandemia, o que é algo difícil considerando esse desafio que estamos vivendo nos últimos anos.
Esse processo deu uma chamada de atenção para o Governo Federal e o Estado, destacando os dois últimos anos, que têm visualizado a importância de buscar um ambiente de negócios para reduzir os obstáculos para o setor produtivo.
Nós temos visto várias iniciativas de redução desses custos e de ações resolutivas por parte do Ministério da Economia, e temos visto, por parte do Governo do Estado, a melhoria do ambiente de negócios e a criação de uma secretaria para pensar uma série de iniciativas e reduzir as burocracias do Estado.
Se a situação é crítica, nós vemos uma mudança de pensamento da iniciativa pública para mudar o cenário, e isso dá uma nova perspectiva para o futuro, que pode gerar investimentos, além do fortalecimento da indústria e da ciência e tecnologia, que têm um papel importante para elevar a competitividade da nossa indústria.
E NESSE PROCESSO TODO, COMO, NA SUA VISÃO, A INDÚSTRIA SE DESENVOLVEU NAS ÚLTIMAS DÉCADAS? ESTAMOS EM UM BOM PATAMAR PARA DISPUTAR MERCADO COM EMPRESAS NO BRASIL E NO MUNDO OU AINDA É PRECISO EVOLUIR MUITO?
A indústria cearense tem sido uma das que mais cresce em 2021, o que acaba sendo uma consequência da realidade de 2020, que foi baseada nos períodos de abril e junho, quando boa parte do nosso setor não pôde funcionar, mas as políticas de apoio e de reabertura levaram a um processo de recuperação forte, que foi ampliado no ano de 2021. Então as perspectivas para o ano são positivas.
Em termos de conjuntura, os maiores desafios estão focados nas dificuldades em comprar matéria-prima e conseguir financiamento, mas essas questões têm recebido um olhar do Governo e o sistema Fiec tem auxiliado.
E a agenda de longo prazo é que deve ganhar espaço, pensando nesses processos de tecnologia e ciência, tanto do ponto de vista federal quanto estadual. Precisamos elevar os recursos destinados a esses setores e, somado a isso, precisamos de uma agenda positiva focada em educação a nível estadual. Essa agenda precisa fortalecer o ensino técnico e o ensino superior, como a pós-graduação, até porque ainda não somos referência.
Além disso, precisamos de uma agenda de fortalecimento dos cursos ligados à ciência e tecnologia, engenharia, matemática, que vão ser muito relevantes para o desenvolvimento de longo prazo do Ceará, então esses são pontos importantes. Temos uma agenda também de investimentos em infraestrutura que vem sendo acompanhada pela Fiec, que ajuda a identificar gargalos de todos os tipos, por exemplo, logísticos, para melhorar o ambiente econômico. E também trabalhamos para otimizar os investimentos em infraestrutura.
Essa tríade é realmente importante para ter um ganho de importância da indústria no PIB cearense.
Além disso, temos de aproveitar os potenciais do hidrogênio verde, que tem potencial de movimentar muitos investimentos nos próximos anos. Temos um grande potencial energético, mas precisamos modificar o ambiente de negócios para favorecer esses investimentos e para que não tenhamos uma oportunidade perdida pelo Estado.
O hidrogênio vem como oportunidade de retornar talentos, mas também como uma forma de atrair pessoas muito qualificadas para viver no Estado e isso pode ajudar nossa competitividade.
O TRABALHO DO OBSERVATÓRIO TEM SIDO DESTACADO POR MUITOS EMPRESÁRIOS E AUTORIDADES DO SETOR PÚBLICO. QUAIS NOVAS INICIATIVAS VÊM SENDO PENSADAS PARA A CONTINUIDADE DO PROJETO? NOVAS PARCERIAS DEVEM SER ANUNCIADAS?
O Observatório tem agido em muitas esferas, apoiando desde o Poder Público tanto municipal, estadual e federal, com várias iniciativas para gerar esse desenvolvimento sustentável, mas também atuamos apoiando empresas para apoiar negócios de todos os portes, desde startups até empresas grandes, como a M. Dias Branco, que postou um case de sucesso montado junto com analistas do Observatório sobre o processo de internacionalização.
Além disso, trabalhamos com a Academia, tratando sobre a transferência de tecnologia e até com um acordo de cooperação com a nossa Universidade Federal, que vai desde uma nova formação de análise de dados até um processo de rastreabilidade da cadeia e atum.
Também temos a Uece como parceira e a gente traz uma visão muito importante de inserção de tecnologia também com focos na sustentabilidade, que é um dos focos de um seminário que vamos realizar sobre as dinâmicas de trabalho e emprego na era dos oceanos. A economia do mar é estratégica e nos orgulha muito conseguir ver de forma prática o impacto que esse trabalho tem ao gerar competitividade para as empresas e na colaboração do desenvolvimento sustentável do Ceará.
A gente tem visto de uma série de consultorias que os dados e a informação tÊm ganhado importância e é o petróleo do futuro, e o Observatório tem trabalhado de forma efetiva na análise da informação, mas também na construção de estratégias com base em metodologias inovadoras, usando a inteligência competitiva do Estado para colaborar para o desenvolvimento do Ceará.
Isso tudo ajuda e traz um diferencial que vai desde como recebemos investidores, a exemplo do trabalho feito no Atlas Solar e Eólico, que trouxe vários investimentos, até de fato beneficiar as políticas públicas locais, feitas cada vez mais com efetividade a partir do uso dessas informações como algo essencial para medir o impacto para as políticas públicas e para as empresas, que têm essas ferramentas à disposição. Tudo isso se transforma em geração de empregos e ganhos de mercado das nossas empresas, e temos muito orgulho de estar contribuindo com o nosso Estado.
E SOBRE UMA VISÃO PESSOAL, EM QUE PATAMAR VOCÊ GOSTARIA QUE O OBSERVATÓRIO CHEGASSE NOS PRÓXIMOS ANOS?
A gente tem de forma clara 14 visões de futuro que foram estabelecidas com nossos painéis de especialistas, e não só eu, mas toda a equipe do Observatório tem um foco muito grande em ampliar e concretizar essas visões de futuro estabelecidas para as cadeias produtivas do Estado para contribuir para um futuro desejado de uma indústria competitiva e de um Ceará que consiga atingir nos próximos 10 ou 20 anos reduzir o gap do PIB per capta.
Já que somos 4% da população brasileira, que consigamos atingir a proporção de 4% do Produto Interno Bruto nacional. E isso faz com políticas de educação de qualidade, de ciência, tecnologia e inovação, além de investimentos públicos e privados, usando informação para ampliar os mercados das empresas aqui estabelecidas. A gente tem trabalhado muito para isso.
Não faz sentido a gente visualizar qualquer poltícia pública sem uma meta clara e essa tem de ser uma meta que, de fato, precisa ser internalizada por todos os cearenses, até porque o fruto desse PIB per capta é de uma realidade abaixo de uma média dos salários no País, e o Ceará tem feito o dever de casa para formar uma estrutura forte para atingir essa meta.
Precisamos de uma educação de qualidade, mas essas políticas precisam ser seguidas olhando os principais eventos internacionais de políticas de fortalecimento da educação superior, da inserção de mestre na indústria e de investimentos em ciência e tecnologia para que essa população que passou por um processo de incentivo à educação de qualidade possa contribuir, passando pela indústria 4.0 e outros fatores, como a nanotecnologia.
Tudo isso vai ser importante para transformarmos a realidade econômica do Estado e por fim a esse gap com um desenvolvimento de setores intensivos em tecnologia, desde os serviços até segmentos industriais altamente focados em tecnologia de ponta. A gente visualiza como uma meta factível e importante e que deve ser vista com cuidado, mas que deve ter todas as esferas da sociedade comprometidas em fazer disso uma realidade.
QUAIS AS PRINCIPAIS BARREIRAS QUE PODEM EVITAR O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA NO CEARÁ E NO PAÍS ATUALMENTE?
Na agenda que temos desenhado, vemos de forma muito clara o impacto que uma reforma tributária inteligente pode gerar de forma positiva no País, a partir do momento que conseguimos reduzir o quanto o nosso sistema de tributação em cascata acaba deixando inviável a competitividade do Brasil em produtos de ciência e tecnologia, que precisam de várias etapas de produção industrial, a gente vai ter uma contribuição extremamente produtiva.
Temos também o próprio ambiente de negócios como um ponto a ser otimizado, e até por conta disso temos atuado tão fortemente na implantação do centro de inteligência do custo Brasil, e ao nível estadual temos ações com diversas secretarias para reduzir a burocracia e automatizar diversos processos que impactam várias atividades econômicas no Estado.
E temos um desafio de como os principais indicadores do Estado, que são fruto de uma realidade econômica bem diferente dos últimos anos no Ceará, como o analfabetismo, que vêm sendo trabalhados, mas que ainda temos que avançar, além dos investimentos em tecnologia e inovação, necessários para construirmos uma economia inovadora.
Sem essa premissa fica complicado tornar o Ceará um estado referência e líder de uma agenda de inovação.
TEMOS NO PAÍS A DISCUSSÃO SOBRE A REFORMA TRIBUTÁRIA, MAS ALGUNS MODELOS POSTOS PELO GOVERNO FEDERAL TÊM APRESENTADO MUDANÇAS QUE PODERÃO ELEVAR A CARGA DE ALGUNS SETORES. COMO O SENHOR ENXERGA O ASSUNTO? TEMOS BONS MODELOS EM PAUTA OU AINDA SERÁ PRECISO DISCUTIR MAIS O ASSUNTO?
O principal é garantir uma participação forte da sociedade e do empresariado e precisamos criar uma reforma que não aumente a carga tributária. O empresariado, de forma geral, tem visto de forma otimista essa possibilidade de aprovação de uma reforma tributária, mas é importante, até pelo fato de ter sido fatiada, que ela seja discutida na totalidade. Discutir a simplificação apenas de alguns tributos vai gerar um resultado bem menor do que o esperado do que o necessário para reduzir o custo Brasil.
COMO VOCÊ ENXERGA A SAÍDA DE EMPRESAS GRANDES DO BRASIL COMO A FORD? TUDO ISSO É REFLEXO DESSE CENÁRIO DESCRITO ANTERIORMENTE?
A pandemia abriu possibilidades até de decisões mais duras por parte das empresas, então fica complicado discutir individualmente todas essas estratégias.
Mas independente dessas notícias ruins, temos de usar isso como exemplo para que possamos ampliar essas agendas de apoio à redução do custo Brasil em todas as esferas. Não adianta uma prefeitura sozinha fazer seu trabalho, se não houver um trabalho ao nível estadual ou federal.
Temos de ter uma atuação forte nas três esferas do Governo para que a gente possa reduzir essa burocracia, os obstáculos e criar um diferencial competitivo. Talvez tenhamos uma década com várias oportunidades para o Estado nos próximos anos, pensando no hidrogênio verde, na economia do mar, e outros setores, mas precisamos avançar nessas agendas.
A FIEC TAMBÉM VEM MANTENDO UMA RELAÇÃO MUITO BOA COM O PODER PÚBLICO. COMO AVALIA ESSA INTERAÇÃO? PODE TRAZER MUITOS PONTOS POSITIVOS PARA O TRABALHO DA INSTITUIÇÃO?
Essa relação é muito profícua e auxilia a gestão pública a medir suas ações e a pensar políticas públicas mais efetivas, e o sistema Fiec se orgulha muito desse trabalho todo, até porque todas essas bandeiras são idealizadas pela sociedade, pela nossa academia e pelo nosso empresariado. Boa parte desse trabalho construído é feito com mais de duas mil pessoas, contando com cientistas e pesquisadores do Estado, além de termos representantes da nossa indústria e do terceiro setor, que vêm contribuir com o projeto.
E essas ações têm sido bem recebidas pelo nosso Governo do Estado, que tem trabalhado para garantir a aplicação dessas ações, que podem ser aprimoradas ao longo dos anos, ganhando até mais efetividade.
Em geral, todas as ações da sociedade e do empresariado que são pensadas no bem comum acabando garantindo a perenidade dessas ações e políticas públicas. E tudo isso é importante para que o Estado possa ser reconhecido nacional e internacionalmente como incentivador dessas iniciativas de desenvolvimento do Ceará.
VOCÊ FAZ PARTE DOS QUADROS DA FIEC HÁ PELO MENOS 13 ANOS, COMO AVALIA AS MUDANÇAS QUE OCORRERAM NAS INSTITUIÇÕES NOS ÚLTIMOS ANOS? COMO A FEDERAÇÃO TEM EVOLUÍDO PARA TRATAR DAS PAUTAS DE INTERESSE DO SETOR?
A Fiec tem passado por processo contínuo de transformação que é extremamente positivo. Um dos maiores exemplos é exatamente a transformação digital que estamos vivendo e que vem sendo aplicada nos últimos dois anos e sendo apoiada pelo nosso presidente Ricardo Cavalcante. Tudo isso tem garantido uma efetividade maior, que é uma obrigação no Sistema S por estar recebendo contribuições dos nossos trabalhadores, mas também por pensar de forma estratégica no nosso Estado como forma de reposicionar o Ceará para aumentar a produtividade não só internamente, com o Senai, o Sesi, e o IEL, que estão operando de forma muito efetiva, como externamente.
Isso é importante para garantir que nossos líderes empresariais possam estar preparados para identificar as mudanças nos cenários, até porque isso que vai direcionar as tomadas de decisões nas empresas.
Eu me orgulho muito de ter presenciado essa transformação da Fiec, que tem colaborado para o desenvolvimento da sociedade cearense, e é muto bom ver e contribuir para todas essas transformações no Estado. É muito bonito ver uma instituição que tenta fazer do seu exemplo uma onda positiva de mudanças na sociedade.