Fim polêmico do Peixe Urbano evidencia declínio das compras coletivas; setor se reinventa

Surgimento de marketplace próprio das varejistas coincidiu com o início do declínio desse mercado, que teve um boom nos anos 2000

Escrito por
Carolina Mesquita producaodiario@svm.com.br
(Atualizado às 11:27)
Peixe Urbano
Legenda: Peixe Urbano foi símbolo das compras coletivas no Brasil
Foto: Divulgação

O encerramento da plataforma Peixe Urbano no fim de janeiro, sem garantir o pagamento dos direitos trabalhistas de funcionários e dos créditos de clientes, evidenciou a crise do mercado de compras coletivas, iniciada já há alguns anos. Com pico até meados de 2010, a atividade tem poucos sobreviventes e os que ainda resistem tiveram de se adaptar à nova realidade.

O consultor e professor da Faculdade CDL, Christian Avesque, lembra que esse modelo de negócios surgiu ainda na década de 1990 com empresas voltadas à promoção de vendas.

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Os negócios se comportavam como um canal em que as empresas podiam vender estoques parados, produtos com tecnologia defasada e horários de serviços que não tinham muita demanda, por exemplo.

"Eles se comportavam como uma empresa de nicho, especializada em promoção de vendas. Aí você tem Peixe Urbano, Groupon, Barato Coletivo, todas na esteira das grandes empresas norte-americanas", afirma.

O que levou à queda nas compras coletivas

Segundo Avesque, a relevância do segmento teria perdurado até meados de 2010, período que antecedeu três fenômenos definidores para a queda do mercado de compras coletivas.

  • Marketplaces de grandes varejistas

"Os próprios marketplaces do Ponto Frio, Magazine Luiza, Casas Bahia, Fast Shop, Netshoes, todas essas corporações começaram a ter suas próprias plataformas digitais com ofertas especiais para os clientes cadastrados, o que não justificaria, nesse momento, fazer essa divulgação em sites de terceiros", explica o consultor.

  • Plataformas C2C

"O segundo grande movimento foi o surgimento de plataformas C2C, de consumidor vendendo para consumidor. E aí as empresas se aproximaram, principalmente as médias, de plataformas como OLX, Mercado Livre, dentre outras. Essas empresas passaram a ofertar muitos produtos e serviços, tendo uma capilaridade muito maior, um sistema de entrega melhor, uma credibilidade financeira maior, uma segurança nas negociações", afirma Avesque.

  • Sistemas de recompensas próprios

"Como esse modelo tinha surgido na década de 1990 como sistema de recompensa, como sistema de pontuação ou de ofertas específicas, as empresas criaram seus próprios sistemas de cashback, de pontuação, e ao invés de anunciar em um site de terceiros, essas empresas procuraram trazer seus clientes para sua própria base, oferecendo ofertas, pontuações, serviços gratuitos, frete grátis, esvaziando o tráfego para essas plataformas coletivas", acrescenta.

Beira mar de Fortaleza
Legenda: Uma das estratégias do Barato Coletivo para permanecer em alta é o foco em hotéis, lazer e entretenimento
Foto: José Leomar

Tendência mundial e reinvenção

O consultor ressalta que essa tendência de os grandes varejistas assumirem o relacionamento com o consumidor e trazerem o contato para as próprias plataformas é um movimento mundial.

Este cenário exige que as empresas do segmento se reinventem para continuar apresentando demanda satisfatória. Avesque segure que uma das saídas seria a especialização em nichos não alcançados por grandes varejistas.

"Se a gente tivesse uma empresa de cupons coletivos para viagens exóticas, viagens culturais, viagens gastronômicas, algo que fosse extremamente fora do grande varejo, esse seria um primeiro grande exemplo de sucesso. Um segundo seria empresas especializadas no mercado de terceira idade, no mercado LGBT, no mercado de pets. Aí sim poderia haver uma certa sobrevida para esse modelo de negócio", aponta.

Adaptação para sobreviver

O Barato Coletivo é uma das empresas de cupons com foco no Ceará que ainda resistem. Criada em 2010, a companhia ainda se beneficiou do 'boom' do mercado até 2011. Conforme o diretor comercial da marca, Danilo Gurgel, a demanda sofreu uma baixa, até voltar a crescer entre 2016 e 2019, período anterior à pandemia.

"Nós nascemos em 2010, em um período pós-crise. A ideia inicial era que comprando junto, se pagava pouco. Então, definia-se um volume mínimo para que o produto tivesse um preço incrível. Esse modelo não existe mais. Hoje, nós somos um e-commerce com descontos"
Danilo Gurgel
Diretor comercial do Barato Coletivo

Ele ainda pontua que os preços baixíssimos antes eram suficientes para atrair o consumidor, mesmo que o atendimento não fosse o melhor ou mesmo se a marca fosse desconhecida, fator que, sozinho, não sustenta mais a demanda.

"Muita gente não era bem atendida ou mesmo esquecia os cupons, então a experiência não ficou tão boa. Mas ainda temos bons estabelecimentos, de forma que as pessoas ainda acreditam na qualidade", aponta.

Legenda: Barato Coletivo conta atualmente com 14 colaboradores trabalhando de home office desde o início da pandemia
Foto: Divulgação

Foco em viagens, lazer e entretenimento

Uma das mudanças que ocorreram ao longo dos anos foi o foco em hotéis e em serviços de lazer, como entradas para cinema e parques aquáticos. Gurgel revela que a procura por hospedagens ainda é significativa e foi o que sustentou a empresa durante a pandemia.

"Durante o lockdown caem muito as nossas vendas. Mas quando as reaberturas são autorizadas, temos uma curva de crescimento muito rápida. Para hotel, as pessoas compram muito. Restaurantes e cinema tem um retorno mais lento, assim como os parques aquáticos", detalha. Por conta do foco nesse nicho específico, ele revela ainda que o ticket médio das compras se elevou.

Ainda por conta da pandemia, o Barato Coletivo teve de reduzir os gastos pela metade, incluindo folha de pagamento, investimentos em divulgação e renegociação de despesas fixas, como aluguel. Atualmente, a empresa conta com 14 funcionários.

Estabilidade na segunda onda

O diretor comercial ainda indica que, mesmo com a segunda onda da Covid-19 este ano, a empresa estava mais preparada e organizada e segue operando de forma estável. A estimativa é que, quando a vacinação chegar a 70% da população, a demanda do site cresça de forma considerável, em especial com a absorção de parte dos clientes do Peixe Urbano.

"Infelizmente, teve esse problema com nosso concorrente, saíram de maneira triste do mercado. Quando isso tudo passar, a gente vai acabar ganhando esses clientes. E o que houve não arranhou tanto a nossa reputação. Eles saíram do ar no fim de janeiro. Estamos em maio e continuamos com nosso fluxo normal"
Danilo Gurgel
Diretor comercial do Barato Coletivo

O Barato Coletivo possui de 200 a 300 parceiros ativos e, conforme o diretor comercial, há outras duas empresas com atuação no Ceará nesse mercado. Em 2010, esse número teria ultrapassado a marca de 100 sites.

Legenda: Plataforma do Peixe Urbano saiu do ar no fim de janeiro sem deixar contatos para funcionários e consumidores.
Foto: Divulgação

Peixe Urbano

Fundado em 2009, o Peixe Urbano foi uma das primeiras empresas de compras coletivas do País. O modelo foi baseado no da empresa estadunidense Groupon.

O site da companhia saiu do ar no dia 28 de janeiro. À época, a conta oficial da empresa informou, pelo Twitter, que se tratava de uma "intermitência sistêmica", a qual estava sendo reparada por uma equipe de tecnologia.

No entanto, a conta parou de responder às reclamações de usuários no dia 2 de fevereiro. Além do site, o aplicativo da empresa parou de funcionar, o que impediu o acesso de créditos e vouchers de desconto.

Em março, o Peixe Urbano desligou oficialmente todos os funcionários, mas não pagou os direitos trabalhistas de nenhum deles, fato confirmado pela própria empresa em audiência com o Ministério Público do Trabalho (MPT).

Nem mesmo o escritório de advogacia que representava a empresa no Brasil consegue mais contato com os responsáveis da companhia. Sócios do Bracks Advogados Associados relataram que tentaram falar com Nicolás Leonicio, empresário chileno e principal sócio e CEO do Peixe Urbano, para discutir eventual saída para o problema trabalhista e despesas em atraso, mas não obtiveram sucesso.

A estimativa de um ex-executivo da empresa é que a dívida da companhia esteja na casa dos R$ 50 milhões.

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