Declínio do Pão de Açúcar: o que está por trás do fechamento de lojas em Fortaleza?
Grupo, que hoje tem 12 unidades na Capital, já chegou a ter mais do que o dobro em passado recente
A decisão do Grupo Pão de Açúcar (GPA) de fechar mais uma loja em Fortaleza, desta vez no Shopping Aldeota, na área nobre da cidade, reduz a presença da empresa na capital cearense. Em um ano, foram quatro encerramentos de unidades, que levantam o debate sobre qual o futuro do Pão de Açúcar no Ceará.
Como definido por Christian Avesque, consultor de empresas e professor da Faculdade CDL, Fortaleza "era a segunda praça de venda" do GPA no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, atrás somente de São Paulo, sede da companhia.
Essa situação, no entanto, era em outro momento da empresa. À época, o grupo era controlado por Abílio Diniz, em negócio fundado pelo seu pai, Valentim Diniz. O empresário, que faleceu em fevereiro deste ano, ficou no controle do GPA até 2013. O grupo francês Casino passou a ser o controlador da empresa.
No começo de 2024, o Grupo Casino deixou de ser acionista majoritário do GPA. No lugar, assumiu um grupo de investidores, também estrangeiro, liderado pelo bilionário tcheco Daniel Kretinsky.
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"Depois que houve a venda do grupo Casino para aquele grupo de investidores tchecos, eles estão naquela política de fazer um desinvestimento na América do Sul. O GPA é o grande carro-chefe deles aqui. (…) Eles devem continuar com esse processo de venda de ativos, de redução de custos operacionais, e muito provavelmente nesse ano que vem, ou eles devem trazer um novo investidor, ou então eles devem vender a participação aqui no Brasil", analisa Avesque.
Desde então, uma série de redução de ativos foi vista no GPA em todo o País. Isso inclui a venda da Via Varejo (atual Grupo Casas Bahia) e a saída da Sendas Distribuidora (Assaí Atacadista) da empresa, além do fim dos hipermercados Extra. Atualmente, só estão com a companhia as marcas Pão de Açúcar (supermercado e Minuto) e Extra (Mini e Mercado).
Número de lojas diminui gradativamente em Fortaleza
Em Fortaleza, o GPA chegou a ter cinco hipermercados da marca Extra, além de mais de 20 supermercados do Pão de Açúcar ao longo dos anos 2000 e 2010. Houve ainda a entrada do Mercado Extra, em modelo de supermercados de proximidade.
As últimas inaugurações do grupo foram em 2022, em processo de conversão de duas unidades do antigo hipermercado Extra em supermercados Pão de Açúcar: uma no Shopping Iguatemi Bosque e outra na avenida Aguanambi.
Nos últimos dois meses, foram duas lojas fechadas, ambas na Aldeota. Além do encerramento da unidade no Shopping Aldeota, prevista para 31 de dezembro, houve o fim da loja no cruzamento das avenidas Antônio Sales e Senador Virgílio Távora, em outubro.
"Especificamente a loja do Shopping Aldeota estava com um fluxo baixíssimo, com tíquete médio lá embaixo. Tem outras duas lojas em um raio de dois quilômetros que são muito mais rentáveis: a loja do Náutico, uma das que mais vendem no País todo, que é muito importante para eles, e a do Shopping Center Um. Essa do Shopping Aldeota ficava no meio dessas duas lojas e ficou estrangulada, além de termos uma loja na avenida Júlio Ventura, outra no Cocó e outra na avenida Santos Dumont", pontua Avesque.
Não foram, no entanto, os únicos fechamentos do GPA no Ceará em um período de um ano. Em pouco mais de quatro meses, o grupo fechou duas das três lojas do Mercado Extra em Fortaleza: uma no bairro Seis Bocas, próximo à avenida Oliveira Paiva, e outra na Sapiranga, na avenida Washington Soares. Sobrou somente a unidade no bairro de Fátima, em frente ao Terminal Rodoviário Engenheiro João Thomé.
Christian Avesque relembra que o segmento explorado pelo GPA, principalmente de supermercados voltado para públicos das classes A e B, de alto poder aquisitivo, encontrou um terreno ainda inexplorado em Fortaleza, mas que, com o passar dos anos, as redes locais foram se qualificando, pulverizando o mercado em áreas mais nobres, até então dominadas pelo Pão de Açúcar.
Cerca de 30 anos atrás, a gente não tinha redes locais, como São Luiz e Guará, com essa perspectiva mais qualificada. Eles dominaram o mercado, sobretudo no início dos anos 2000, quando o grupo Pão de Açúcar compra sete lojas do Grupo São Luiz. Dentro dessa categoria premium, eles eram quase donos do mercado. Hoje surgem novos players, até as nossas padarias premium estão virando minimercados. É uma concorrência por raio, saturação por bairro com mix muito maior. Tem um detalhe importante: o Grupo Pão de Açúcar desinvestiu muito em qualidade no atendimento e experiência de loja.
Minuto Pão de Açúcar: foco em conveniência em detrimento dos supermercados
Em mudança de estratégia operacional, o GPA vem, há alguns anos, investimento no segmento de minimercados. O Minuto Pão de Açúcar e o Mini Extra vêm sendo, conforme os balanços financeiros trimestrais do grupo, as apostas da empresa para crescer no mercado.
No comparado com os supermercados, a participação nas vendas ainda é menor, mas tem tido crescimento considerável gradativamente. Em dois anos, a alta nas chamadas vendas de mesmas lojas foi de 4,6% no terceiro trimestre de 2024.
Foram 43 inaugurações nos últimos 12 meses do GPA (outubro de 2023–setembro de 2024), sendo 30 Minuto Pão de Açúcar e 11 Mini Extra. Somente dois supermercados Pão de Açúcar foram abertos.
Conforme informações disponibilizadas nos sites do Pão de Açúcar e do Extra, são 131 Minutos, sendo 124 em São Paulo e sete em Pernambuco. Já dentre os Mini, são 145 lojas, todas em território paulista.
"Os minimercados começam primeiro pelas áreas que têm um poder aquisitivo maior, alta saturação demográfica, mais próximo aos CDs (centros de distribuição) deles e as indústrias que fazem esse fornecimento e das empresas da parte logística, que custo de operação total cai em média 20%, porque está tudo próximo da indústria, das empresas de logística, o mix fica mais qualificado para aquela área, e tem um tíquete de compra maior", avalia Avesque.
Fortaleza deve ganhar novas lojas do GPA?
Com o foco maior em expansão de unidades de conveniência, como os minimercados, a tendência é de que os supermercados tradicionais do GPA reduzam a participação no mercado. Fortaleza, inclusive, deverá ser uma das cidades afetadas, conforme análise de Christian Avesque.
"Aqui no Nordeste, por termos grupos que são muito fortes em relação a Recife e Salvador, tem uma grande dificuldade para ter uma rentabilidade. Acredito piamente que eles vão descontinuar mais lojas grandes e os minimercados para cá, para Fortaleza, devem ficar para o próximo biênio. Por agora, não deve ter nenhuma grande novidade", decreta.
Fortaleza hoje é o campo de batalha do Nordeste. Temos redes locais muito fortes, temos também redes menores que estão fazendo o associativismo, e os grupos internacionais. É um campo de batalha pelo PIB maior, pois Fortaleza é uma grande metrópole. Temos um padrão de renda que está voltando a crescer nos últimos anos, então o GPA veio perdendo essa força.
A reportagem fez uma série de questionamentos ao GPA para entender a descontinuidade de lojas em Fortaleza, bem como se novos investimentos estão previstos para a Capital. Por meio da assessoria de imprensa, o grupo informou que não vai se manifestar sobre o assunto.