Armazenamento de energia em baterias pode reduzir conta de luz pela metade; entenda
Atividade deve passar por regulação em maio para concorrer a leilão de reserva de capacidade ainda em 2025

Embora ainda não seja permitido no Brasil, o armazenamento de energia elétrica por baterias na geração centralizada (GC) pouco a pouco ganha força. A promessa do setor é de que, com essa tecnologia, o valor da conta de luz dos brasileiros passe por uma redução expressiva, podendo chegar a 50% de desconto em relação ao preço atual.
Markus Vlasits, presidente da Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia (Absae), explica como é feita essa conta em entrevista ao Diário do Nordeste. Esse valor é calculado em reais por megawatts-hora (R$/MWh), e feito na comparação com o acionamento de usinas termelétricas.
Nosso custo é sempre calculado em R$/MWh de capacidade dessa bateria. Hoje esse custo vai, dependendo do tamanho do sistema e da maneira como a gente conecta ele na rede, variar entre mais ou menos R$ 1 milhão a R$ 1,5 milhão/MWh de capacidade. Com isso, o leilão de reserva de capacidade consegue oferecer um desconto ou uma economia de 50% em comparação com as usinas térmicas.
Quando as termelétricas são ligadas, significa que o custo para produzir energia elétrica no País vai aumentar. Essas usinas utilizam combustíveis, normalmente fósseis, para geração de eletricidade. Com isso, o valor da conta de luz para os consumidores sobe, seja em impostos ou na forma de bandeiras — amarela, vermelha patamar 1 e vermelha patamar 2. Em maio deste ano, por sinal, será acionada a bandeira amarela.
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Esse acionamento, em geral, não é comum. Ele acontece em momentos quando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) precisa de maior carga de energia, e a geração normalmente disponível não é suficiente para suprir a demanda.
Como as baterias podem baratear o custo da energia
O presidente da Absae diz que as baterias dispensam o uso das termelétricas, uma vez que a energia estocada no sistema é o excedente do que é produzido em horários com menor necessidade de uso de eletricidade.
"A gente tem momentos no dia onde a gente não consegue aproveitar toda essa energia. A gente aproveita a geração solar e eólica, mas joga fora potencial de geração. São justamente os grandes parques renováveis no Nordeste os mais afetados por isso. A gente vê parques obrigados a jogar fora 8%, 10%, 15% do seu potencial de geração, o que é dramático", considera.
"Outro problema que a gente tem é aquilo que o ONS chama de deficit de potência: o consumo de energia varia ao longo do dia, e a gente tem hoje o nosso maior consumo no horário noturno, tipicamente, entre as 18 horas e 22 horas. Nesse horário não temos mais nenhuma energia solar, e geralmente também não se tem muita energia eólica porque eólica produz mais de madrugada e no horário da manhã", completa Vlasits.
Tecnologia "estoca" energia
A tecnologia é representada pela sigla Bess que, em tradução livre, significa Sistemas de Armazenamento de Energia por Baterias. O funcionamento, basicamente, também é literal: a tecnologia "estoca" a eletricidade produzida e disponibiliza quando há necessidade.
Markus Vlasits compara os Bess com carregadores portáteis (power banks), feitos para serem utilizados por aparelhos como celulares e smartphones em momentos de necessidade e que não contem com tomadas próximas para completar a carga.
As baterias para armazenamento de eletricidade, por sua vez, são carregadas com o que sobra da produção. As usinas, principalmente de energias renováveis, como eólicas e fotovoltaicas, jogam no sistema a energia, e o que não é consumido vai para os Bess para ser usado depois.
"É uma péssima ideia contratar termelétricas, porque elas são muito caras, poluentes e não se liga e desliga para momentos de curta duração. Precisa ficar ligada por muito tempo. Muitas vezes se um problema de três horas e tem que ligar esses usinas durante dias, então acaba jogando fora ainda mais energia renovável por causa dessas restrições", explica o presidente da Absae.
"A única solução razoável nesse contexto é a de usar baterias em grande escala para reserva de capacidade. A bateria é muito mais flexível: posso ligar, desligar, de forma muito rápida, ela é mais barata porque não preciso mais queimar combustível na hora de acionar e ela consegue recuperar esse excedente de geração renovável durante o dia e reaproveitá-lo durante a noite. Na verdade, a bateria consegue resolver ambos os problemas", acrescenta.
Uso diminui preço para ponta de carga
No atual sistema elétrico de geração centralizada do Brasil, tudo o que é produzido no País pelas hidrelétricas e usinas eólicas, fotovoltaicas e termelétricas tem de ser imediatamente colocado na rede para o consumo. Até às 16h10 da sexta-feira (25), segundo o ONS, a geração de energia no Brasil era dividida da seguinte forma:
- Hidrelétricas: 60,4 GW (68,4%);
- Fotovoltaicas: 13,7 GW (15,5%)
- Eólicas: 8,1 GW (9,1%);
- Térmicas (incluso nucleares): 6,1 GW (7%);
TOTAL DA GERAÇÃO: 88,3 GW (100%).
Quanto mais se aproxima do período noturno, menor fica a participação das usinas fotovoltaicas, uma vez que elas dependem da luz solar para produção de energia. É justamente nesse horário que aumenta o consumo de energia, no chamado período "ponta de carga", momento mais crítico do sistema.
O principal tipo de usina para atender justamente esse período do dia de maior necessidade de carga no sistema é a termelétrica, por poder produzir energia de forma rápida e poder colocar no sistema. Para isso acontecer, porém, tem um custo bastante elevado e pouco competitivo.
Hoje, o MWh dessas usinas solares e eólicas de grande porte é comercializado a R$ 170. As usinas do leilão térmico cancelado teriam sido entre R$ 1,7 mil a R$ 2,6 mil por MWh, ou seja, de 10 a mais 20 vezes mais o custo da energia renovável. Ao acionar a bateria, não tem mais nenhum custo variável, porque só armazenou e jogou para outro momento. A solução da bateria sempre vai ser mais barata, menos onerosa do que qualquer solução térmica.
Leilão de capacidade deve incluir armazenamento de energia pela primeira vez
No início de abril, o Governo Federal, por meio do Ministério de Minas e Energia (MME), cancelou, mais uma vez, o leilão de reserva de capacidade na forma de potência. De acordo com a pasta, o motivo foi "pela disputa judicial do certame entre os grupos envolvidos".
O assunto também é destacado por Markus Vlasits. A ideia é de que, pela primeira vez, o armazenamento de energia por baterias esteja inserido neste leilão, que vai ajudar com que o sistema carregue a energia necessária em momentos de ponta de carga.
"Esses leilões de reserva de capacidade não contratam energia, mas sim disponibilidade. Basicamente se coloca uma usina à disposição do ONS, e ele pode acionar no momento em que precisa, que vai tipicamente ser naquele horário noturno. (…) O setor termelétrico tem brilhado bastante, mas tem conflitos com o MME. Isso não vai ter com o setor de armazenamento, a gente está muito mais alinhado, e a nossa contratação vai ser muito mais simples do que a das termelétricas", pontua.
Baterias poderão ser usadas sem lei específica
Por força de legislação, as fontes eletroquímicas, como são chamadas oficialmente as baterias que estocam eletricidade, ainda não são permitidas no Brasil. O PL 1224/2022, que visa regulamentar o armazenamento de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN) para a GC, está tramitando no Congresso Nacional, mas ainda não há prazo para votação.
O presidente da Absae, entretanto, aponta que não é preciso essa lei para que o armazenamento por baterias entre em vigor no Brasil. Em vez disso, é possível que uma portaria normativa da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) permita que essa modalidade de estocar eletricidade passe a entrar em operação.
"A agência já conduziu uma consulta pública sobre os aspectos estritamente regulatórios de como que esses sistemas devem ser tratados. A gente entende que tem manifestações públicas da diretoria da Aneel e que essa resolução normativa para armazenamento está quase pronta e deve sair em maio. Saindo em maio deste ano, a gente estaria em termos de cronograma muito bem alinhado com o cronograma do próprio leilão", considera.
Independente do projeto de lei ser votado ou não, o armazenamento de energia com a resolução normativa pode começar a acontecer na geração centralizada no Brasil. É claro que futuramente seria ótimo ter esse projeto de lei, porque a lei vai muito além de reserva de capacidade. A gente tem várias outras aplicações de armazenamento.
A portaria da Aneel ainda está em fase de elaboração após a Consulta Pública 39/2023. Em reiteradas declarações, técnicos da agência e diretores, incluindo Ricardo Tili, já informaram que, até maio, a nota técnica deve ser concluída.
Larga escala dos Bess não deve ser realidade inicialmente no Brasil
No Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), prevê como será o mercado de eletricidade no País até 2034. O armazenamento deve corresponder a uma fatia bem pequena do total, somente 0,8 GW do total, podendo chegar a 2 GW, mas não devem incluir só baterias, como também outros modais, como hidrelétricas reversíveis e termelétricas.
Para Markus Vlasits, "tem que botar o leilão na rua, tem que fazer acontecer" para que reduzir os efeitos causados pelo desperdício de usinas de energia, sobretudo as renováveis, que obtém eletricidade a partir de fontes limpas, mas tem certos limites para geração.
"O crescimento da geração renovável no Nordeste sem armazenamento não vai ser possível. Olha as dificuldades que a gente já tem hoje. Agora vamos imaginar que a gente adiciona 5 GW de energia eólica offshore. A transmissão não comporta, e o desafio que a gente tem com as renováveis é que tem o pico de geração de curta duração. Só que preciso dimensionar minha linha de transmissão como se fossem 24 horas", expõe.
"Uma usina solar ou eólica faz mal uso da infraestrutura de transmissão, e a bateria consegue resolver esse pico, consegue mudar esse perfil de geração com esse pico de curta duração e distribuir essa energia renovável ao longo das 24 horas do dia", declara o presidente da Absae.
Ceará deve ser beneficiado com leilão
O preço para as baterias, pelo menos por enquanto, ainda é um entrave, muito em virtude da atual estabilidade para geração de energia. Por isso, Markus Vlasits acredita que, pelo menos neste primeiro momento, o armazenamento é a solução ideal para o início do uso dos Bess.
"Esse sinal econômico não ajuda. Na reserva de capacidade, a gente presta um serviço que o sistema elétrico precisa que, junto com a usina, gera sinergias. Segundo passo é que, até agora, não tivemos o marco regulatório adequado. Tudo dando certo, vai mudar rapidinho. O ONS também está trabalhando nos procedimentos de rede técnicos", diz.
O Ceará deve continuar com protagonismo na região para Vlasits, principalmente envolvendo cifras bilionárias. A ideia é de que o primeiro leilão já traga um aporte significativo, com investimentos que podem chegar a R$ 40 bilhões.
"Para todos os estados do Nordeste, mas como o Ceará tem um papel tão relevante na geração renovável, vislumbro uma grande oportunidade de investimento. A gente pleteou, perante o ministério, que esse leilão de baterias contrate pelo menos de 3 a 4 GW, e estamos falando de um montante de investimento na faixa de até R$ 40 bilhões só neste primeiro leilão. Isso traz novos investimentos para o Ceará", projeta.
A reportagem entrou em contato com a Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget) para entender como o setor lida com a concorrência dos Bess, bem como a questão da competitividade das baterias e do diferencial que tornam essas usinas mais vantajosas. Quando houver retorno dos questionamentos, este material será atualizado.