Como as novas regras para declaração do IR podem aumentar imposto em mais de 200%
A proposta do governo limita a declaração simplificada à renda anual inferior a R$ 40 mil. Contribuintes sem despesas dedutíveis devem ser os mais afetados
A conta da Reforma Tributária proposta pelo governo federal no fim do mês passado pode cair para a classe média. Cálculos feitos pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), indicam que o valor do imposto a ser pago pode aumentar até 201,5%.
A principal razão é a limitação para a declaração simplificada do Imposto de Renda, um dos pontos do texto que aguardam votação no Congresso Nacional.
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Hoje, qualquer pessoa pode optar pela modalidade de declaração mais simples, que abate automaticamente 20% de todos os rendimentos, desde que o desconto máximo seja de R$ 16.754,34.
Com a proposta debatida pelos parlamentares, apenas contribuintes com renda anual abaixo de R$ 40 mil (equivalente a R$ 3.300 mensais) poderão aderir à modalidade. Nesse caso, o desconto máximo será de R$ 8 mil.
Renda acima de R$ 40 mil
Obrigados a declarar o imposto de renda no modelo completo, os brasileiros com renda anual superior a R$ 40 mil podem ter de pagar mais impostos.
Os mais prejudicados serão os contribuintes que não possuem despesas dedutíveis, tais como dependentes e gastos com saúde e educação.
Segundo dados da Receita Federal, 17,4 milhões de contribuintes declararam o IR pelo modelo simplificado em 2019. Dentre esses, 10,6 milhões tinham renda inferior a R$ 40 mil — o que significa que 6,8 milhões de brasileiros podem estar fora desse contingente caso a proposta seja aprovada.
O Diário do Nordeste entrou em contato com a Receita Federal para obter dados atualizados sobre a declaração de 2020, mas não obteve respostas até o fechamento desta matéria.
Contrapartida
O ponto de maior destaque da proposta enviada pelo governo é o aumento da faixa de isenção do imposto de renda.
Hoje, são isentos de declarar os contribuintes com renda mensal de até R$ 1.903,98. Com a proposta, a faixa salarial aumentará para R$ 2.500, o que isentará 5,6 milhões de brasileiros, segundo dados da Receita Federal.
“O grande desafio é porque o governo não tem margem de dinheiro, dá de um lado e tira do outro. A partir do momento em que a tabela do imposto de renda é atualizada, vai ser menos receita para ele. Então, ele foi buscar receita no imposto simplificado”, declara a planejadora financeira e professora da FGV, Myrian Lund.
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Antes, devido ao limite de desconto, a declaração simplificada beneficiava apenas quem tinha rendimento anual de até R$ 83.500 (cerca de R$ 6,9 mil mensais). Ela afirma que os brasileiros abaixo dessa faixa salarial são justamente os que têm perdido gastos dedutíveis em meio à pandemia.
“Quem tá nessa faixa é quem está tirando filho de escola particular porque não consegue pagar, não consegue manter plano de saúde, então perde esses descontos. É uma classe muito espremida, vai ter que ir atrás de renda para ter uma solução ou começar a fazer PGBL (modalidade de previdência privada)”, explica.
A contadora e advogada sócia do Fonteles & Associados, Emanuelle Oliveira, acrescenta que limitar o número de contribuintes com declaração simplificada foi uma forma de o governo “vigiar” profissionais liberais que não declaram toda a receita.
Isso porque, para conseguir um desconto maior na hora da declaração, será necessário declarar gastos tidos durante o ano, como com médicos, psicólogos ou fisioterapeutas. Na outra ponta, esses profissionais deverão declarar os ganhos para não cair na malha fina.
“O fisco quer que você seja fiscal dele. No momento que você traz despesas com profissional liberal, você tá denunciando-o. O profissional liberal deve estar certo de que todas as receitas deverão ser declaradas”, diz.
Na ponta do lápis
Segundo o estudo da Unafisco, o maior aumento percentual no imposto a ser pago será para contribuintes com renda anual de R$ 40.100 sem dependentes.
Na declaração simplificada, o imposto a ser pago seria de R$ 156. Optando pela modalidade completa, o valor sobe em 201,5%, para R$ 470,29.
A declaração completa é mais vantajosa para quem tem um dependente. Em vez de pagar o imposto fixo de R$ 156, o contribuinte poderia pagar apenas R$ 32,55 com as deduções.
Considerando o rendimento anual de R$ 48 mil, o imposto para quem não tem dependentes salta 111,1% com a declaração completa. De R$ 630, o contribuinte teria de pagar R$ 1.329,68.
A menor variação fica para quem tem renda anual de R$ 180 mil e um dependente. Nesse caso, em vez de pagar R$ 32.757,56 de imposto, seria pago R$ 33.278,37, 1,6% a mais.
Como pagar menos imposto
Diante de críticas, é possível que a proposta do governo seja revisitada para ampliar o número de contribuintes que poderão fazer a declaração simplificada.
De acordo com interlocutores do ministro falaram ao O Globo, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, já estuda um novo limite de renda de R$ 60 mil. O valor ainda não está fechado.
De qualquer forma, caso a proposta passe conforme o texto original, será necessária uma maior preparação antes da declaração do imposto de renda para diminuir o valor devido ao fisco.
“Manter uma organização da documentação de despesas dedutíveis vai te ajudar lá na frente. Tem que pedir nota, tem que pedir recibo porque toda e qualquer soma dessas despesas pode te ajudar na ponta do lápis”, indica Emanuelle.
Myrian também recomenda estudar a adesão a um plano de previdência privada do tipo PGBL, que possibilita abater até 12% da renda tributável na declaração.