Com seca prevista para o Ceará, o que esperar da economia em 2024
Neste ano, o Ceará já voltou a ter 100% das regiões com áreas de seca relativa
Há 30 anos, o Ceará sofria com a seca extrema. Entre as memórias de quem vivenciou essa época, uma cena em comum retrata o êxodo rural e o aumento da pobreza: testemunhar famílias de retirantes pedindo esmola sob os semáforos da Capital. Se as projeções climáticas se confirmarem, em 2024, haverá estiagem nos moldes dessa registrada em 1993.
Agora, no entanto, há mais recursos para minimizar os efeitos da escassez hídrica e as suas consequências socioeconômicas. Caso ocorra, o impacto da seca será mais agudo para a produção agrícola e pecuária, aumentando o preço de alimentos para o consumidor final.
Além disso, muitos outros setores econômicos devem ser afetados — direta e indiretamente — pelo déficit hídrico, incluindo a indústria, a depender do manejo da situação.
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Neste ano, o Ceará já voltou a ter 100% das regiões com áreas de seca relativa, com a região Oeste já em situação moderada. Para 2024, a ameaça de um “super El Niño” indica alta possibilidade de estiagem.
O fenômeno é provocado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico equatorial, ocasionando a seca nas regiões Norte e Nordeste, enquanto aumenta as chuvas no Sul do País.
Segundo o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do Centro Estratégico de Excelência em Políticas de Águas e Secas, Francisco de Assis Souza Filho, há “95% a 97% de chance de ocorrer um El Niño mais forte” no próximo ano.
“Se acontecer com a intensidade que estamos estimando, há possibilidade significativa de haver seca geral, tendo impactos em vários setores, como agricultura de sequeiro e no sistema de abastecimento da cidade”, analisa.
Conforme o especialista, no Ceará, o principal usuário da água é o sistema de irrigação, mas tem a demanda urbana de segmentos que utilizam a rede, como o turismo, comércio e outros serviços.
“O El Nino já está instalado. Se persistir até o nosso período chuvoso, pode gerar esse impacto de redução da precipitação, ocorrendo seca no Estado. Se o evento tiver uma anomalia de meio a dois graus, a estiagem pode ser similar a de 1993 e 1998, mas isso dependerá desse valor da intensidade”, pondera o professor.
Outra preocupação é como a situação pode reverberar no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP S/A), onde há 21 indústrias, incluindo a do aço, cuja utilização da água é fundamental para os processos, como o resfriamento.
Atualmente, há uma discussão para adotar o reuso a partir de efluentes sanitários, mas o sistema ainda não foi implementado. A expectativa é que saia do papel para a indústria do Hidrogênio Verde (H2V).
O Diário do Nordeste questionou à Federação das Indústrias do Estado (Fiec) sobre como está o acompanhamento da situação e se há algum plano para os segmentos mais afetados. Também indagamos sobre o diálogo com o governo para enfrentar o problema. A instituição não respondeu aos questionamentos e nem disponibilizou uma fonte até a publicação desta matéria. As tentativas com a entidade iniciaram em 1º de dezembro e encerraram no último dia 8.
No último dia 5, o CIPP também foi procurado para falar sobre o que planeja fazer para minimizar os efeitos na indústria do aço e outros setores, mas também não respondeu aos questionamentos até a publicação. Porém, a assessoria de imprensa do complexo disse que não deve haver impacto direto, “pelo menos por enquanto”.
Alta dos alimentos (dentro e fora do lar) e do custo da água
O economista e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Ricardo Coimbra, reitera que as chuvas são cruciais para a economia cearense, sobretudo para a agricultura familiar e para quem vive da pesca.
Do outro lado, os consumidores também sentiriam o efeito da seca. “Se houver uma quadra chuvosa menor, como se está esperando, pode haver uma elevação dos preços, principalmente dos itens alimentares”, aponta, acrescentando também haver possibilidade de pressão sobre o custo da conta de água.
“Produtos regionais de safra podem não cair como em ciclos anteriores ou até ter uma alta. O segmento de alimentação deve ter um repique de elevação em função da menor oferta de água, mas precisamos observar se esse quadro vai se efetivar”, pondera.
Segundo o analista de mercado da Central de Abastecimentos do Ceará (Ceasa), Odálio Girão, não haverá impactos, neste ano, no custo dos alimentos. Para 2024, porém, se o quadro de seca se confirmar, as frutas chegarão inflacionadas às gôndolas.
“A acerola depende de muita água da chuva para manter o ciclo de produção, e a banana é o principal produto do Ceará, também seria afetado o cultivo no Maciço do Baturité”, exemplifica. Além dessas, cita, a manga e o maracujá poderão encarecer.
“Também teremos reflexos nas hortaliças, como a batata-doce e o chuchu. Além disso, o pimentão e o tomate, um produto de excelente qualidade produzido na Ibiapaba”, lista.
Taiene Righetto, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes no Ceará (Abrasel), avalia que o impacto, principalmente na agricultura familiar, também reverberaria no segmento. “Nossa preocupação é a subida de preço devido à escassez de produtos como hortifrúti”, diz.
Conforme Righetto, a entidade está desenhando um plano para suprir essa demanda, discutindo com outras instituições, como a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado (Fecomércio).
Impacto na pecuária leiteira
Para o presidente da Federação da Agricultura do Estado (Faec) Amílcar Silveira, a produção de leite seria a mais afetada, com a redução da pastagem e forragem para o gado. Atualmente, segundo ele, 83 mil pessoas sobrevivem dessa produção no Ceará.
“Estamos preocupados com uma escassez hídrica, o risco é iminente, e a pecuária leiteira deve ser a mais afetada, juntamente com os perímetros irrigados”, diz.
Para tentar amenizar os impactos da possível estiagem, a entidade planeja elaborar um laboratório móvel para orientar os produtores rurais sobre como melhorar a eficiência hidrídica.
Amílcar destaca, no entanto, a falta de diálogo por parte do governo do Estado para pensar em estratégias para o problema.
Conta de luz deve subir até 2025, mas não por conta da seca no Ceará
O economista Edair Melo explica que a seca pode demandar o acionamento das usinas térmicas para compensar a baixa nos reservatórios, provocando o aumento o custo da luz. “Isso acaba encarecendo a conta para a população e para as empresas”, aponta.
Além de serem mais poluentes, segundo nota técnica do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), as termelétricas movidas a gás natural são até sete vezes mais caras do que o das hidrelétricas, por exemplo. Isso ocorre porque a modalidade necessita da compra de combustível, como carvão, diesel e o gás.
O diretor de regulação do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Ceará (Sindienergia), Bernardo Viana, pondera que o cenário local de estiagem não afeta o Estado. No entanto, a seca na região Norte, que também é fortemente afetada pelo El Niño, pode ocasionar o aumento de tarifa.
“O aniversário de contrato de Concessão da Enel-CE é em 22 de abril. Nesse momento, em 2024, pode haver o aumento da tarifa em função da seca ocorrida ao longo deste ano, mas ainda não conseguimos mensurar precisamente como será”, pondera.
“Contudo, em 2025, certamente virá um valor muito alto, acumulando os fatores da estiagem em 2024 com os reflexos da chamada Conta-Covid”, completa.
No início da pandemia, em 2020, o governo liberou empréstimos para reduzir os efeitos econômicos da pandemia no setor elétrico, totalizando 16,1 bilhões repassados em 2020 e 2021 às distribuidoras por meio da chamada Conta-Covid. O montante, todavia, também será pago pelos consumidores, até 2025.
O que pode ser feito para enfrentar a seca?
Conforme o professor Francisco de Assis Souza Filho, alguns projetos no âmbito do Programa Cientista Chefe, que une academia e governo, podem ter resultados positivos para a gestão dos recursos hídricos. Entre eles, estão a seguintes três dimensões:
- Gerenciamento de risco, alocação e operação do sistema de recursos hídricos. Ação de mapear os conflitos e criar estratégias para gerenciar as regiões hidrográficas;
- Gestão participativa: é a alocação negociada da água, com a participação da população e do poder público e dos setores para decidir como utilizá-la, promovendo equidade e justiça social;
- Plano de bacias hidrográficas, identificando as vulnerabilidades e as medidas necessárias, como as de infraestrutura hidrídica.
O que o governo estadual está fazendo?
Em nota, o Governo do Estado informa ter uma “grande quantidade de obras, com melhoramento de sistema de bombeamentos e construção de adutoras”, incluindo a primeira etapa do Malha D’água para o Sertão Central, no 1º semestre de 2024.
“Outro ponto importante será a ampliação da perfuração de poços, realizada pela Sohidra, que será fundamental para o atendimento das áreas que não podem ser atendidas por açudes e adutoras”, afirma.
O governo afirmou também monitorar todas as áreas, intensificando os encontros de discussão sobre ações de contingência de secas, engajando as prefeituras e os comitês de bacias, além de trabalhar em campanhas de conscientização social sobre a economia de água.
“SRH, Cogerh, Funceme e Sohidra vêm trabalhando em conjunto para mapear e detalhar um plano de ações e obras prioritárias mais específicas para o enfrentamento dos efeitos do El Niño, que em breve deve ser formatado e anunciado pelo Governo do Ceará”, diz.
Questionado sobre o diálogo com os setores econômicos, o governo não respondeu até a publicação desta matéria.