Ceará tem previsão de seca e possibilidade de ‘super El Niño’ em 2024; entenda impactos
As últimas ocorrências de "super El Niño" foram registradas nos períodos de 1982/1983, 1997/1998 e 2015/2016, com impacto para a quadra chuvosa do Ceará
Projeções indicam fortemente que em 2024 haverá seca no Ceará. Mesmo sem a previsão oficial da quadra chuvosa do próximo ano, especialistas da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) apontam para o cenário negativo. Isso devido à influência do El Niño sobre a temperatura, o regime de chuvas e o aporte hídrico dos reservatórios. Atualmente o fenômeno climático tem intensidade de moderada a forte, mas existe a possibilidade de ser atingido uma versão ainda mais intensa, o “super El Niño”, como chamam alguns pesquisadores.
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O presidente da Funceme, Eduardo Sávio, afirmou que “não há mais dúvidas” sobre a seca que irá atingir o Ceará no próximo ano. O gestor deu a informação na última terça-feira (21), quando foi realizada a 114ª reunião ordinária do Conselho de Recursos Hídricos do Ceará (Conerh), em que o impacto do El Niño no aporte hídrico do Estado foi abordado.
A Funceme foi a primeira instituição a alertar sobre isso [efeitos nas próximas chuvas] há um bom tempo e agora provamos que não há possibilidade de termos uma boa quadra chuvosa com o cenário que temos hoje. Será impossível termos um bom aporte e deveremos trabalhar nisso, colocando em prática nossos aprendizados obtidos nos anos de seca.
O terceiro boletim mensal sobre monitoramento, previsões e possíveis impactos do El Niño no Brasil em 2023, publicado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) na quarta-feira (22), também aponta cenários para a região Nordeste. Para o próximo ano, a previsão é de um volume de chuvas menor para o período de janeiro a julho de 2024, o que pode levar a uma recarga hídrica insuficiente para que os reservatórios atinjam níveis adequados “ao atendimento dos usos múltiplos da água”.
O QUE É SUPER EL NIÑO
Quando a anomalia de temperatura da superfície do mar ultrapassa 2°C, atinge-se o que alguns pesquisadores chamam de “super El Niño”. “O último que nós tivemos foi em 2015/2016, que afetou a quadra (chuvosa) de 2016. No pico do evento, em novembro-dezembro-janeiro, os valores foram de 2.6°C. É um valor bem considerável”, explica o oceanógrafo Diógenes Fontenele, pesquisador da Funceme.
No trimestre agosto-setembro-outubro de 2023 a média da temperatura na região do Niño 3.4 foi de 1,5°C acima da média. “Estamos observando para ver se ele vai ficar dentro da casa do moderado a forte. Mas, como as águas abaixo da superfície estão muito aquecidas, é possível que ele evolua. Precisamos monitorar”, afirma o pesquisador.
No patamar atual, Fontenele aponta que já existe uma “grande probabilidade” de o El Niño ter efeitos sobre a quadra chuvosa do Ceará. A duração pode variar. O pesquisador explica, por exemplo, que nos anos de 1991 e 1992 o fenômeno ocorreu até março, mas já houve situações em que ele chegou a durar dois anos seguidos.
Dessa vez, a tendência é que o fenômeno permaneça pelo menos até abril de 2024. Porém, a evolução ao longo do ano depende das condições, tanto atmosféricas como oceânicas.
No planeta, especialmente nas condições de clima, os mecanismos às vezes se reforçam — chamamos de feedback positivo, retroalimentação positiva, o que pode provocar uma intensificação do processo — (e às vezes), de certa forma, podem diminuir a intensidade. (...) Pode ser que as condições mudem e acabe entrando em neutralidade ou em uma condição de La Niña. Isso vai depender muito.
QUANDO FOI REGISTRADO SUPER EL NIÑO
As últimas ocorrências de "super El Niño" foram registradas nos períodos de 1982/1983, 1997/1998 e 2015/2016, com impacto para a quadra chuvosa do Ceará. Enquanto o esperado seria 600 mm para o quadrimestre de fevereiro a maio, foram registrados menos de 400 mm em todos eles. No período de 2018/2019, ocorreu um El Niño fraco, e choveu 672 mm durante a quadra chuvosa, acima da média.
Nos anos em que o El Niño é fraco, ele pode ou não influenciar a nossa quadra chuvosa, depende da capacidade dele de aquecer e de mudar o padrão de circulação na atmosfera logo acima do oceano Pacífico. Em anos de El Niño forte ou super El Niño, ele não tem muita opção. O Pacífico é um oceano gigantesco, então ele acaba dominando a atmosfera acima dele e isso provoca uma mudança em escala global.
Além da intensidade, o local onde ocorre o El Niño também impacta a chuva no Ceará. Se o aquecimento começa e se desenvolve mais próximo à região central do Pacífico, a influência é menor do que quando o fenômeno ocorre mais próximo à costa do Peru.
"O que mais preocupa hoje são a magnitude e a posição. E a posição do El Niño atual é exatamente um aquecimento que começa mais próximo da América do Sul e vai se estendendo para a região central. Por isso acreditamos que, nesse padrão de circulação, o impacto da nossa quadra é mais significativo e liga esse alerta", explica o pesquisador.
Em paralelo, todos os oceanos do planeta estão com temperatura acima da média — e, por consequência, com a atmosfera acima deles mais aquecida. A concentração de gases de efeito estufa também está maior — após uma "pequena redução" durante a pandemia de Covid-19 —, aumentando a retenção de calor na atmosfera. Todos esses fatores em escala mundial, junto a uma possível redução da cobertura de nuvens no Estado, podem levar a dias mais quentes.
"Em um contexto de aquecimento global, desse efeito dos gases de estufas tão atuantes, a tendência é que as ondas de calor e as altas temperatura se tornem mais frequentes", diz Fontenele.
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IMPACTO DO EL NIÑO PARA O CEARÁ
Quando a temperatura do Oceano Pacífico equatorial aumenta, diversas mudanças são percebidas nas condições climáticas e meteorológicas globais. Forma-se o chamado El Niño. No Brasil, o fenômeno gera aumento de chuvas nas regiões Sul e Sudeste, enquanto o inverso ocorre no Norte e no Nordeste. No Ceará, especificamente, ele pode impactar o aporte dos reservatórios e a regularidade das chuvas, repercutindo na agricultura. Quanto mais intenso, mais ele pode impactar a formação de nuvens sobre o Estado.
Uma quadra chuvosa boa ou ruim para o Ceará é determinada pela posição da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), sistema de nuvens que atua sobre o Estado entre os meses de fevereiro e maio. É a temperatura do Oceano Atlântico que faz ela ficar mais ao norte do globo ou se deslocar para o Hemisfério Sul, e essa segunda possibilidade proporciona chuvas para o Norte e o Nordeste brasileiros.
No Pacífico, a ocorrência do El Niño influencia a temperatura da superfície do oceano e a atmosfera acima dele. Como consequência, o padrão de circulação atmosférica é modificado, afetando o posicionamento da ZCIT no Atlântico. A intensidade do El Niño é relevante porque um fenômeno mais forte tem mais impacto na atmosfera. "É como se o Pacífico tivesse mais força para influenciar o Atlântico", aponta Fontenele.
COMO OCORRE O EL NIÑO
O El Niño vem sendo monitorado desde fevereiro deste ano e foi confirmado em 8 de junho pela Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa). O fenômeno influenciou a 8ª onda de calor registrada no Brasil em 2023, que atingiu o Centro-Oeste e o Sudeste brasileiros entre 8 e 19 de novembro, segundo o Inmet.
Para constatar a ocorrência do fenômeno, é feito o monitoramento das anomalias de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) na região do Niño 3.4 (como é chamada a porção central do Pacífico equatorial). Quando a média móvel trimestral desse valor supera 0,5°C ao longo de cinco semestres consecutivos e sobrepostos, o fenômeno é confirmado, explica o pesquisador da Funceme.
Em 2023, desde o trimestre abril-maio-junho a temperatura da superfície do mar está mais de 0,5°C acima da média. Isso continuou ocorrendo nos trimestres maio-junho-julho, junho-julho-agosto, julho-agosto-setembro e agosto-setembro-outubro. Dependendo do quanto a temperatura ultrapassa a média, caracteriza-se o El Niño segundo a sua intensidade.
- Fraco: 0,5°C a 1°C acima da média
- Moderado: 1°C a 1,5°C acima da média
- Forte: A partir de 1,5°C acima da média
PREVISÕES DO INMET
Na quarta-feira (22), o Inmet divulgou o terceiro boletim mensal sobre monitoramento, previsões e possíveis impactos do El Niño no Brasil em 2023. O documento foi feito em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastre (Cenad).
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Para o período de 15 de novembro a 14 de dezembro, o boletim aponta previsão de condições mais úmidas que o normal em partes do norte do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, centro-sul de Mato Grosso do Sul, São Paulo, sul de Minas Gerais e em parte do norte do Pará e Amapá. Nas demais regiões, a previsão é de “condições mais secas do que o normal”, com destaque para a região amazônica — principalmente no setor mais central e sul da região.
Segundo o documento, a indicação é de que o El Niño tenha pico de intensidade entre os meses de dezembro de 2023 e janeiro de 2024. Para o próximo trimestre, a previsão é de chuvas abaixo da faixa normal em quase todo o Nordeste e probabilidade de temperatura acima do normal na maior parte do Brasil.
A maioria das previsões indicam a continuidade do fenômeno, com intensidade forte nos próximos 3 meses e permanência de El Niño durante o primeiro semestre de 2024. Assim, durante o próximo trimestre as condições climáticas e meteorológicas no País serão influenciadas por esse fenômeno. A previsão climática para o Brasil para dezembro-janeiro-fevereiro 2024 indica maior probabilidade de chuva abaixo da faixa normal entre o centro e leste da região norte e sobre praticamente toda a região nordeste do País. Sobre o RS e parte de SC, a previsão indica maior probabilidade de chuva acima da faixa normal. (...) A previsão de temperatura indica maior probabilidade de valores acima da faixa normal na maior parte do País.
O boletim também aponta que para este mês de novembro não se espera impactos significativos do El Niño na redução das chuvas do Nordeste — uma vez que o período é normalmente considerado seco e reservatórios de menor porte podem atingir situações críticas devido a evaporação, retiradas de água e defluências para abastecimento dos diversos usos da água.