Após críticas de Lula, o que esperar do crédito rotativo do cartão no Brasil? Entenda

Taxas cobradas pelas instituições financeiras vêm batendo recordes de cobrança nos últimos meses

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
Foto que contém cartões de crédito
Legenda: Cartões de crédito tem uma das modalidades mais caras de juros no País
Foto: Agência Diário

A visita do presidente Lula a Fortaleza nesta sexta-feira (1º) veio acompanhada de críticas ao presidente do Banco Central (BC), Campos Neto, em virtude das taxas cobradas pelo juro rotativo do cartão de crédito.

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Durante o discurso, o presidente da República disse que a maioria das pessoas pobres têm vergonha de estarem com o “nome sujo” na praça, sendo preciso ter maior confiança neste público em vez de praticar juros que rompem a barreira dos 400% ao ano, como no crédito rotativo.

“A maioria do povo pobre não gosta de dever porque muitas vezes o maior valor que ele tem é o próprio nome. Ele não tem coragem de passar na frente de uma padaria que fez uma dívida, ele fica com vergonha. A gente não pode ter medo de emprestar dinheiro para pobre se a gente tiver compromisso de ajudar ele a se desenvolver”, apontou o presidente.

Vocês sabem o porquê de o cartão de crédito ter juros de quase 400%? Porque os bancos, já prevendo que vão ter calote, jogam nas costas dos bons pagadores a dívida dos bons caloteiros, e aí pagamos por aqueles que não pagam, o que não é correto, porque você não pode emprestar dinheiro se o cara não tem condições de assumir compromisso de pagar.
Lula
Presidente da República

A queda de braço incluiu ainda alfinetada direta para Campos Neto. Segundo Lula, apesar de o BC ter autonomia, as taxas de juros praticadas, como a Selic a 13,25% ao mês e o crédito rotativo também com altos percentuais, causam entraves econômicos que dificultam a redução da inadimplência no País.

“O presidente do Banco Central não foi indicado por nós, foi indicado pelo governo anterior. O Banco Central é autônomo, não tem mais interferência da Presidência da República, que podia chamar o presidente do Banco Central. Esse cidadão (Campos Neto), se ele conversa com alguém, não é comigo, deve ser com quem o indicou, e quem o indicou não fez coisas boas nesse país, a sociedade vai descobrir com o tempo”, criticou.

QUAL A POLÊMICA DO CRÉDITO ROTATIVO?

As declarações foram feitas por Lula durante o evento de celebração dos 25 anos do Crediamigo e 18 anos do Agroamigo, programa de captação de microcrédito por trabalhadores do meio urbano e rural do Banco do Nordeste (BNB), e aprofunda ainda mais a tensão entre a equipe econômica do Governo Federal e o BC.

Para entender melhor a questão, é preciso ter ciência de que o crédito rotativo existe em virtude dos pagamentos realizados com o cartão de crédito. 

Quando o consumidor não consegue pagar o valor total da fatura, o que sobra vem na próxima fatura acrescido de juros, além do valor que já viria normalmente para o mês seguinte. 

Exemplo: em um cenário de uma fatura de cartão de crédito de R$ 1 mil reais em que apenas R$ 800 sejam pagos, os R$ 200 restantes serão alocados na próxima fatura, e o valor virá acrescido de juros do crédito rotativo, em taxa a depender da instituição financeira da modalidade de pagamento.

Essa prática já existia há muitos anos, mas ganhou nova roupagem em 2017. Durante o governo Michel Temer, o limite para o uso do crédito rotativo passou a ser de, no máximo, 30 dias. Após esse prazo, os consumidores terão a fatura parcelada, com os juros incidindo cumulativamente.

Foto que contém o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Legenda: Lula adotou tom crítico a Campos Neto em discurso sobre juros do rotativo
Foto: Thiago Gadelha

O crédito rotativo vem sendo uma das principais críticas tanto da equipe econômica da gestão Lula quanto de especialistas no setor. Segundo dados de julho do BC, os juros dessa modalidade de crédito atingiram 445,7%, uma das mais caras do mercado.

Em entrevista ao Diário do Nordeste, o economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Wandemberg Almeida, explicitou que o rotativo do cartão faz com que o consumidor constate as dívidas com a forma de pagamento virarem uma “bola de neve”, culminando na inadimplência.

“Esse crédito rotativo é fornecido quando você não paga sua parcela de maneira geral e paga apenas o mínimo, o grande problema é esse: quando você acaba não quitando tudo, ele acaba gerando juros para a próxima fatura. É como se ele te desse um empréstimo para você quitar - só que em um valor bem mais alto, em que você acaba perdendo o controle e comprometendo o orçamento. As contas acabam ficando impagáveis”, afirmou.

BC ESTUDA FIM DO ROTATIVO — E O PARCELAMENTO?

Com as críticas subindo de tom, o pronunciamento de Campos Neto no último dia 10 de agosto, no Senado Federal, deu indicativos de que o crédito rotativo está com os dias contados no Brasil. 

Segundo o presidente do BC, até a primeira quinzena de novembro deve ser apresentada uma solução para a questão do cartão de crédito, e não está descartada uma mudança radical nas compras parceladas feitas com a modalidade de pagamento.

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“Extingue-se o rotativo, quem não paga o cartão vai direto para o parcelamento ao redor de 9%. A gente cria algum tipo de tarifa para desincentivar esse parcelamento sem juros tão longos. Não é proibir o parcelamento sem juros, é simplesmente tentar fazer com que eles fiquem um pouco mais disciplinados, numa forma bem faseada, para não afetar o consumo”, explicou Campos Neto.

Na visão de Wandemberg Almeida, mudanças bruscas no parcelamento — que incluem ainda um possível fim da modalidade — devem causar redução imediata na inadimplência, mas gerando outro problema ainda maior: o desaquecimento da economia, principalmente no setor de comércio e de serviços.

“Quando você faz os parcelamentos, a instituição não tem garantia de que vai receber o recurso e acaba cobrando um juro mais alto, mas ponderar retirar hoje o parcelamento é totalmente prejudicial porque você acaba reduzindo a procura por determinados bens porque nem todo mundo vai ter recursos suficientes para pagar à vista determinados produtos”, avaliou Wandemberg.

Wandemberg completou citando o “estrangulamento” das contas em virtude dos altos juros causados pelo parcelamento e pelo rotativo, e deu dicas de como evitar cair na armadilha da disponibilização de crédito facilitado pelos cartões.

“Essa conta já vem com juros em cima de juros, complicando a vida do cidadão brasileiro, que já ganha pouco. O cartão de crédito deve ter um limite de no máximo 50% da renda do trabalhador para que o trabalhador não fique atentado a querer gastar mais”, finaliza.

Além dos estudos feitos pelo BC ponderados por Campos Neto, o Governo Federal também avalia medidas para modificar o rotativo.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou que o Poder Executivo nacional está trabalhando junto ao Congresso no texto da Medida Provisória (MP) que trata sobre o assunto.

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