Autores e livreiros relatam suas experiências com o livro digital

Seja no lugar de escritor, ou do leitor, nomes locais e nacionais observam os rumos e a adaptação ao suporte literário

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@svm.com.br
Legenda: O Kindle, da Amazon, é uma das tecnologias difundidas no Brasil para a leitura no suporte digital

O romance "A Sombra de um outro Mundo" (ficção científica), e-book da escritora cearense Mylena Araújo (28), já alcançou mais de 30 mil visualizações. Desde que começou a publicar nas plataformas digitais há quatro anos, ela comemora a possibilidade de interagir com os leitores em tempo real. Na sequência dessa publicação, surgiram o miniconto "Tereza" e a série de contos macabros “Lugar Nenhum”.

Habituada à plataforma de autopublicação do Wattpad, Mylena, contudo, não tem, como leitora, preferência entre livros digitais e físicos. Para a autora, existe uma complementariedade de ambos os formatos. “Não há uma versão melhor que a outra. Cada uma oferece aquilo de que o leitor necessita”, identifica.

A exemplo de Mylena, o autor L.M Ariviello (nome artístico do cearense Manoel Oliveira) costuma publicar seus textos no Wattpad. O segundo livro, “A Herdeira de Hélzius”, está disponível em versão impressa e digital. Com o e-book, Ariviello admite que a recepção da obra ainda é tímida. “Apesar de muita gente ler no formato digital hoje em dia, eu percebo certa resistência. Muitos leitores são tradicionais e preferem o livro físico mesmo”, destaca ele.

Legenda: Mylena Araújo conquistou seu público leitor pela ferramenta digital de autopublicação do Wattpad
Foto: Foto: Alexandre de Almeida

Segundo Alexandre Munhoz, gerente de Kindle no Brasil, os leitores passam a ler mais, quando adotam o livro digital. "E não necessariamente trocam um suporte pelo outro. Não vemos uma disputa (entre digital e impresso)”, reflete.

Vencedora do 4º Prêmio Kindle de Literatura com a obra “Dias Vazios”, a psicóloga e escritora carioca Bárbara Nonato acrescenta que muitos leitores ainda veem os livros digitais como “aperitivos” da versão impressa. Além de R$ 30 mil pelo prêmio da Amazon, ela ganhou a oportunidade de publicar seu novo livro no papel, por meio da Editora Nova Fronteira.

“Quando comecei a escrever, meu primeiro livro saiu impresso. Depois publiquei outros só no digital, e alguns leitores falavam ‘ah, quando sair impresso eu compro’. Hoje, vejo que tudo está mais amplo nesse sentido. Muita gente tem se adaptado à leitura digital”, observa a autora.

Grandeza

Para Angela Gutierrez, presidente da Academia Cearense de Letras, a grandeza de uma obra literária não se perde à medida que o leitor troca de suporte. “Machado de Assis continuará a ser um escritor extraordinário se sua obra for lida em um e-book. Mas leio pouco em suporte digital. Desde criança, me afeiçoei ao livro de papel. O prazer da leitura vem, claro, da qualidade intrínseca da obra, mas, algumas vezes, pode ser intensificado por certos paratextos que a apresentam”, conta a escritora.

Vencedor do prêmio Jabuti de Literatura em duas categorias, em 2018, o cearense Mailson Furtado chama atenção para a predominância de um “nicho” formado por leitores jovens no ambiente digital.  

Segundo o autor de “À Cidade”, esse público “lê principalmente prosa, em sua grande maioria títulos categorizados como ‘young adults’, em suas diversas vertentes: fantasia, ficção científica, terror”, detalha. Mailson enfatiza que disponibilizar sua obra no formato digital ajudou-lhe a alcançar um público distinto do leitor do livro impresso.

Em 2011, a escritora cearense Julie Oliveira publicou uma “versão animada” de seu livro infantil, “Brincando com Matemática”, pela Conhecimento Editora, empresa na qual trabalhou como sócio-editora. A publicação saiu nos primórdios do livro digital no Brasil e, tanto sua concepção, como a recepção dos leitores, ganhou ares de experimentação.  

Legenda: A escritora cearense Julie Oliveira teve experiência de produzir um e-book ainda antes da chegada da Amazon no mercado brasileiro
Foto: Foto: Isanelle Nascimento

“Além disso, a editora não tinha muitos conhecimentos sobre esse mercado, tampouco recursos de investimento/marketing em torno desses suportes. Lembro que, curiosamente, os retornos de leitores que recebemos foram todos de pessoas sediadas em outros países. Pra mim, representou na época uma possibilidade de expandir as fronteiras a partir desses 'novos formatos'”, reflete Julie.

Distinção

Os autores são unânimes em sinalizar como o livro impresso tem seu espaço consolidado no mercado livreiro (apesar da atual crise das livrarias) e apelos bem distintos em relação ao e-book. Sobre os pontos a favor da aquisição do suporte de leitura digital, dois dos itens mais sensíveis são a portabilidade e a questão do impacto ambiental.  

“A vantagem principal seria a portabilidade, em um mundo cada vez mais fluído em tempo-espaço, isso conta demais. Entre outras, citaria, a depender dos dispositivos, a interação que se tem com o próprio texto, os hiperlinks, e por vezes até o contato direto com o autor”, elenca Mailson.  

Ariviello se diz do “time que defende os e-books", mesmo sem ter tido uma boa experiência quanto à formação de leitores via suporte digital. “Acho que eles são o futuro. É uma forma mais politicamente correta, não destrói o meio ambiente para criar papel. No Wattpad, você pode ter contato com outras pessoas que estão lendo aquele mesmo livro”, conta o autor cearense.

Legenda: L.M Ariviello observa como boa parte dos leitores ainda é muito fiel ao livro impresso
Foto: Foto: Isanelle Nascimento

Rapidez

Julie Oliveira destaca como o e-book favorece a pesquisa de trechos específicos da obra, a interação com o acesso ao significado das palavras e links similares. E reforça a praticidade de armazenamento das obras e para carregar consigo os dispositivos.  

“Esse é um ponto extraordinário, nesses tempos de malas que ‘tem que ser leves’. Além da quantidade de ‘autores independentes’ que tem se autopublicado e utilizado esses mecanismos para distribuição de suas obras”, acrescenta a escritora.

Legenda: Mailson Furtado destaca a presença de leitores jovens no "nicho" dos suportes de leitura digital
Foto: Foto: Helene Santos

Mailson Furtado complementa como a acolhida de todos os formatos é um caminho espontâneo para o autor encontrar seus leitores. “Creio que o escritor deve estar onde existam leitores, não podemos negar qualquer que seja o formato. Afinal, a literatura ali está”, observa.

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