"Avós da pandemia" relatam primeiro encontro com os netos recém-nascidos no Ceará

Em meio à alegria e renovação pela chegada de um novo membro da família, avós relatam tristezas e angústias pelo distanciamento durante a quarentena

Escrito por Redação ,
Legenda: Vanessa Leal, avó de Bernardo, havia se planejado para acompanhar os aprendizados do neto nas primeiras semanas de vida. Com a pandemia, só pôde estar com o bebê após 38 dias
Foto: Arquivo pessoal

Para quem cresceu com o sonho de ser avó, o distanciamento nos primeiros meses de vida de um neto pode dar lugar a uma tristeza imensurável. Estar ausente no momento do primeiro banho, da queda do cordão umbilical, assim como não poder sentir o bebê no colo, nem afagar nos momentos de choro se torna um rompimento difícil. A servidora pública Vanessa Leal, 59 anos, ainda conseguiu acompanhar o nascimento do neto no começo da pandemia, em 16 de março, mas logo precisou se afastar para cumprir o isolamento social

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A avó, presente ao longo da gestação da filha Rebeca, para ajudar na preparação da chegada do primogênito, recebeu a abrupta mudança de planos de forma dolorosa. Havia pedido férias no trabalho e se planejado para estar presente ao lado de Bernardo, hoje com quatro meses, da mesma maneira que estivera após o nascimento de sua primeira neta, Laís, de 1 ano. No entanto, com os riscos trazidos pelo coronavírus, precisou respeitar a quarentena. 

“Eu chorava muito por não poder ver, porque foi um momento que ninguém esperava viver. Eu não estava preparada para isso. Tinha me preparado inteira para estar ao lado deles. Fiquei abatida, emagreci sete quilos, não conseguia nem comer”, compartilha Vanessa. 

Sua maior angústia foi não poder estar ao lado do neto. Segundo a avó, ela sentia estar perdendo o começo do desenvolvimento da criança, não podendo estabelecer um forte vínculo com o primogênito da filha da mesma maneira que fizera com o nascimento da primeira neta. Os 38 primeiros dias sem poder ter qualquer contato com a criança foram muito dolorosos. 

“Isso me deixou muito triste porque eu estava vivendo um momento muito especial para mim, e eu fui arrancada desse convívio”, relata. Agora, ao poder ver Bernardo, Vanessa se sente renovada por esse contato. “É muito bom poder abraçar, poder colocar no colo. Fica a sensação de muita gratidão a Deus”, acrescenta.

Tomando cuidados como o uso de máscaras e a lavagem de mãos, ela sente ter ganhado vida nova e redescoberto a sensação de ser avó, podendo todos os dias acompanhar as descobertas e aprendizados do bebê.

Receios

Legenda: Com o nascimento de Luísa, os avós, Erilson dos Santos e Alice Santos, descobriram que sempre há espaço no coração para um pouco mais de amor
Foto: Arquivo pessoal

O nascimento de uma criança, em tempos da Covid-19, é  marcado por uma série de novos cuidados que os avós Erilson dos Santos e Alice Santos, com respectivamente 61 e 60 anos, não estavam esperando. A neta, Luísa, nascida no dia 26 de junho, só pôde ser visitada, por eles, dois dias depois e, ainda assim, várias medidas de proteção precisaram ser tomadas.

“A gente sabe que tem que ter todo o cuidado, mas não sabíamos que era tanto assim. Foi ruim porque, em um momento desse, existe muito sentimento e ficar distante não dá”, pontua a avó, pedagoga. 

Apesar de ser complicado viver esse momento com a distância, a família buscou contornar a situação através da tecnologia, utilizando chamadas de vídeo e compartilhando fotografias para reduzir a saudade e o desejo de estar perto. “A questão sentimental não muda nada porque a gente fica contando os dias e as horas que vamos poder vê-la”, afirma Alice. 

Para os avós, nunca há amor demais no coração. Ainda que a pequena Luísa seja a segunda neta, sempre há espaço para mais carinho e cuidado. A tristeza por não estar presente nos primeiros aprendizados foi tão difícil para eles quanto para a servidora pública Vanessa. 

Porém, assim que a situação melhorar, desejam dar toda a atenção que foi dada ao primeiro neto, a fim de que a criança saiba que cresce em um lar marcado por afeto e acolhimento.

Partilha

Conforme a psicóloga e doutora em educação, Ticiana Santiago, para os avós com papel forte e presente dentro das famílias, o distanciamento social está sendo um momento duro e desafiador. “Vários estão adoecendo psicológicas e psiquiatricamente, alguns tendo perda significativa nas suas funções psicológicas, como memória e atenção”, declara. 

Em sua visão, é essencial a criação de uma rede de apoio, responsável por reforçar a importância desses sujeitos dentro da família. Essa ação busca que os idosos se sintam potentes, incluídos e apoiados durante a pandemia.

“Quando se chega na terceira idade, o afeto, a alegria, as trocas e o sentimento de pertença precisam ser uma estimulados com muito mais intensidade. Fora isso, é próprio desse grupo o sentimento de vulnerabilidade e finitude. Quando eles estão em contato com as crianças, essa vitalidade e energia de vida é renovada”, afirma.

As memórias vivas, partilhadas entre familiares, podem contribuir para ressignificar as relações durante a caminhada para aprender a viver em um mundo marcado por novas medidas de interação.

Renascimento

Para a família da terapeuta Karla Karenina, 52 anos, o nascimento do neto Gabriel, em 12 de maio, foi marcado por mudanças inesperadas. Além de a criança ter chegado antes da data esperada, precisaram lidar com a troca repentina de médico. O profissional responsável por acompanhar a gravidez estava com suspeita da Covid-19, sendo necessário recorrer aos plantonistas do hospital. 

Legenda: Karla Karenina ainda viveu 12 dias de expectativa esperando Gabriel sair da UTI neonatal.
Foto: Arquivo pessoal

“Foi angustiante porque não sabia como seria ele nascer agora e quando decretaram o isolamento ficamos nessa expectativa”, compartilha a avó. Por conta dos casos suspeitos do vírus no Ceará, o hospital já havia começado a adotar medidas de segurança. Como forma de prevenção, por exemplo, a entrada de Karla na sala de cirurgia não pôde ser permitida. 

Após o nascimento prematuro, o pequeno Gabriel precisou ir para a UTI neonatal, onde passou 12 dias internado. “No meio da pandemia, naquele auge, foram 12 dias de muita expectativa, mas ao mesmo tempo tivemos como completar o quarto, que ainda não estava finalizado”, explica. 

Na perspectiva da avó, a chegada da criança foi um período de renascimento. Apesar de viver em um cenário histórico marcado "pelo luto e pela perda", o neto lhe trouxe forças, para ser capaz de resistir a esse momento, e propósito, para permanecer dentro de casa. 

É até difícil de explicar, mas tem uma coisa mágica. É como se a gente estivesse numa bolha de amor. Eu sinto como se eu estivesse sendo mãe de novo, por meio da minha filha. É bem aquele ditado que dizem: ser avó é ser mãe com açúcar”, finaliza.

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