Avós e netos fortalecem laços afetivos através da tecnologia durante a pandemia
Com isolamento social, grupos familiares precisaram reinventar modos de manter o contato apesar da distância, sendo a tecnologia uma ferramenta essencial nesse processo
Os irmãos Giulia e Gabriel Rufino Pinheiro de Sousa, com 11 e 16 anos, respectivamente, cresceram acostumados a passar todo sábado e domingo na casa dos avós, no bairro Meireles, em Fortaleza. A rotina, mesmo após tantos anos, se manteve similar: almoçando fora e passeando a depender da vontade do grupo. Contudo, devido à pandemia do coronavírus, os jovens precisaram não somente se adaptar a uma nova rotina restrita aos cômodos do apartamento, como também a lidar com a distância dos avós.
Nesse processo, o contato pelas chamadas de vídeo foi essencial para conseguir suportar a saudade de quatro meses sem encontros presenciais. De acordo com a mãe, Herika Regina Rufino Pinheiro, 42 anos, o filho Gabriel chegou a pedir um lençol dos avós, Cícero e Maria Luisa, para poder ficar sentindo o cheiro daqueles de quem era tão próximo, enquanto a pequena Giulia declarou que, logo após o fim da pandemia, irá passar um mês inteiro na casa deles.
“Quando começou a quarentena, eu entendi que tinha que ficar em casa, porque a saúde deles é mais importante. Mas está sendo difícil, é estranho. Eu sinto falta de ficar na casa deles no final de semana, de almoçar, passear. Era muito bom estar com meus avós”, comenta Giulia. Para ela, apesar de a mãe realizar uma chamada de vídeo toda noite, não é a mesma coisa que o contato físico. A criança relata sentir dificuldade de conversar com eles de modo online.
Gabriel, devido à paixão da avó por música, passou a compartilhar o desenvolvimento de suas habilidades no piano.
“Minha avó fica muito feliz porque eu estou aprendendo a tocar piano sozinho, e eu ligo para ela para mostrar as músicas. A gente está tentando dar a volta por cima”, explica.
O jovem compreende que o distanciamento para os idosos pode ser ainda mais difícil. “A galera mais nova tem os jogos, Netflix, mas minha avó fica assistindo missa, jogando baralho com meu avô; às vezes cansa, então a gente fica ligando para não desestimular”, comenta.
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Para Maria Luisa, 74 anos, foi muito difícil lidar com o isolamento social. Ela diz sentir saudade principalmente dos abraços e das saídas no final de semana. Quando tudo isso acabar, deseja passar uma semana junto de seus netos. Como forma de manter o contato, precisou aprender a usar os aplicativos de mensagens, sendo ensinada pelos filhos.
“Até que não foi difícil, difícil foi ficar sem ver os netos, cada dia a saudade aumenta. Quando tudo isso terminar, vamos nos abraçar muito, passar a semana junto e tirar o atrasado”, declara.
Desafios
No caso de Cristina Maria da Silva, 52 anos, avó de Denis, David e Christopher Câmara Mendes, de respectivamente 15, 13 e 11 anos, a saudade já vem guardada há mais tempo. Com oito meses sem ver os três netos, sente saudade de todas as trocas compartilhadas entres eles.
Segundo Cristine Câmara, 36 anos, filha de Cristina, a distância entre o bairro São João do Tauape e o conjunto habitacional Maria Tomásia, no Jangurussu, dificultava o contato mais frequente entre eles. Com a pandemia, apesar do desejo de se encontrar, não havia mais como, sem colocar a mãe em risco.
“Ela se viu na necessidade de aprender a usar esses telefones digitais, porque não sabia de jeito nenhum. Agora, o nosso contato com ela está sendo exclusivamente pelo celular”, explica a filha. Quando a saudade bate mais forte, a avó tenta realizar videochamadas.
No entanto, com o sinal fraco de internet, nem sempre dá para ver os rostos do outro lado da tela. As conversas chegam entrecortadas e as expressões, por vezes, são congeladas em um meio sorriso. “Só tem essa forma de matar a saudade, às vezes não dá muito legal não, mas até que dá para conversar um pouco”, comenta Cristina.
Para os netos, é consensual o sentimento de falta do carinho e da comida da avó. Para a aposentada, as noites de conversa com os três sempre são capazes de lhe arrancar sorrisos.
“A gente passava a noite todinha conversando, até a hora de dormir. Quando era de manhã, eu me levantava cedo, a mãe deles saía para trabalhar e eu fazia o café. Eles adoravam a minha comida”, compartilha com a lembrança carregada na voz.
Alternativas
A psicóloga e doutora em educação, Ticiana Santiago, aponta que esse é um período bastante delicado tanto para os avós, quanto para os netos. “Para as crianças, essa passagem do tempo ainda não está construída, enquanto para os avós está marcado pela noção de finitude, de vulnerabilidade. Então não é à toa que, muitas vezes, a gente fala da importância dessas trocas e desse vínculo”, comenta.
As trocas representam partilhas entre distintas gerações e, segundo explica, as crianças se beneficiam dos laços criados com os mais velhos, principalmente devido ao conforto e à rede de apoio que lhes é dada. Nesse momento, sugere o fortalecimento da segurança e da rotina para as crianças.
Para os avós, com todo seus conhecimentos, saberes ancestrais e experiências diversificadas, é preciso relembrar que eles ainda possuem um papel forte e presente nas famílias.
“Vários estão adoecendo, então é preciso criar algo juntos, uma rotina dia a dia do que pode ser feito. Ter uma atenção para que eles também coloquem sua necessidade de ajuda, de suporte, de vulnerabilidade e que se apoiem nessas memórias”, recomenda a especialista.
Solidão
Através de conversas com idosas do grupo de convivência Amanhecer Feliz, a bacharel em Serviço Social, Liana Maria, tem percebido que o medo e a insegurança de ser do grupo de risco, assim como a saudade da antiga rotina, estão entre as causas das maiores perturbações.
“Muitas entendem que é para o bem delas e aceitam, mas tem que lidar com a saudade, com a solidão, com a questão da mudança de rotina”, aponta. Após o isolamento social, várias práticas precisaram ser suspensas, como a visita na casa da vizinha, o cafezinho com familiares no fim da tarde e mesmo os almoços de domingo.
“Quando isso foi quebrado, começou a surgir a questão da ansiedade, do não dormir a noite. Muitas tiveram que ter acompanhamento psiquiátrico”, explica a facilitadora do grupo, há mais de oito anos.
A aposentada Antonieta Nobre da Costa, 74 anos, perdeu o marido para o coronavírus. Quando ficou em isolamento pela doença, compartilha que a saudade da família e dos amigos era grande demais, principalmente vivendo o momento do luto.
“Ficou só eu e Deus e a saudade, na vontade de me encontrar com cada uma de minhas amigas. Coisa que eu mais adorava era estar junto das minhas amigas e hoje estou presa dentro de casa, com uma tristeza”, diz.
Acostumada também com a presença dos netos no final de semana, passou uns dias sem coragem de realizar as atividades diárias. A doença, assim como a perda, trouxe a fraqueza nos músculos e na alma. Vivendo em uma casa de dois andares, precisou ficar isolada no piso superior até se recuperar do vírus.
“Fiquei sem conversar com ninguém, para nada. A gente fica em um canto sozinho. O destino é deitar. Era uma agonia grande, mas passou”, declara, feliz por gradualmente voltar a encontrar os familiares nos finais de semana. Quando tudo de fato passar, seu maior desejo é retornar o convívio com o grupo Amanhecer Feliz.
Apoio
Ao conversar com as idosas, Liana tenta trabalhar principalmente a perspectiva do autocuidado, da maneira de lidar com a saudade, compreendendo que essa fase vai passar. O foco nos aspectos positivos é essencial para que elas possam valorizar a boa saúde ou a recuperação, no caso daquelas que pegaram a Covid-19.
“Quando vier o pensamento negativo, liga o som, bota uma música, tentar telefonar para um familiar ou amigo. A pandemia é uma chuva que veio forte, que está diminuindo, mas que vai passar”, finaliza.