Uma a cada 4 moradias do Ceará não recebe água todos os dias, aponta pesquisa

Mesmo ligadas à rede geral de distribuição, mais de 768 mil casas têm abastecimento irregular

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Abastecimento irregular afeta milhares de cearenses, segundo dados do IBGE
Legenda: Abastecimento irregular afeta milhares de cearenses, segundo dados do IBGE
Foto: Kid Júnior

Item básico para a vida, a água não é uma garantia diária para milhares de cearenses. Um a cada quatro (25%) domicílios do Ceará não recebe o líquido nas torneiras com frequência suficiente – ou seja, não tem água disponível todos os dias.

O dado consta no estudo “A vida sem saneamento: para quem falta e onde mora essa população?”, feito pelo Instituto Trata Brasil (ITB) em parceria com a Ex Ante Consultoria Econômica e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).

Com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2022, o estudo mostra ainda quantas pessoas passam por 5 tipos de privações: 

  • Privação de acesso à rede geral de água; 
  • Frequência de recebimento insuficiente de água potável; 
  • Disponibilidade de reservatório de água; 
  • Privação de banheiro; 
  • Privação de coleta de esgoto. 

No Ceará, a estimativa é de que mais de 768 mil moradias tenham abastecimento irregular de água potável. O número equivale a um quarto dos 3 milhões de lares do Estado, mapeados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Além desses 25% de domicílios com acesso instável ao recurso, cerca de 14% (431 mil) não estavam ligados à rede geral de abastecimento de água tratada em 2022, ou seja, amargavam privação total de acesso.

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Outros dados alarmantes são a proporção de lares cearenses com privação de coleta de esgoto e de equipamento sanitário: quase metade (48%) não possui acesso à rede de esgotamento, enquanto 2,7% não têm banheiro dentro de casa.

Em todo o País, mais de 100 milhões de pessoas convivem com algum tipo de privação ligada ao saneamento básico. De acordo com o Trata Brasil, 5.522 piscinas olímpicas de esgoto são despejadas por dia na natureza.

Onde está o problema?

Quase metade dos lares do Ceará não têm acesso à rede de coleta de esgoto
Legenda: Quase metade dos lares do Ceará não têm acesso à rede de coleta de esgoto
Foto: Shutterstock

“Nas regiões Norte e Nordeste, nas casas de pessoas jovens, negras, simples, sem muita instrução formal.” É entre estes recortes que residem os níveis mais graves de privações relacionadas ao saneamento básico, como pontua André Rossi Machado, coordenador de Relações Institucionais e Comunicação do ITB.

“Essa população que vive com algum tipo de privação é pobre, ganha até R$ 2.400 por mês. Na maior parte das vezes, os recursos não são suficientes, e há dificuldade de ter água, banheiro, armazenagem e esgoto, o que acaba afetando a saúde”, destaca.

As pessoas têm diarreia e vômitos com mais frequência, ficam sem ir ao trabalho, sem ir à escola. A consequência mais imediata é tornar a vida mais difícil – e, a longo prazo, um futuro mais incerto. 
André Rossi Machado
Coord. de Relações Institucionais e Comunicação do ITB

O especialista do Trata Brasil avalia que as causas desse cenário histórico de não universalização do saneamento básico – tanto no Ceará como no país todo – vão desde a carência de investimentos até a falta de competência técnica dos municípios para lidar com o problema.

“Existem alguns fatores para esses indicadores negativos: a falta de priorização do saneamento básico, que não está pautado na agenda pública; a falta de investimento suficiente; e a incapacidade técnica dos municípios, que precisam de evolução nesse sentido”, destaca André.

R$ 44,8 bilhões
deveriam ser investidos para universalizar o saneamento básico no Brasil, mas apenas R$ 17,8 milhões são de fato empregados, como informa André.

“Todos os dados são sintomáticos da falta de priorização do saneamento no país. As pessoas que não estão recebendo água diariamente ultrapassam 51 milhões em todo o Brasil. Além da falta de acesso à rede, precisamos ficar de olho no funcionamento. É papel das agências reguladoras cobrarem das companhias o abastecimento”, finaliza.

Em nota, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), que atende 152 dos 184 municípios cearenses, informou que o índice de cobertura de esgotamento sanitário no Estado alcança, atualmente, 45,35%, e o de abastecimento de água chega a 99,16%. A companhia não detalhou os motivos para a intermitência no abastecimento dos domicílios.

“Vale lembrar que olhar para a cobertura significa levar em consideração a disponibilização do serviço, pronto para utilização, na porta dos imóveis. Fatores como a não interligação das casas aos sistemas oferecidos podem comprometer os dados de atendimento”, pontuou a empresa, complementando que atua porta a porta para informar a população “sobre a obrigatoriedade de interligação e os benefícios”.

A companhia acrescenta que “está atuando em 24 municípios com uma Parceria Público-Privada que vai elevar a cobertura do esgotamento sanitário para 90% até 2033, segundo o Novo Marco Legal, índice que considera o serviço universalizado”. 

Além disso, “projeta ultrapassar esse número, chegando a 95% em 2040”. Ao todo, segundo a Cagece, “cerca de R$ 19 bilhões estão sendo investidos neste projeto”, que inclui “melhorias operacionais, ampliação e implantação de sistemas de esgotamento sanitário, incluindo redes coletoras de esgoto, estações elevatórias, estações de tratamento, linhas de recalque e ligações domiciliares e prediais”.

Prejuízos vão da saúde ao clima

Os impactos de um esgoto a céu aberto ou da falta d’água em casa para a saúde são os mais óbvios e diretos: “quando não tem acesso à água de forma regular, você vai procurar fonte alternativa, então se expõe a riscos. Existe uma série de doenças evitáveis se houvesse saneamento básico”, frisa André.

Só neste ano, até o início de novembro, o Ceará registrou 199.849 casos de doença diarreica aguda, 90% deles fora de Fortaleza, de acordo com a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa). “Se tenho mais pessoas doentes, elas pressionam o sistema de saúde, gerando internações, ocupação de leitos que poderiam ser usados para outras doenças, e custos maiores”, lista o especialista do Trata Brasil.

Luciano Arruda, diretor de gestão de parcerias da Cagece, reconhece que "para cada R$ 1 que se investe em saneamento básico, a sociedade economiza 4 vezes esse valor", e estima que, "ao longo do tempo, os investimentos em saneamento crescerão, porque os estados estarão economizando em saúde". "Se houver investimento preventivo, a população adoecerá menos."

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Além dos prejuízos ao corpo, à mente e à própria economia, o atraso do Ceará e do Brasil em universalizar o saneamento básico contribui para as preocupantes mudanças climáticas que já são “sentidas na pele”.

“Temos secas no Norte e enchentes perigosas no Sul, ondas de calor muito fortes pelo Brasil. Estamos sentindo essas implicações, e o saneamento básico faz parte disso: poluímos muito nossos mananciais, estressamos nossos rios, e geramos uma cadeia de efeitos”, analisa André Rossi.

O especialista alerta que “já temos ótimos serviços públicos de companhias municipais e estaduais, e ainda de privadas, o que significa que já conhecemos a solução” para as deficiências nas coletas de esgoto e lixo e na distribuição de água. “Mas precisamos implementar.”

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