Risco de rompimento? População denuncia desgastes em açudes e cobra inspeções após aumento de chuvas no CE
Rachaduras e erosão em paredes causam preocupação sobre possíveis inundações em vilarejos e bairros do entorno

Grandes açudes cheios de água enchem os olhos com o aumento de chuvas no Ceará. Porém, a cada início de ano, ressurge o debate sobre a segurança dos reservatórios. Eles aguentam receber um volume tão alto? Passam por manutenção? O que é feito para evitar possíveis colapsos e suas consequências para a população, fauna e flora do entorno?
Neste mês de janeiro, quando já foram registradas chuvas expressivas por todo o Estado, vieram à tona problemas em algumas barragens. Em várias cidades, a população denuncia desgastes aparentes nas paredes dos reservatórios e cobram inspeções e medidas de recuperação por parte do poder público.
Em viagem a Sobral, na região Norte, na semana passada, o Diário do Nordeste recebeu duas demandas de comunidades que vivem próximas a açudes com possíveis problemas.
Um deles é o Camilo Calazans, mais conhecido como “Sonrisal”, no distrito de Taperuaba. Acompanhando a reportagem, os comunicadores populares Marciocelio Mesquita e Julio de La Malva contaram que os moradores demonstram preocupação com a parede do açude, que já apresentava pontos de erosão antes mesmo de começar a chover.

“No ano passado, durante a limpeza, a gente descobriu muitas crateras. A gente não quer amedrontar, mas chamar atenção para fazer alguma coisa antes que aconteça o pior”, conta Marciocelio, mostrando trechos corroídos na parede do reservatório.
Se a barreira for furada, eles temem que parte da Vila Mimosa e da comunidade Beira-Rio, localizadas mais abaixo, no escoadouro do Sonrisal, sejam inundadas pela água e enfrentem problemas de locomoção. Por isso, parte dos habitantes defende, inclusive, a extinção do açude.
“Mas não dá. Tem plantio de roçado, milho, feijão, melancia, melão. Tem o pessoal que pesca, que cria gado e caprinos. Essa água é usada para várias finalidades”, conta Julio.
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Outro açude com alerta de moradores é o Javan, no Centro de Sobral. O fotógrafo Jorge Alves explica que, com o aumento do volume de água, ele sangrou e gerou uma forte correnteza para um córrego próximo. Porém, como há despejo de lixo e entulho no sangradouro, a passagem costuma ficar obstruída.
“Se as chuvas forem muito fortes e a parede não suportar e vir a romper, o estrago é grande”, pensa.

A Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH), responsável pela fiscalização de barragens no Ceará, informou que o Javan é de propriedade particular, mas não está no Cadastro Estadual de Barragens. A reportagem também não localizou o dono. Já o Sonrisal foi fiscalizado no ano de 2022 e teve relatório encaminhado à Prefeitura Municipal de Sobral, empreendedora da barragem.
Por sua vez, a Secretaria da Infraestrutura (Seinfra) e a Defesa Civil de Sobral disseram que a responsabilidade pela inspeção e manutenção do Javan é do empreendedor responsável pela estrutura.
“A Prefeitura de Sobral já encaminhou a demanda à SRH para que proceda com a fiscalização e as intervenções necessárias. Quanto à possibilidade de urbanização da área, a Seinfra irá avaliar a viabilidade junto aos órgãos competentes após vistorias técnicas no local”, afirmou.
Sobre o Sonrisal, as Pastas declararam que, “devido ao açude estar vertendo (sangrando) atualmente, não é possível realizar intervenções estruturais, exceto em caráter emergencial”. “A Seinfra enviará uma equipe técnica para avaliar a situação e verificar a necessidade de reforço da estrutura após o término do período chuvoso”, garantiu.

Fissuras e desgastes
Nas últimas duas semanas, outros três casos no Estado despertaram interesse público. O primeiro foi a divulgação de um vídeo com diversas fissuras e vazamentos na parede do balneário do Boi Morto, em Ubajara, na Serra da Ibiapaba, durante uma forte chuva na cidade.
Após a repercussão, a Defesa Civil estadual realizou uma visita técnica, junto a autoridades municipais, e definiu a criação do Comitê de Crise para o Balneário do Boi Morto, que vai atuar na gestão de riscos relacionados às chuvas e na definição de medidas preventivas e emergenciais na localidade.
Um processo de desgaste também foi notificado nas escadas do açude Araras, em Varjota, quarto maior reservatório do Ceará. Também conforme a Defesa Civil estadual, após visita na terça-feira (28), “foi constatado que os reparos necessários serão realizados e que não há riscos para a estrutura da barragem”.
Por fim, o deslizamento de um trecho do açude Cedro, em Quixadá, o primeiro açude do Brasil, mobilizou órgãos de proteção civil. Informações preliminares dão conta de que uma rocha na parede do reservatório poderia estar se desprendendo. No entanto, isso teria impacto somente no deslocamento de pedestres pela passagem.
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Como funciona a inspeção de açudes?
Para prevenir incidentes, os órgãos do sistema de abastecimento realizam, esporadicamente, inspeções para identificar anomalias capazes de afetar a segurança de barragens.
No Ceará, a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) monitora o nível de 157 açudes, mas só é legalmente responsável por 89 deles. Os demais têm como empreendedor o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs).
Itamara Taveira, gerente de Segurança e Infraestrutura da Cogerh, explica que as inspeções têm periodicidade semestral, ocorrendo em dois ciclos: primeiro nos meses de dezembro e janeiro, e depois em junho e julho, após a quadra chuvosa.
Neste ano, o primeiro ciclo já está próximo do fim, e ela garante que não foram identificadas estruturas com gravidade. A vistoria envolve as 10 gerências regionais para inspeção visual, in loco, do estado dos diversos componentes das barragens (como talude, coroamento e vertedouro). Após o preenchimento de um checklist, elas são classificadas em quatro níveis:
- Normal
- Atenção
- Alerta
- Emergência
“Quando está em alerta e atenção, nós vamos para recuperação, fazendo estudo, ensaio geotécnico. Quando é emergência, tem que ser tomada uma ação imediata”, diferencia. “Mas hoje, nas barragens da Cogerh, não tem nenhuma anomalia de emergência”.
Também a nível estadual, a SRH é responsável por fiscalizar todas as barragens, incluindo as da Cogerh, as particulares e as municipais. Ela classifica as estruturas por categoria de risco e dano potencial associado.
Para isso, é necessário que a estrutura esteja inserida no Cadastro Estadual de Barragens, fundamental para a gestão de riscos das barragens e facilitadora do trabalho da Defesa Civil em caso de desastres.
Atualmente, o cadastro tem 309 açudes públicos e 570 açudes particulares.
Açudes sem inspeção
Segundo Lucrécia Nogueira, coordenadora de Segurança de Barragens da SRH, a realização das inspeções de acompanhamento é responsabilidade do empreendedor.
Assim, no caso de açudes privados, o empreendedor deve manter o monitoramento das ações. Contudo, “os empreendedores de barragens particulares não apresentaram Inspeção de Segurança ao órgão fiscalizador no ano de 2024”.
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A situação também complica quando se trata de açudes administrados por cidades. “Ressalta-se que os açudes públicos cujos empreendedores são Prefeituras Municipais, estes não apresentaram nenhuma Inspeção de Segurança ao órgão fiscalizador desde o cadastro”, afirma Nogueira.
A fiscalização da SRH prioriza barragens consideradas críticas e também notifica os empreendedores, visando à garantia da integridade dos reservatórios. “É solicitado ao empreendedor que sejam realizadas manutenções na estrutura com orientação de responsáveis técnicos, como também Inspeção de Segurança Regular (ISR)”, destaca.
O que diz o Dnocs
Órgão federal responsável por dezenas de açudes no Ceará, o Dnocs também informou ao Diário do Nordeste que realiza inspeções regulares nas barragens pelas quais é responsável, “prevenindo riscos para as comunidades e o meio ambiente”.
“Atualmente, o Dnocs é responsável pela gestão de 329 açudes, localizados em sua área de atuação. Em 2025, está previsto que todos os açudes sob responsabilidade da Autarquia recebam inspeções técnicas. Essas inspeções seguem um planejamento anual, mas estão condicionadas à liberação de orçamento da LOA (Lei Orçamentária Anual)”, declarou.
Ainda conforme a entidade, a prioridade de averiguação dada às barragens segue critérios técnicos.