Revogar ou aprimorar? Quais os dilemas do Novo Ensino Médio nas escolas do Ceará
Estrutura das escolas, ofertas de disciplinas eletivas e possível aumento das desigualdades são focos de preocupação no novo formato
Em janeiro de 2022, parte dos alunos e professores das escolas públicas da rede estadual do Ceará começaram a experimentar o novo Ensino Médio. Previsto em lei desde 2017, o modelo ganhou forma nas instituições país afora no ano passado.O aumento das horas letivas e a modificação da grade curricular são pontos centrais na mudança.
Em 2023, entre pedidos de revogação e solicitação de melhorias, o modelo desafia tanto o Governo Federal, como os estaduais. No Ceará, como tem sido o processo e quais as lacunas?
Quando teve início no Ceará em 2022, o novo modelo foi implantado somente nas turmas do 1º ano no turno diurno. Hoje, são 230 mil alunos do Ensino Médio da rede estadual incluídos no novo currículo em 6.106 turmas de 691 escolas, segundo a Secretaria Estadual da Educação (Seduc).
Neste ano, tanto alunos do 1º ano quanto do 2º ano estão no novo formato, incluindo também os alunos 1º em ensino noturno, conforme a Seduc. O modelo deve ser completamente implantado até 2024.
Características do novo Ensino Médio
Em relação à carga horária, na prática, houve um aumento passando de 4 horas diárias para 5 horas. Então, eram 25 horas por semana e agora são 30 horas.
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No caso da grade curricular, o novo Ensino Médio estabelece uma parte comum obrigatória, chamada de Formação Geral Básica, que corresponde a 60% do currículo.Os outros 40% são de disciplinas eletivas, dos chamados Itinerários Formativos.
Essas disciplinas estão distribuídas dentro de 4 grandes competências: Linguagens, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Matemática. Nas escolas de educação profissionalizantes, há o eixo: Formação Técnica e Profissional.
Mas, como tem sido a implantação no Ceará? Quais os desafios detectados após o primeiro ano de vigor do novo modelo? Quais as contestações ao processo que está em curso e, segundo o poder público, deve ser ampliado?
O Diário do Nordeste ouviu estudantes, representantes dos professores e poder público que apontaram desafios e dimensões a serem observadas nesse processo. Dentre eles, estão:
- Disciplinas eletivas que não agregam na formação dos estudantes;
- Incompatibilidade entre a estrutura das escolas, o novo modelo e as exigências;
- Aumento das desigualdades entre as escolas;
- Lacunas na formação dos professores para o novo modelo;
- Realização pouco planejada das disciplinas eletivas.
Revogar ou aprimorar?
No país inteiro o debate segue intenso sobre o novo Ensino Médio e a possibilidade de revogar o modelo, começar a estruturar outro formato ou apenas deixar seguir o processo que está em curso e avaliá-lo.
O ministro da educação, Camilo Santana, declarou publicamente que a ideia tem aspectos positivos como: ampliar a carga horária, garantir espaço ao ensino profissionalizante e tornar o currículo mais flexível. Mas, também já destacou que é a favor de avaliar os resultados desse modelo, tendo em vista que a mudança é bem recente.
Em visita ao Ceará, na quinta-feira (23), o ministro informou que o Governo Federal está criando um grupo de trabalho com representantes da sociedade e de institução de educação para avaliar o assunto.
"O momento é de avaliar. Até porque havia na lei a insituição de um grupo que pudesse acompanhar e avaliar a implantação do Ensino Médio e tentar corrigir o que precisa ser corrigido".
Ele reforça que um dos problemas foi que a implantação não houve de com a sociedade. "Foi uma discussão muito restrita e apresssada", completou.
Nacionalmente, dentre outras entidades, algumas do movimento estudantil secundarista têm se posicionado a favor da revogação do modelo.
No Estado, o vice-presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) no Ceará, Carlos Itapewa, destaca que na discussão os alunos precisam ser ouvidos ao contrário do que ocorreu com o atual modelo.
Ele destaca que um dos grandes gargalos é a incompatibilidade entre as exigências do modelo e as escolas reais. “A desigualdade é notável, isso faz com que ocorra mais casos de evasão escolar. Não queremos aprimorar, e sim revogar. Não para voltar a ser como antes, mas queremos a criação de um projeto de lei que passe pelas mãos dos estudantes”, defende.
O secretário de assuntos educacionais do Sindicato Apeoc - representação dos professores, Maurício Manoel, reitera que “a forma como o novo Ensino Médio foi concebido e aprovado não passou por aval dos professores e das comunidades escolares como um todo”. Ele reforça que está em curso o debate sobre como é possível qualificar, ajustar ou até mesmo revogar o modelo.
O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) em nota já destacou que os novos currículos foram produzidos por “técnicos das secretarias, em colaboração com as equipes das escolas, especialistas de entidades parceiras e sindicatos”. Para o Consed, "aprimoramentos e ajustes podem e devem ser discutidos”. Mas, a revogação “não é o caminho”.
O que requer mais atenção?
Na realidade do Ceará, o estudante Kawendel Irineu de Andrade, presidente do grêmio da Escola Profissionalizante Paulo Sexto, que está no 2º ano, avalia que na sua realidade não houve tanta mudança. Mas, analisa ele, “o que discutimos muito é que há uma preocupação com a oferta de itinerários formativos que não agregam em nada”.
“Com a mudança na carga horária e para cumprir essa carga horária, muitas vezes, estão colocando conteúdos que não acrescentam”, reforça.
Para o representante da Apeoc, Maurício Manoel, um dos pontos de preocupação é a redução de algumas disciplinas e o fato de as eletivas serem “extremamente flexíveis tanto no tempo quanto no currículo”. De acordo com ele, “sem formação, o professor tem que criar alguma estrutura de disciplina para poder repassar aos alunos”.
Ele argumenta que Seduc “tem se esforçado para realizar uma razoável implementação do novo Ensino Médio e em comparação com outros estados, o Ceará tem uma organização mais forte”. Mas, destaca, “alunos e professores precisam ser ouvidos e levados em consideração neste processo”.
Quanto às preocupações específicas dos professores, ele ressalta que os profissionais "questionam a perda de carga horária obrigatória de praticamente todas as disciplinas” e acrescenta falta estrutura nas escolas, bem como a formação para a implementação do novo modelo é insuficiente.
Avaliação da Seduc
Questionada sobre diversos aspectos desafiadores no processo de implantação do novo modelo, a Seduc, em nota, informou que na percepção da pasta “toda mudança em educação é complexa, exige tempo e acompanhamento para que sejam identificados os pontos de atenção e os ajustes necessários possam ser encaminhados”.
Entre os desafios atuais, indica a Seduc, estão:
- A recomposição das aprendizagens, por meio da priorização curricular alinhada à implementação do novo formato;
- A formação continuada de professores e;
- A necessidade de elaborar materiais estruturados para os itinerários formativos.
A Seduc também foi indagada sobre críticas que mencionam que o "cardápio" de itinerários formativos é mais enxuto em escolas menores e isso torna o processo desigual, bem como a qualidade da diversidade na oferta das disciplinas eletivas. Em nota, a pasta disse que desde 2016, disponibiliza um Catálogo de Unidades Curriculares Eletivas, pois essa oferta já ocorria antes da implementação do novo modelo.
Com a implementação, diz a Seduc, foi elaborado, pelos professores da rede, um Catálogo de Trilhas de Aprofundamento que “sugere uma opção de trilha para cada um dos itinerários formativos. Além do Catálogo, são disponibilizados Planos de Aula para cada unidade, acrescenta a pasta.