Lei pode proibir distinção para marcar consultas particulares e com plano de saúde? Entenda
Legislação do estado do Pará pode ser considerada inconstitucional. Segundo especialista, tema deve ser tratado em âmbito nacional, por se tratar de uma ação com repercussão em todo o País
Uma lei do estado do Pará proíbe os planos de saúde de fazerem distinção entre a marcação de consulta para os atendimentos via plano de saúde e particular. A norma ganhou evidência em todo o País após o comentário de um redator publicitário de Belém (PA) em uma rede social viralizar. O problema é que, segundo especialistas, a medida pode ser considerada inconstitucional.
Segundo a postagem do usuário (nome preservado porque ele restringiu a publicação), ao tentar marcar uma consulta dermatológica, ele percebeu uma diferença de até uma semana entre os atendimentos particulares e via plano de saúde. Após informar à atendente sobre a lei, ele disse que conseguiu marcar para a data prevista para consultas particulares. A publicação alcançou milhões de visualizações.
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A lei em questão foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) em 9 de maio. No dia seguinte, foi sancionada pelo governador do Estado, Helder Barbalho (MDB) e já está em vigor.
"(A lei) dispõe sobre a proibição à diferenciação na definição do prazo de marcação de consultas, exames e outros procedimentos entre os pacientes cobertos por planos ou seguros privados de assistência à saúde e os pacientes custeados por recursos próprios", explica a legislação.
"Fica proibida a diferenciação no tratamento entre pacientes cobertos por planos ou seguros privados e os pacientes custeados por recursos próprios, de forma a privilegiar os pacientes particulares, quando o profissional de saúde contratado for credenciado por operadora de plano ou seguro privado de saúde ou cooperado de operadora de plano ou seguro privado de assistência à saúde", versa o artigo 1º da lei.
Ficam de fora da lei estadual do Pará os atendimentos de urgência e emergência e os casos prioritários já estabelecidos em legislações anteriores sobre o tema.
Lei é inconstitucional, diz especialista
A legislação, em vigor há quase dois meses no Pará, pode esbarrar nos termos legais definidos pela Constituição de 1988. Isso porque se trata da mudança de um tema que não tem previsão constitucional para ser regulada pelo estado, e sim pela União.
De acordo com Leonardo Aprígio, advogado-membro da Comissão de Saúde e Direito Médico da Ordem dos Advogados do Estado do Ceará (OAB-CE), não compete aos estados alterar legislações sobre planos de saúde e atendimentos particulares. A regulação de ambos fica a cargo da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A lei, muito embora tenha seus efeitos práticos e apontando aos destinatários certos, é flagrantemente inconstitucional, visto que já foi até apreciado no STF. Afinal, a matéria de tal lei fala de reflexos diretos a normas do Direito Civil, Código de Defesa do Consumidor e conforme expresso na Constituição de 1988, cabe a ANS regular possíveis excessos.
Ainda segundo o especialista, "o entendimento consolidado sobre contratos, especialmente aqueles típicos de planos de saúde, é privativo da União". Leonardo Aprígio relembra que o tema já foi tratado no Supremo Tribunal Federal por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.
No artigo 2º da legislação paraense, toda a marcação de consultas da saúde suplementar deverá ser feita "de forma igualitária, sendo vedada a utilização de agendas com prazos de marcação diferenciados quanto ao tempo de marcação entre o paciente coberto" seja ele por plano ou por atendimento particular.
O que dizem as autoridades?
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), por meio de nota, induz o entendimento de que a lei sancionada no Pará esbarra na questão constitucional do tema, sendo a agenda única, ou seja, uma decisão unificada nacionalmente, "o modelo natural a ser adotado", e reforça o que já ocorre na classificação de risco em diversas unidades de saúde, com a priorização de pacientes em situação mais crítica.
"Seria possível sim pensar em um modelo de priorização pautado, por exemplo, nas condições de saúde e no risco à vida dos pacientes. Assim, pacientes em caso de urgência terão prioridade. Isso é colocar o paciente no centro do cuidado, organizando a infraestrutura de saúde em torno dele e entregando serviços de qualidade a todos", completa.
A ANS reitera que não faz as alterações na legislação da saúde suplementar, e sim regula o setor de planos de saúde e a relação das operadoras com os prestadores de serviços, sem atribuição legal.
Especificamente sobre a legislação do Pará, a agência explana que já não é permitida "a priorização ou preterição nos atendimentos de beneficiários de acordo com a operadora ou com o plano de saúde", e não há atualmente normativos que indiquem mudança na lei.
"Até a publicação desta legislação pelo estado do Pará, não havia legislação ou normativo sobre prioridade em relação aos atendimentos prestados aos beneficiários de planos de saúde e os atendimentos particulares", pondera a ANS.
Tendo em vista a publicação desta lei, com aplicação apenas no estado do Pará, é certo que os profissionais deverão cumpri-la, estando sujeitos às questões legais impostas por ela, mas não cabe à ANS a fiscalização sobre o atendimento a essa legislação.
Como funciona a marcação de consultas no Brasil?
Independente do tipo de saúde suplementar, seja ela particular ou por plano de saúde, a ANS pondera que existe uma tabela em que estabelece o prazo máximo, em dias úteis, para a marcação de consultas e atendimento eletivo e de urgência e emergência dos clientes.
"A finalidade é garantir que o beneficiário de plano de saúde tenha acesso, em tempo oportuno, às coberturas por ele contratadas", esclarece a ANS.
Para este último tipo de atendimento, a assistência ao paciente deve ser imediata. Os prazos da ANS podem variar a depender da natureza, seja ela ambulatorial ou clínica, e podem chegar até a, no máximo, 21 dias úteis, no caso de procedimentos de alta complexidade e atendimento em regime de internação eletiva.
"É importante esclarecer que os prazos estabelecidos pela ANS não valem de forma individualizada para os profissionais de saúde, apenas obrigam as operadoras a disponibilizarem o atendimento à especialidade dentro desses prazos. Isso porque a ANS não tem atribuição legal para interferir na autonomia do médico ou de qualquer outro profissional de saúde quanto à marcação de consulta e ao gerenciamento de sua agenda", completa a agência.
A ANS ainda proíbe que o consumidor de um determinado plano de saúde ou de atendimento particular seja discriminado ou atendido de forma diferente de outra operadora de saúde ou de qualquer outra modalidade contratual.
"Em caso de dificuldade para a realização de exames ou procedimentos, o beneficiário deve, primeiramente, tentar resolver o problema junto à sua operadora de plano de saúde. Se não houver solução adequada, deve registrar uma reclamação junto à ANS através dos canais de atendimento", finaliza a agência.