O que mudou 6 meses após a implantação do Novo Ensino Médio nas escolas do Ceará

Carga horária maior, grade flexível e conteúdos mais diversificados já são aplicados a alunos das primeiras séries

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Até 2024, todas as três séries do ensino médio estarão inclusas no novo modelo
Legenda: Até 2024, todas as três séries do ensino médio estarão inclusas no novo modelo
Foto: Felipe Azevedo

“Quando vou usar isso na vida?!” A questão é inevitável entre adolescentes em sala de aula, diante de uma fórmula matemática complexa ou de teorias longe da realidade. Para reduzir essas distâncias e estreitar o laço escola-vida prática, surgiu o Novo Ensino Médio (NEM), em vigor no Ceará há 6 meses. Mas o que mudou?

O modelo foi determinado pela Lei nº 13.415, de 2017, com prazo de 5 anos para ser posto em prática. Na rede estadual cearense, até agora, somente alunos das turmas de 1º ano do ensino médio já estão com nova grade curricular e a carga-horária maior, desde o início de 2022.

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Estudante do Novo Ensino Médio no Ceará
Legenda: Para Maria Giovanna, carga-horária é maior desafio da nova rotina
Foto: Arquivo pessoal

A adolescente Maria Giovanna Conrado, 15, transitou do ensino fundamental para o médio neste ano, como aluna da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Simão Ângelo, no município de Penaforte, divisa do Ceará com Pernambuco.

A dificuldade inicial da transição, segundo ela, foi justamente o tempo de aula: até ano passado, estudava só meio período; hoje, chega às 7h e sai quase às 17h da escola. A novidade que mais agrada, por outro lado, é poder escolher que estudos aprofundar.

Escolhi eletivas de História do Ceará, memória e cultura dos povos africanos no Brasil, porque me identifico. Acho incrível poder fazer isso, porque muitos alunos passam o ensino médio focando numa carreira e descobrem que não era aquilo que queriam. 
Maria Giovanna Conrado
15 anos

As disciplinas de “educação sexual” e “primeiros socorros” também entraram na rotina da estudante, cujo sonho é ser médica. Além de poder focar em conteúdos mais alinhados à futura carreira, Giovanna aponta a sensação de protagonismo como uma vantagem do Novo Ensino Médio.

“Nas eletivas é onde se misturam vários estudantes. O aluno ser protagonista, ter essa liberdade de falar na escola, de realmente querer socializar com os outros, ter essa empatia, conhecer outras pessoas, religiões, culturas, é muito importante”, avalia a jovem.

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ementas de disciplinas eletivas foram elaboradas por professores da rede estadual, distribuídas nas 4 áreas abordadas no Enem. “Inglês com música”, “Biologia para o Enem” e “Astronomia a partir do zodíaco” são exemplos delas.

Para Larissa Silva, 15, estudante de uma escola estadual de Fortaleza, passar o dia inteiro dividida entre atividades escolares e a socialização com os amigos é uma "novidade cansativa e boa, ao mesmo tempo" – e um "passo a mais" para ingressar numa universidade pública, segundo almeja.

"Se não fosse na escola, por mais que eu me esforçasse, não conseguiria estudar, fazer atividades úteis o dia inteiro. E como as eletivas são coisas que nós escolhemos fazer, nos identificamos, não se torna tão exaustivo. Só tem a acrescentar pro meu conhecimento", pondera.

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Como funciona o Novo Ensino Médio

No Ceará, a implementação do Novo Ensino Médio (NEM) ocorrerá de forma gradual, de acordo com a Secretaria da Educação (Seduc):

  1. Em 2022, turmas do 1º ano do ensino médio aderem ao modelo;
  2. Em 2023, 1º e 2º anos estarão no formato;
  3. Em 2024, por fim, são incluídas as turmas de 3º ano do ensino médio.

Entre as principais mudanças, está o acréscimo de 1 hora/aula todos os dias, nas escolas regulares. Nessas instituições, essa “hora extra” está sendo ofertada em ensino remoto, via Google Meet, segundo a Seduc.

Outras modificações são:

  • Aumento da carga horária letiva de 2,4 mil horas para 3 mil, ao longo de toda a etapa; 
  • Os novos currículos de ensino devem estar alinhados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC); 
  • Devem ser integrados aos currículos os “itinerários formativos”, ou seja, disciplinas que os estudantes poderão escolher cursar, com foco em formação técnica e profissional; 
  • Profissionais da educação passarão por formação continuada para alinhar o currículo escolar à BNCC. 

Iane Nobre, coordenadora de gestão pedagógica do Ensino Médio da Seduc, explica quais as diferenças entre a rotina dos alunos que cursaram o 1º ano em 2021 e dos que cursam hoje, em 2022.

“Eles tinham 25 aulas por semana, agora são 30. Antes, todas eram iguais pra todo mundo, ninguém escolhia nada. A mudança mais impactante, na prática, é que agora 18 dessas 30 aulas os alunos fazem juntos, as outras 12 eles escolhem optativas”, pontua.

“Como desenvolver essas habilidades nos alunos?”

Outro ponto-chave do NEM é a oferta de disciplinas eletivas além das tradicionais, focando em aprofundar conhecimentos diversos – são os chamados “itinerários formativos”, e os estudantes podem escolher quais seguir.

Para Rebeca Cavalcante, professora da rede estadual há 6 anos, a maior dificuldade tem ocorrido nas escolas regulares, já que as profissionalizantes e as de tempo integral já praticavam currículos semelhantes aos do NEM antes mesmo de ele entrar em vigor.

De modo geral, os professores que vão sentir mais dificuldade no planejamento são os do tempo regular, que ainda não tinham as disciplinas fora da base comum. Os demais, acredito que não, porque os itinerários formativos já eram uma política pública do Ceará.
Rebeca Cavalcante
Professora da rede estadual

O maior desafio, porém, como avalia Rebeca, tem sido integrar as disciplinas e estimular nos estudantes novas formas de enxergar o conhecimento. Abolir, em definitivo, a presença da pergunta que iniciou esta reportagem.

“Precisamos desenvolver melhor a nossa percepção de ensino interdisciplinar: como vamos juntar português, ciências humanas, da natureza e matemática? Como a gente vai desenvolver habilidades nos alunos, trazendo os conteúdos como ponto-chave?”, destaca.

O aumento da carga-horária, observa a professora, também é uma questão – sobretudo no pós-pandemia, quando os alunos voltaram à escola “muito mais ansiosos, com dificuldade de concentração e necessidade de trabalhar o socioemocional”.

Quando os meninos entram no 1º ano e começam a estudar de forma integral, passando o dia inteiro, sentem muita dificuldade, principalmente no horário pós-almoço. É uma fase de adaptação a essa rotina.
Rebeca Cavalcante
Professora da rede estadual
 

“Para os alunos, não é novo”

Novo Ensino Médio nas escolas estaduais do Ceará
Legenda: No Ceará, a implementação do Novo Ensino Médio (NEM) ocorrerá de forma gradual
Foto: Thiago Gadelha

Iane Nobre, gestora da Seduc, destaca que a implementação do modelo desafia a escola, já que altera o currículo e exige competências distintas. “A cultura vai mudar com o tempo, os professores vão experimentando. Havia uma rejeição ao modelo, mas depois que entenderam como funciona, percebemos um desejo de conhecer, uma dedicação à mudança.”

A gestora explica que “para os alunos, por outro lado, é apenas o ensino médio, não é ‘novo’, porque eles não sabem como era o anterior. Já tínhamos escola em tempo integral. Só nas escolas regulares, de tempo parcial, é que houve o aumento de 1 hora aula”.

Até 2024, todo estudante cearenses, de rede pública ou privada, deverá ter acesso ao Novo Ensino Médio. Uma parcela, porém, ainda não tem perspectiva de quando será inserida: a Educação de Jovens e Adultos (EJA).

“A EJA tem o desafio da carga horária. No noturno, é inexequível ampliar a carga. Estamos dialogando com o Ministério da Educação pra saber como podemos adaptar, porque a realidade desses estudantes é outra. E queremos trazer essas pessoas pra escola”, sentencia Iane.

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