Projeto de coleta seletiva por aplicativo feita por catadores de Fortaleza é suspenso
A Prefeitura afirma que o programa Re-Ciclo está em processo de renovação contratual e que não houve recolhimento dos triciclos
Um dos seis projetos de coleta seletiva de Fortaleza, o Re-ciclo, está paralisado há cerca de 5 meses. Essa iniciativa equipava os trabalhadores com triciclos e os conectava a quem desejasse descartar lixo reciclável. Catadores que participavam do programa afirmam que os recursos para a manutenção da iniciativa, utilizados na reparação dos veículos e no pagamento de diárias, foram repassados até abril, e a Prefeitura informa que a iniciativa está em processo de renovação contratual.
“Hoje, nós estamos aqui parados, e as 12 bicicletas [triciclos] estão tudo empilhadas, porque não tinha onde colocar”, diz Leina Mara, coordenadora da Rede de Catadores de Resíduos Sólidos Recicláveis do Estado do Ceará. Ela afirma que a paralisação afetou a renda mensal dos trabalhadores. “Nós saímos de R$ 1.200 a R$ 1.400 por mês e agora estamos tirando R$ 240”, diz.
Para João Paulo, membro da Associação dos Catadores da Rosalina há oito anos, houve uma queda na qualidade de vida dos catadores. “Esse valor faz falta porque era significativo. A gente já estava tendo uma melhora de vida muito boa. A renda chegava quase ao valor do salário mínimo”, estima. “No mês, agora, a gente está arrecadando de R$ 400 a R$ 600, porque fica sempre oscilando o preço do material”, completa.
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Atualmente, Fortaleza conta com os seguintes projetos de reciclagem de resíduos:
- Recicla+
- Recicla Fortaleza
- Máquina de Reciclagem
- E-Carroceiro
- E-Catador
O que diz a Prefeitura
Em nota, a Secretaria Municipal da Conservação e Serviços Públicos (SCSP) afirma que o programa Re-Ciclo está em processo de renovação contratual e que não houve recolhimento dos triciclos. Segundo a Pasta, as 46 unidades permanecem com os catadores e as 18 associações e grupos organizados, sendo 52 catadores atendidos.
A SCSP acrescenta que, para auxiliar as entidades enquanto ocorre a renovação, disponibiliza um caminhão de coleta seletiva, destinando o material recolhido às associações.
Em relação aos Ecopontos, a Pasta diz que estes espaços não fazem parte da coleta realizada pelo Re-Ciclo e funcionam como pontos de entrega voluntária para a população, “onde o material já chega separado e passa por gestão própria, com bonificação ao cidadão”.
“Aos catadores, os Ecopontos servem apenas como local de apoio para a triagem do material coletado pelo programa”, finaliza a nota.
Segundo Mara, uma reunião foi realizada em fevereiro deste ano com a SCSP e representantes da Pasta teriam aconselhado que deixassem de usar os veículos devido à falta de recursos para manutenção. Na ocasião, os catadores souberam não haver mais dinheiro para o projeto – que não tinha sido renovado.
"Nós dissemos nossa angústia, que ia acabar o projeto e que estava com recurso até abril. A gente quis saber como é que ia ficar a coletiva seletiva, só que eles não resolveram nada", afirma.
Como funcionava o Re-ciclo
O Re-ciclo funciona assim: por meio de uma ferramenta (que pode ser acessada por site ou App), os usuários agendam a coleta domiciliar em dia e hora escolhidos. Os catadores associados ao projeto, usando os triciclos elétricos, recebem uma lista de endereços e passam, em rota, recolhendo os materiais. Depois, seguem para os Ecopontos, locais de apoio para organizar, limpar e enviar os resíduos para venda. Atualmente, o site para agendamento da coleta (www.reciclofortaleza.com.br/) está “em manutenção”.
“Era um trabalho muito organizado, a população tinha confiança porque partia da Prefeitura. Nós íamos todos fardados com EPIs nas bicicletinhas para pegar o material”, afirma Mara.
O projeto de coleta seletiva se iniciou em 2020, com treinamento e capacitação dos catadores, e a distribuição das primeiras bicicletas a marcha. Cícero Nascimento, catador de recicláveis desde 1987 e coordenador da Rede de Catadores à época, conta que esses veículos eram inadequados para a realização do trabalho.
“A parte traseira das gaiolas era muito longa e os pneus secos. Não tinha viabilidade”, afirma. Em 2021, o projeto foi ampliado com a chegada da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova); e, em 2022, com a parceria com uma startup de sustentabilidade e uma multinacional de delivery.
O valor para a execução era oriundo do Desafio Global de Mobilidade Urbana 2019, organizado pela Transformative Urban Mobility Initiative (TUMI). À época, a Prefeitura recebeu R$ 1 milhão que permitiu a compra dos triciclos elétricos, de equipamentos de proteção e outros materiais necessários para executar o projeto.
“O catador trazia o material para dentro dos Ecopontos e as pessoas triavam. Depois, tinha uma rota de mandar para o galpão semanalmente para evacuar o espaço”, explica Cícero. Ao todo, 11 Ecopontos eram usados como ponto de apoio das associações.
Vinha num processo de crescimento. Tinha associação que saiu do patamar de receber R$ 350 a R$ 400 e quando adere ao Re-ciclo, vai para mais de R$ 1.000. Teve a associação que tava já tirando, né, já tirando um salário mínimo e tava assim nesse estímulo muito grande. Outras tiveram condições de aumentar o seu quadro de sócio, pegar mais catadores que tava na comunidade e inserir dentro do programa
Segundo o ativista, a proposta do projeto era ampliar o trabalho para a metade dos Ecopontos e para as 17 associações que existem em Fortaleza, bem como aumentar o quantitativo de material coletado. “A gente tirava em torno de 300 toneladas de resíduo no mês e a tendência era a probabilidade de tirar 800 toneladas”, detalha.
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A Associação de Catadores da Rosalina, da qual João Paulo faz parte, ganhou dois triciclos na segunda fase do projeto Re-ciclo, que hoje estão parados e precisando de manutenção. Cinco pessoas estavam envolvidas no projeto da Prefeitura.
Agora, sem os triciclos e as rotas de doações pelo projeto, os catadores estão utilizando seus carrinhos para fazer a coleta de recicláveis. No caso da Rosalina, devido ao tamanho do espaço da Associação, foi feita uma parceria com a associação Mulheres Luta em Cena.
A instituição é uma das que possui cessão de uso do Ecoponto do bairro Serrinha, para onde o material recolhido pelos catadores tem sido levado. Após ser separado, triado e pesado, todos os conteúdos são reunidos para ser vendido em maior quantidade. O valor arrecadado com a venda é dividido proporcionalmente de acordo com quanto cada um coletou de material reciclável.
Atualmente, a Rede de Catadores trabalha com a coleta no espaço destinado a eles desde 2012, concedido pela gestão da então prefeita Luizianne Lins, explica Mara.
“A gente tá sobrevivendo dessa coleta que é fixa desde muito tempo, como restaurantes, hotéis. Os que tinham parceria com o Reciclo, estão todos desesperados”, afirma.
A organização estadual conta com 16 grupos e nove associações, sendo sete delas são associações regularizadas, com espaço físico, CNPJ e IPTU. Ao todo, são 470 catadores organizados pela Rede.
Coleta seletiva em Fortaleza
Atualmente, a política de coleta seletiva em Fortaleza é organizada pelo programa Fortaleza Limpa, voltado para a educação ambiental e estímulo à reciclagem. No site do programa (fortalezalimpa.fortaleza.ce.gov.br/) é possível encontrar onde entregar os resíduos recicláveis separados em casa. As iniciativas são divididas em:
- Recicla+: coleta de resíduos recicláveis em condomínios cadastrados;
- Recicla Fortaleza: troca de material reciclável por desconto na fatura de energia. É realizada nos Ecopontos da cidade, com crédito calculado de acordo com peso e tipo de resíduo;
- Máquina de Reciclagem: troca de materiais por créditos no Bilhete Único, na recarga de celular ou outros benefícios. As máquinas estão nos terminais de ônibus e nos CUCAS;
- E-Carroceiro: carroceiros cadastrados nos Ecopontos podem trocar entulho ou resíduos volumosos, por crédito em um cartão do Banco Palmas;
- E-Catador: catadores cadastrados podem trocar os recicláveis coletados nos Ecopontos.