“Não é fácil dar uma resposta” para apagão porque sistema está mais complexo, diz especialista do CE
Segundo professor e cientista, fornecimento deveria continuar funcionando mesmo com a perda de uma das linhas de transmissão
O apagão nacional do último dia 15 de agosto pegou milhões de brasileiros de surpresa, com a interrupção do fornecimento de energia elétrica por horas em 25 dos 26 estados do Brasil e no Distrito Federal. Porém, a causa do problema permanece um mistério até para especialistas.
Diante da repercussão, o Diário do Nordeste conversou com Fernando Antunes, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Cientista Chefe em Energia da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), para avaliar o caso.
Segundo ele, “não é tão fácil dar uma resposta” rápida porque o Sistema Interligado Nacional (SIN) é muito complexo, com centenas de subestações e milhares de quilômetros de linhas de transmissão. Em termos comparativos, a distância seria suficiente para ligar Lisboa, em Portugal, a Moscou, na Rússia.
“À medida que o sistema fica mais complexo, mais difícil é determinar o problema. Por ‘complexo’ não quero dizer ‘não-confiável’, mas que ele tem muito mais recursos e um custo operacional maior”, explica.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) concluiu que o primeiro evento da ocorrência foi o desligamento da linha de transmissão 500 kV Quixadá-Fortaleza, mas que esse evento por si só não causaria impacto a nível nacional. “Este é um ponto que ainda está sendo apurado”, explica.
No entanto, a “culpa do apagão” recair sobre o Ceará pegou Fernando Antunes “de surpresa” naquele dia. Segundo ele, o Operador costuma dar respostas sobre as regiões, não sobre Unidades da Federação, já que o sistema elétrico do país é inteiramente interligado.
é a extensão da linha de transmissão de Quixadá a Fortaleza, segundo mapa do ONS. Ela continua um percurso que sai de Milagres, no Cariri.
Sobre a primeira explicação fornecida pelo ONS, de uma “variação de frequência descontrolada”, Fernando diz ser teoricamente possível quando a geração fica maior que a carga (demanda), ou vice versa. No entanto, o professor considera um aumento instantâneo de 7 gigawatts de carga “muito estranho”.
Para se ter noção do número, o cientista dá um exemplo contrário. Para haver um aumento da mesma proporção na geração de energia, “seria o caso de parar o vento e bloquear o sol e, de repente, eles voltarem com tudo”.
“Como a frequência de operação é 60 hertz, qualquer variação acima ou abaixo disso, o sistema desliga. Houve um desequilíbrio no Ceará, um aumento de carga, e a interligação Norte/Sul foi desfeita por questão de proteção”, complementa.
Veja também
Motivo do apagão
Porém, mesmo que o ponto de origem tenha sido detectado, ainda não está claro porque o sistema falhou. Ainda mais porque o SIN funciona pelo critério n-1, ou seja, deveria continuar funcionando mesmo com a perda de algum de seus elementos.
Uma das hipóteses de Fernando Antunes é que os relés de proteção da linha entenderam de maneira errada o que estava acontecendo. Esses aparelhos são sensores acionados de acordo com condições anormais de funcionamento para ligar ou desligar o dispositivo.
O especialista também descarta influência humana, uma vez que o sistema desliga rapidamente nessas condições. “Não é proteção manual, é automática”, afirma.
Em nota divulgada na quarta-feira (16), a Eletrobras informou que o desligamento da linha de transmissão Quixadá-Fortaleza se deu “milissegundos antes da ocorrência” do apagão, às 8h31. No entanto, a companhia destacou que a manutenção dessa linha “está em conformidade com as normas técnicas associadas”.
Assim como o ONS, a Empresa afirmou que o desligamento isolado “não seria suficiente para a abrangência e repercussão sistêmica do ocorrido”.
Veja também
Segurança e aprendizado
Apesar do problema, Fernando assegura que o SIN é um sistema “forte” e “robusto”, permitindo continuar o fornecimento por outros caminhos caso haja o desligamento de uma linha. Ocorrências desse porte tendem a aprimorar as proteções contra futuros blecautes.
Os acidentes é que dão experiência e permitem tomar decisões para impedir que aconteçam novamente. São garantias de que, se houver variação de frequência, o sistema vai suportar. Há estudos para que isso seja o mínimo possível.
Transtornos por horas
No Ceará, diversas cidades sofreram com a falta de energia, que perdurou por mais de 3 horas. Serviços como metrô e funcionamento de semáforos foram comprometidos. No entanto, nenhuma ocorrência grave foi registrada.
A energia só foi totalmente normalizada por volta de 12h14, de acordo com a Enel Distribuição Ceará, após liberação do ONS. A empresa esclarece que atua apenas na distribuição de energia do Estado e não opera no sistema de transmissão, portanto não gerencia a linha afetada pela ocorrência.
Conforme o Operador, está marcada para o dia 25 de agosto uma reunião com os agentes envolvidos, além do Ministério de Minas e Energia (MME) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para analisar as causas. Essa avaliação deve ser consolidada em um Relatório de Análise da Perturbação (RAP), que leva cerca de 45 dias para ser concluído.