Metade da população de Fortaleza acima de 15 anos se sente insegura em seu bairro, diz IBGE
Quando se trata do Estado do Ceará, o percentual de pessoas que se sentem inseguras é de 33,7%
A sensação de insegurança no bairro em que se vive é uma realidade para metade da população de 15 anos ou mais de Fortaleza. Isso torna a Cidade a 5ª capital do País e 3ª do Nordeste no ranking da população que tem essa percepção. A constatação é da pesquisa “Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira”, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira (6), com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2021.
O estudo aponta que 52,3% da população, a partir de 15 anos, que vive em Fortaleza se sente insegura ou muito insegura no bairro onde mora. A capital com maior índice é Teresina (PI), onde 58,3% das pessoas dessa faixa etária apontam essas sensações. No outro extremo, em Florianópolis (SC), quase 90% dos entrevistados pelo IBGE relataram se sentirem seguros ou muito seguros.
Da mesma forma que ocorreu nos demais estados brasileiros, a sensação de insegurança no bairro de moradia foi maior na capital, Fortaleza, do que no conjunto de todo o Ceará. Quando se observa o estado como um todo, o percentual reduz para 33,7% e o Ceará ocupa a 9ª posição no País entre as unidades federativas com maior proporção de pessoas com percepção de insegurança.
Além disso, a pesquisa indica que cerca de 1 em cada 8 pessoas (12,6%) no Ceará, na faixa etária estudada, declara se sentir insegura ou muito insegura na própria casa. O percentual encontrado na Capital foi o mesmo. Os estados com maiores percentuais, nesse quesito, foram Rio Grande do Norte, Roraima e Acre, com mais 17% ou mais. Entre as capitais brasileiras, Belém se destaca, com 23% da população relatando sentir-se insegura no domicílio.
Esses dados foram coletados pelo Instituto em 2021, quando a PNAD Contínua levou a campo um módulo especial que resultou no informativo “Vitimização: sensação de segurança 2021”, lançado em dezembro de 2022. No documento mais recente, o Instituto examinou “de forma mais detida” os indicadores relativos à sensação de segurança no próprio domicílio e no bairro onde ele se localiza.
À época, no Ceará, foram entrevistadas 7.331 pessoas, das quais 2.142 responderam ao bloco de segurança da PNAD Contínua. Em Fortaleza, 650 dos 2.207 respondentes concederam informações sobre segurança.
Prejuízos do medo
A doutora em Educação Luciana Quixadá, professora e pesquisadora de Psicologia na Universidade Estadual do Ceará (Uece), analisa que a sensação de insegurança está ligada a 2 fatores principais.
“De fato há uma violência urbana que é real, produzida pelas guerras de facções e por uma segurança pública que deixa a desejar, principalmente em determinados pontos da cidade. Existe também uma sensação de medo produzida por uma violência simbólica, por meio dos diversos meios de comunicação, tanto jornais como redes sociais”, completa.
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Os registros de assaltos e agressões físicas costumam despertar a atenção de todos e os jovens ainda estão formando o pensamento crítico sobre essa realidade urbana. De modo geral, “a gente termina internalizando que determinados territórios são assustadores e temos um medo generalizado como se todo lugar da cidade fosse um lugar de risco”, como observa a professora.
A cidade desde sempre é um lugar de encontros com as diferenças e, por causa dessa insegurança produzida, a gente opta por se abster disso e usamos a cidade só para trânsito de um ponto a outro.
Como resultado dessa dinâmica, há um adoecimento no qual muitos adolescentes sofrem com fobia social e deixam até de frequentar a escola com medo das ameaças urbanas, risco de bullying.
“Estamos caminhando para uma intolerância ao diferente e isso inviabiliza encontros que seriam férteis para a saúde mental”, completa Luciana. Sobre quem não se sente protegido dentro da própria casa, a professora ressalta a importância de repensar a segurança pública.
“O jovem que habita um território extremamente vulnerável se sente inseguro porque a casa pode ser invadida por uma facção ou intervenção policial. É um cenário de guerra”, exemplifica sobre as diversas realidades nas quais a violência entra pela porta.
“Eu acho que a gente tem que pensar em outro fazer segurança pública que não seja discriminatória. Temos de mobilizar políticas públicas que efetivem direitos à segurança alimentar, ao lazer, à moradia, ao trabalho e à garantia de renda”, lista sobre as proposições para mudar o cenário.
SENSAÇÃO DE INSEGURANÇA NO PAÍS
A pesquisa traz ainda mais informações sobre a sensação de insegurança no cenário nacional. Segundo o levantamento realizado pelo IBGE, há variações relevantes nos diferentes grupos sociais. Mulheres, por exemplo, que se sentem mais inseguras em casa e nos bairros do que homens, assim como pessoas pretas ou pardas relataram mais insegurança do que brancos.
Aproximadamente uma em cada oito mulheres pretas ou pardas (13,3%) relatou sentir insegurança em casa e quase uma em cada três (32,3%) declarou se sentir inseguras ou muito inseguras em seu bairro. No polo oposto, cerca de um em cada 13 homens brancos (7,7%) relatou insegurança em casa, enquanto quase um em cada cinco deles (20,9%) apontou essa percepção em relação ao bairro onde residem.
A diferença também é percebida quando se observa os dados segundo o rendimento domiciliar per capita. Entre os 20% mais pobres da população, um em cada sete entrevistados (13,8%) disse se sentir inseguro ou muito inseguro em casa e 29,8% teve essa percepção em relação ao bairro. No grupo de brasileiros com mais renda, por outro lado, os percentuais registrados foram de 6,9% e 25,1%, respectivamente.
VIOLÊNCIA NO CEARÁ
Conforme o Diário do Nordeste noticiou no último 15 de novembro, o maior número de mortes violentas em um só mês no Ceará, ao longo dos últimos dois anos, foi registrado em outubro de 2022. Foram, ao todo, 298 casos do tipo — número que não era tão alto desde outubro de 2021. Por outro lado, o acumulado de homicídios do ano de 2023, até aquele mês, ainda apresentou redução de 2,8% em comparação ao mesmo período de 2022 e de 11,8% em relação a 2021.
Os dados foram divulgados no site da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), ligada à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS). Os 255 homicídios registrados em agosto deste ano eram, até então, o maior número mensal do ano corrente. Já o mês menos violento foi junho, com 211 mortes.
À época da publicação da matéria, a SSPDS informou, em nota, que foi criado o Grupo Integrado de Inteligência e Investigação, composto por equipes das Inteligências da pasta e da Polícia Civil do Ceará, com apoio da inteligência da Polícia Militar, com o objetivo de investigar as ocorrências de homicídios.
Estrutura da violência
Léo Nogueira Batista, doutorando em Sociologia na Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), avalia que alguns bairros convivem com o medo de forma mais recorrente
"Em 2021, as áreas integradas de segurança, 2, 3 e 9 concentraram em torno de quase 50% dos crimes violentos letais e intencionais. Não por acaso, essas áreas estão em regiões mais periféricas de Fortaleza", completa. Nessas áreas estão bairros como Bom Jardim, Conjunto Palmeiras e Parque Santa Rosa.
Com menores índices de desenvolvimento humano, menos acesso a estruturas de urbanização e geração de renda, essas pessoas acabam sofrendo mais com a evolução da violência. Nesse contexto, também é possível observar os recortes de gênero e cor.
"O relatório Pele Alvo mostra 87,35% das pessoas mortas em decorrência de ação policial nos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, em 2022, eram pessoas negras ou pardas", acrescenta o pesquisador, destacando os jovens como os mais afetados.
"No caso das mulheres, a situação é ainda pior, a cada 4 minutos uma mulher agredida por homem no Brasil e a maioria dos casos é na periferia. O Estado está presente, mas não no processo de resolução de conflitos e sim de imposição da força", frisa sobre a situação.
Essa sensação de insegurança que é relatada na pesquisa é fruto dessa percepção cotidiana de lidar com a violência. Temos de levar em consideração que dependendo do local onde e como é vivida a violência, impacta de maneiras diferentes
Para o especialista, o desafio urbano exige esforços de diversas áreas para diminuir não só a percepção, mas a violência de fato nessas localidades.
"Áreas periféricas onde foram construídas Areninhas, por exemplo, têm uma maior movimentação do comércio e das pessoas e essa sensação se dissolve um pouco. Então, o investimento na periferia é de fundamental importância", conclui.
O Diário do Nordeste procurou a Secretaria da Segurança Pública do Ceará solicitando uma entrevista sobre os fatores que geram sensação de insegurança e o que é feito para contornar essa realidade. Contudo, até a publicação desta reportagem, não houve retorno.