Grande Fortaleza tem pior cenário de pobreza em 10 anos; 1,5 milhão vive com até R$ 465 ao mês

Renda da população cearense teve queda significativa, aumentando a desigualdade entre mais ricos e mais pobres na Região Metropolitana da Capital

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Pobreza e desigualdade avançam em Fortaleza
Legenda: Os 10% mais ricos ganham quase 17 vezes mais do que os 40% mais pobres; crianças são um dos grupos mais afetados pela desigualdade
Foto: Fabiane de Paula

A cada esquina onde alguém ergue um cartaz anunciando a própria fome, o avanço da pobreza se concretiza. Os números também atestam: mais de 1,5 milhão de pessoas estão pobres ou extremamente pobres na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), o pior cenário dos últimos 10 anos.

Os dados são do Boletim Desigualdade nas Metrópoles, elaborado pelo Observatório das Metrópoles a partir de números da PNAD Contínua anual, do IBGE, sobre a renda domiciliar per capita total.

Para traçar as linhas de pobreza e extrema pobreza das famílias, o estudo considerou os valores delimitados pelo Banco Mundial: 

  • Pobreza: renda de até R$ 465 per capita, aproximadamente; 
  • Extrema pobreza: renda de até R$ 160 per capita, aproximadamente.

Em Fortaleza, para se ter ideia, a cesta básica atingiu o valor de R$ 641, em julho, o que compra apenas os 12 produtos essenciais à alimentação mensal: arroz, feijão, carne, leite, manteiga, pão, café, açúcar, farinha, óleo, banana e tomate.

Mais de um terço de quem vive na Grande Fortaleza, então, sequer consegue arcar com a comida, já que 37,6% da população amarga algum nível de pobreza – 5,8% dela vivendo no nível mais extremo, conforme o boletim do Observatório das Metrópoles.

Fome é efeito imediato

O avanço da pobreza reflete a diminuição drástica da renda dos cearenses. A renda média familiar em Fortaleza e na Região Metropolitana chegou a R$ 1.234, em 2021, valor menor do que 10 anos atrás. Em 2012, a média era R$ 1.263.

O rendimento médio dos 40% mais pobres na Grande Fortaleza também caiu: em 2012, eram R$ 345 mensais; em 2021, R$ 328. A defasagem impacta o poder de comprar o básico, como alimentação.

A redução de renda atinge a vida de modo geral, viver em grandes cidades requer renda pra ter acesso a bens. Os dados que divulgamos estão em compasso com o aumento da fome: as pessoas passam fome por não ter renda. O efeito imediato é o agravamento da fome e da população em situação de rua.
Marcelo Ribeiro
Pesquisador do Observatório e professor da UFRJ

Marcelo destaca ainda que, a longo prazo, esse atravessamento de tantas pessoas pela pobreza compromete toda uma geração futura. “Nas famílias de baixa renda, as crianças e adolescentes estão sem condições de se alimentar do ponto de vista nutricional ideal, prejudicando toda uma geração.”

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Desemprego é carro-chefe da pobreza

No estudo do Observatório das Metrópoles, todos os indicadores de renda e desigualdade social na Região Metropolitana de Fortaleza pioraram, nos últimos anos. Alguns deles, como renda dos mais pobres, atingiram o pior resultado da década.

O abismo entre classes econômicas também cresceu: em 2021, os 10% mais ricos da Grande Fortaleza ganham, em média, 16,6 vezes mais do que os 40% mais pobres, que estão na base da distribuição de renda.

A situação de crise se arrasta desde 2015, segundo Marcelo Ribeiro, mas foi agravada pela pandemia de Covid, “porque as pessoas precisaram se isolar, a atividade econômica diminuiu e o desemprego cresceu”. É o mercado de trabalho, aliás, o carro-chefe dos problemas.

A situação da pobreza e da desigualdade foi muito amenizada pelo Auxílio Emergencial de R$ 600, mas ele acabou e tudo piorou de novo. Agora, temos o maior nível de pobreza já registrado desde 2012. E isso tem a ver com a baixa recuperação da economia e com o mercado de trabalho.
Marcelo Ribeiro
Pesquisador do Observatório e professor da UFRJ

Outro fator “é a diminuição de políticas públicas sociais focalizadas nas famílias pobres e extremamente pobres, o que gera alta concentração de renda e aumenta a desigualdade”, como complementa Jair Araujo, professor e pesquisador de Economia Agrícola da Universidade Federal do Ceará (UFC).

“Uma política de renda eficaz, focalizada e abrangente, diminui a pobreza. As famílias perderam emprego na pandemia, a inflação fez despencar o poder de compra e as políticas se esvaziaram. É preciso focar nas famílias mais carentes”, analisa Jair.

O que fazer para reduzir a pobreza

Para o pesquisador Marcelo Ribeiro, “uma política eficaz de transferência de renda teria o efeito de tentar reverter essa situação”. Além de garantir algum recurso financeiro às famílias, essa medida deveria impor “condicionalidades para reinserção das pessoas no mercado de trabalho de forma qualificada”.

“Mas não é o que estamos vendo. A política que se impõe não é eficaz, tem data pra acabar, como se a pobreza acabasse no final do ano. Pelo cenário econômico que estamos acompanhando, é insuficiente”, pondera Marcelo.

"É importante ter uma focalização de transferência de renda às pessoas que mais precisam: isso deve ser uma ação imediata, no presente. E não apenas pelos próximos meses, mas pelos próximos 2 anos, pelo menos", pontua.

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Além disso, pontua Marcelo, “é preciso, nesse processo, ir criando mecanismos pra que as pessoas tenham condições de sair dessa situação de pobreza”. 

Ele destaca três providências urgentes: inserção dos adultos no mercado de trabalho, políticas de formação e qualificação profissional, e manter crianças e adolescentes na escola

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