Estudantes cearenses são premiados por plataforma que usa IA para auxiliar diagnóstico médico
Guilherme Barros e Marcos Antônio Vieira cursam Engenharia da Computação na UFC Quixadá e desenvolveram o projeto em apenas quatro dias
Uma plataforma para contribuir com a interiorização do acesso à saúde. Foi com esse incentivo que dois alunos de Engenharia da Computação do Campus de Quixadá da Universidade Federal do Ceará (UFC) começaram a desenvolver o Sinais, projeto premiado na maratona tecnológica Ideathon da Saúde, no Nordeste ON (NEON) 2025.
Guilherme Barros e Marcos Antônio Vieira desenvolveram uma plataforma para contribuir com uma das grandes dificuldades atuais: a falta de profissionais em cidades distantes da Capital. A criação do Sinais buscava diminuir essas distâncias e permitir que o paciente tivesse acesso ao laudo de médicos que pudessem contribuir com o diagnóstico. "Só que com o diferencial, que a gente pensou, de poder colocar Inteligência Artificial na nossa plataforma", explica Guilherme Barros.
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O desenvolvimento de todo o projeto contou com a colaboração de alguns dos mais interessados nessa solução tecnológica, os médicos. Principalmente os do Piauí, estado onde foi sediada a maratona, com quem Guilherme e Marcos Antônio conversaram e de quem surgiu tanto o problema a ser resolvido — ampliar o acesso à Saúde — como a sugestão para aplicação da IA.
"Os próprios médicos sugeriram o exame de ECG, que é um exame timbrado, feito em um papel e que a gente poderia analisar alguns padrões, já que é algo fixo, não mudaria tanto. Porque na medicina você tem que levar muito em conta o subjetivo, mas como o ECG, o eletrocardiograma, é algo mais objetivo, facilitaria nosso trabalho", detalha.
Assim, os dois estudantes da UFC Quixadá fizeram um modelo de machine learning, ou aprendizado de máquina, no qual o algoritmo foi treinado a partir de exames reais de bancos de dados públicos dos Estados Unidos, sendo usadas entre 1 mil e 1,6 mil imagens de laudos de eletrocardiograma com identificação de cinco doenças cardíacas.
Depois desse treinamento, foram feitos os testes. "A gente pegava um exame real, que eu não tinha usado antes para treinar. Por exemplo, de algum médico do Piauí, de ECG, e eu jogava lá para ver se ela conseguia identificar e ela dava o laudo", relata Guilherme Barros. A IA, então, devolvia a probabilidade de doença cardíaca do paciente que realizou aquele exame.
"E a gente obteve uma acurácia, uma precisão de 98%. Então, ela estava acertando o laudo de 98% dos ECG que eu estava mandando para ela", conta. Mas essa proposta de integrar a IA ao diagnóstico vem para auxiliar o trabalho médico, acrescenta o estudante.
"Não é viável a plataforma, a IA em si, substituir o profissional", diz. "Eu imagino que seja um ferramenta para auxiliar o profissional, para ele já chegar no paciente, com algumas possíveis doenças que ele pode ter, a partir da triagem básica. (...) Vem mais para servir de ajuda."
Plataforma robusta
A plataforma Sinais tem como diferencial o uso de Inteligência Artificial, mas não se limita a isso. De acordo com Guilherme, seguindo "pitaco" de diversos profissionais da saúde. "Eles foram dizendo o que é que queriam e acabou virando uma plataforma mais robusta", explica o estudante.
Ao acessar a plataforma, é exibido um painel detalhando os casos mais atendidos, quais os tipos de doença que são mais tratadas ali, o faturamento, entre outros elementos. Além disso, ficam dispostas diversas abas, como paciente — com os dados de quem teve atendimento finalizado e quem ainda está sendo atendido — e um chat, para centralizar as conversas entre os profissionais daquela unidade de saúde.
"E, juntamente com a IA, a gente também tinha outro diferencial que era o possível atendimento externo, o atendimento remoto. Um médico, por exemplo, do interior poderia mandar uns exames para algum médico da capital e ele poderia laudar o exame", explica. "Então, tinha essa espécie de telemedicina também no aplicativo".
"Acabou virando algo muito grande a plataforma e a gente produziu em quatro dias, então não era algo tão funcional, era só mais uma ideação. A gente fez as telas do aplicativo, a gente fez algumas coisas funcionais, como a Inteligência Artificial do eletrocardiograma, e a gente acabou ganhando a premiação".
O projeto Sinais foi premiado com a segunda colocação na maratona tecnológica Ideathon da Saúde. Foram três etapas, que aconteceram desde agosto do ano passado. A primeira delas, ainda em 2024, foi a submissão de ideias de projeto.
Apenas os 15 melhores foram selecionados para participar de um treinamento e aperfeiçoamento das ideias. Essa fase aconteceu no final de maio e apenas 5 foram selecionados para a grande final. A terceira e última etapa da maratona aconteceu no NEON 2025, entre os dias 3 e 4 de julho, em que os 5 projetos selecionados apresentaram a sua ideia para a banca de jurados.
Além de Guilherme e Marcos Antônio, a estudante de Medicina Maria Eduarda Ferro, do Piauí, também integrou a equipe. "Ela era a nossa pesquisadora. (...) Ela quem cuidou para que a gente, da TI, não fizesse além da conta, para que aquilo que a gente tivesse fazendo combinasse com a rotina médica", disse Guilherme.
O professor Wesley Sabino, mestre em Tecnologia e Inovação (UFRN) e docente de administração e sistemas de informação no Campus da UFC em Quixadá, orientou o trabalho, com foco no empreendedorismo e negócios. Foi, segundo ele, uma "lapidação" do talento, da criatividade e da tecnologia dos alunos.
"Eles já vieram com ideias em ebulição, prontas para serem lapidadas. Meu papel foi justamente orquestrar esse processo, ajudar a direcionar esse talento para caminhos mais assertivos, evitando os principais obstáculos e ajudando na criação de modelos de negócio sustentáveis — no sentido de empreendimentos viáveis, e não apenas ambientais", destaca.
A visibilidade do projeto, observa o professor, é fundamental para motivar os estudantes e angariar apoio para a continuidade e aperfeiçoamento do trabalho.
"Essa motivação tem um efeito em cascata: dá um gás em toda a equipe. E quando vem também um reconhecimento financeiro, mesmo que pequeno, tudo acelera. Os estudantes passam a considerar não só o mercado, mas até a carreira acadêmica. Isso é ótimo e muito saudável", pontua Wesley.
O reconhecimento na NEON 2025, então, "reforça o papel da universidade como um verdadeiro polo de ensino, pesquisa e extensão", como avalia o professor.
"E, mais do que isso, como uma instituição conectada com o mercado, com a tecnologia, com a sociedade. É um lembrete de que a universidade precisa estar viva, com incentivos públicos e privados, e que ela é sim um lugar de inovação — inovação em ciência, em tecnologia e em impacto social", finaliza.
Impacto social
Para Guilherme, a premiação é uma "oportunidade" de mostrar o potencial do curso de Engenharia da Computação e do Campus de Quixadá. "A gente consegue mostrar pra sociedade que a gente consegue, aqui na faculdade, entregar, além de um viés técnico, também um viés mais empreendedor, um viés mais social", ressaltou ele.
"Essa parte de interagir mais com o público, de ver e conversar com profissionais de outras áreas, esse papel mais de liderança dentro da faculdade. Eu gosto muito de poder representar o UFC Quixadá nesse viés e eu vejo que o pessoal é muito grato e acha muito maneira essa parte".
Ele diz que houve um apoio, desde o início da competição, dos professores do curso na UFC Quixadá. E agora, com a premiação, o reconhecimento vem até de quem eles não conhecem. "Depois que cheguei aqui, eu me senti muito famoso", brinca. "O pessoal vinha, apertava a mão. De todos os cursos, vários amigos e desconhecidos. O pessoal ficou bastante feliz".
E para o futuro, há ainda um vislumbre de continuar a desenvolver a plataforma Sinais, inclusive para uso em unidades de saúde. "A gente recebeu algumas propostas para dar andamento nessa ideia", afirma. Segundo Guilherme, os médicos que integraram a banca de jurados, da Universidade de São Paulo, trabalham com sistemas parecidos, mas sem Inteligência Artificial.
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"E eu acho totalmente viável essa plataforma, nosso projeto, virar algo maior futuramente, principalmente com investimento. A gente só tinha duas pessoas na equipe e a gente não recebeu nada, fazendo das tripas coração para participar da competição. Com o devido investimento na nossa área e nos profissionais, a gente consegue fazer sim um projeto assim pro mercado e até para pesquisa", considera