Ceará cria 1º plano de evacuação em caso de rompimento de açude

Ação busca preparar órgãos e população para situações de crise ou emergência.

Escrito por
Nícolas Paulino nicolas.paulino@svm.com.br
Vista aérea de uma vasta represa com uma barragem de terra, cercada por vegetação esparsa e paisagem semiárida.
Legenda: Açude Jaburu I tem 42 anos de construção e atende usos no Ceará e no Piauí.
Foto: RASB 2024/Cogerh.

A criação do primeiro Plano de Ação de Emergência (PAE) para uma barragem no Ceará, em caso de rompimento da estrutura, marca um avanço na política de segurança hídrica do Estado e pode servir de modelo para outros reservatórios que ainda não possuem protocolos de evacuação. 

O trabalho foi iniciado pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) na Barragem Jaburu I, localizada entre Ubajara e Tianguá, na Serra da Ibiapaba. Ela foi construída em 1983, tem capacidade de 141 milhões de metros cúbicos e atende oito municípios cearenses.

Na prática, o reservatório atende demandas de usos múltiplos, como abastecimento humano, dessedentação animal, irrigação e indústria, mas também libera água para aplicação no Estado do Piauí.

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Em 2023, a Cogerh passou a contar com consultores do Banco Mundial para estruturar as ações iniciais do PAE, incluindo aerolevantamento da área de risco com drones. O objetivo era mapear a chamada Zona de Autossalvamento (ZAS), verificando a existência de imóveis, núcleos populacionais e acessos vulneráveis.

O estudo constatou que a ZAS tem características de um vale e é utilizada como área turística, sendo uma área não habitada de forma permanente, e possuindo uma população eventual, que utilizam o local principalmente aos finais de semanas.

A paisagem peculiar favorece o ecoturismo em pelo menos três locais de visitação: a Cachoeira do Frade, o Lajeiro e o Pulo do Bebo. Esses locais, assim como a maior parte da trilha de acesso, estão dentro da mancha de inundação da barragem.

Mapa temático mostrando um trecho do Rio Jaburu, localizado no Ceará e Piauí. O curso d’água aparece marcado por uma linha azul, com diversos pontos coloridos distribuídos ao longo dele, indicando presença de pessoas residentes. No canto superior direito há um reservatório desenhado em azul, que é o Açude Jaburu I.
Legenda: Mapa da área de inundação caso o açude Jaburu I se rompesse, indo do Ceará ao Estado vizinho.
Foto: PAE Jaburu/Cogerh.

Por essa oscilação de frequentadores, a Cogerh decidiu concentrar os esforços na Zona de Segurança Secundária (ZSS), onde de fato vivem moradores potencialmente expostos em caso de rompimento.

Por isso, o PAE detalha cenários de inundação, com estimativas de tempo de chegada da água, velocidade e profundidade, permitindo organizar rotas de fuga e prioridades de evacuação.

O planejamento combina diagnóstico técnico, mapeamento social e definição de rotinas de alerta para populações à jusante. O termo se refere às áreas localizadas abaixo da barragem, no caminho natural que a água seguiria em caso de abertura de comportas, vazão extrema ou rompimento.

Segundo a legislação brasileira de segurança de barragens, entre as responsabilidades do empreendedor de barragens, como a Cogerh, está a de envolver, orientar e treinar a população diretamente envolvida em uma situação de emergência da barragem. 

“O PAE é um documento que tem todas as instruções para o empreendedor da barragem, a comunidade no entorno e a Defesa Civil de como atuar em caso de um evento negativo lá na estrutura”, reforça a gerente de Segurança e Infraestrutura da Companhia, Itamara Taveira.

Identificação de áreas de risco

Segundo o Diagnóstico da Região Hidrográfica da Região da Serra da Ibiapaba, publicado em 2021, a Barragem Jaburu I “vem apresentando problemas que põem em risco sua segurança”. 

Entre os anos de 1983 e 2019, diz o documento, foram realizadas sete intervenções de grande porte com o objetivo de reduzir ou controlar fugas de água e “restabelecer a segurança e a operacionalidade do empreendimento”.

Atualmente, o Jaburu I é a única das 89 barragens da Cogerh com classificação de risco “Alta”, segundo o Relatório Anual de Segurança de Barragens (Rasb) 2024, divulgado no fim de novembro.

Por isso, no processo de implementação do PAE, em 2024, a Gerência Regional da Serra da Ibiapaba realizou o cadastramento, treinamento e capacitação dos moradores à jusante. 

Ao todo, foram feitos 204 cadastros, o que permitiu elaborar mapas com a localização de imóveis e a estimativa da população distribuída ao longo da mancha de inundação. Foram identificados 129 imóveis em uso e 75 desocupados, somando 342 residentes. Cerca de 16% deles são idosos ou pessoas com mobilidade reduzida. 

A foto mostra uma queda-d’água alta em meio a um vale estreito em Ubajara, no Ceará, cercado por vegetação nativa típica de clima semiárido de altitude. O rio desce por uma fenda rochosa, formando um poço na parte inferior, onde é possível ver um pequeno grupo de pessoas reunidas sobre uma clareira de pedra. As encostas ao redor têm áreas mais secas misturadas com manchas verdes mais densas.
Legenda: Geografia acidentada do vale onde o Jaburu está inserido pode dificultar ações de evacuação e resgate.
Foto: RASB 2024/Cogerh.

A equipe também encontrou os principais meios de comunicação utilizados pela população, incluindo rádios e redes sociais. Essa informação é necessária para definir o sistema de alerta que será adotado em caso de evacuação.

“A gente está fazendo um alinhamento com a Defesa Civil pra chegar mais próximo na necessidade de uma intervenção. Estamos trabalhando agora justamente na definição do sistema de alerta para aquela estrutura”, explica Itamara Taveira.

Proteção da população

Outro ponto sensível é que, dentro da ZAS, existem locais vulneráveis tão próximos da barragem e com difícil acesso por conta do relevo fortemente acidentado que impediriam a realização da evacuação de emergência ou a chegada rápida de equipes de salvamento.

Ao longo de mais de 10km, a possível mancha de inundação chegaria até a cidade de São João da Fronteira, no Piauí. Por isso, o planejamento também tem participação de autoridades do Estado vizinho.

Para Itamara Taveira, o PAE do Jaburu I inaugura um novo patamar de prevenção ao incluir, de forma sistemática, a proteção das pessoas a partir da configuração específica de cada ambiente.

“Até no Brasil mesmo, de uma forma geral, isso ainda é muito incipiente, mas a gente já está nessa fase de implementação. É um avanço que a gente está dando na gestão de segurança de barragens e principalmente na segurança da população que vive abaixo dessas estruturas”, finaliza.

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