Espécie invasora e venenosa, peixe-leão causa pelo menos 6 acidentes no Ceará em 2025
Dois desses casos foram registrados no município de Itarema, com pescadores que estavam em alto-mar. Os pacientes relataram sintomas como dor no local atingido, inchaço, vermelhidão, febre e mal-estar
Entre os meses de junho e agosto deste ano, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) recebeu seis registros sobre reações adversas causadas por acidentes com o peixe-leão, uma espécie invasora que foi identificada pela primeira vez no Ceará em 2022. O animal tem 18 espinhos espalhados pelo corpo com veneno que, em humanos, pode causar sintomas como dor, inchaço, vermelhidão, manchas na pele, diarreia, náuseas e convulsões.
Dois desses casos ocorreram com pescadores residentes em Itarema, cidade localizada no noroeste do Estado, a 204 km de Fortaleza. Os demais, segundo a Sesa, foram registrados em Icapuí, no litoral leste do Ceará, distante 202 km da Capital.
Conforme a secretaria de saúde de Itarema, ambos os acidentes ocorreram em alto-mar — um no dia 2 de julho e o outro em 14 de agosto — durante atividades de pesca profissional artesanal em áreas afastadas da costa.
Em ofício enviado à reportagem do Diário do Nordeste, a Pasta detalhou que o primeiro pescador que registrou incidente relatou que houve contato com espinhos venenosos do peixe-leão, mas o animal não foi capturado, impossibilitando comprovação direta. “Mas o paciente afirma com convicção que se tratava de um peixe-leão, com base em sua experiência como pescador”.
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O pescador narrou ter sentido dor intensa e imediata no local da picada, edema (inchaço) e eritema (vermelhidão) localizados, febre e mal-estar generalizado nas horas seguintes ao acidente. “No momento do atendimento em unidade de saúde, apresentava dor e edema persistentes, porém sem febre, o que indica possível resolução parcial dos sintomas iniciais”, continua o documento.
Já o segundo pescador teve contato com o peixe-leão durante manuseio de rede de pesca, onde havia um exemplar da espécie em estado de decomposição preso ao equipamento. A picada ocorreu no dedo polegar direito, e ele também não conseguiu capturar o animal para comprovação.
Nesse segundo caso, o paciente apresentou dor localizada e edema leve, sem outros sintomas associados. “O atendimento médico foi realizado no dia 21 de agosto de 2025, após o retorno do paciente do alto-mar, onde permaneceu por vários dias após o acidente”, diz o ofício.
A Pasta ainda destacou que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, em parceria com a Secretaria de Saúde, tem intensificado ações de orientação à comunidade pesqueira sobre os riscos associados à espécie, reforçando medidas de prevenção e protocolos de atendimento em caso de acidentes.
O Diário do Nordeste tentou contato com a secretaria de saúde de Icapuí para solicitar informações sobre os acidentes registrados pelo município, mas não houve retorno.
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Em nota, a Sesa informou, por meio das Células de Vigilância Entomológica e Controle de Vetores (CeVet) e de Vigilância Ambiental e Saúde do Trabalhador (Covat), que acompanha a presença do peixe-leão no litoral cearense e desenvolve ações preventivas junto a pescadores, profissionais da vigilância em saúde e comunidades costeiras.
As iniciativas incluem orientações sobre a biologia da espécie, primeiros socorros em caso de acidentes e a distribuição de material educativo. Em situações de acidente, a Pasta afirma que não há antiveneno específico para a toxina do animal.
“O tratamento é sintomático, e a orientação é que a pessoa procure imediatamente uma unidade de saúde para avaliação e atendimento médico”, recomenda a Sesa.
O que fazer em caso de acidente com peixe-leão?
Em nota técnica publicada em abril de 2022, a Sesa fez uma série de recomendações aos pescadores, à população geral e aos profissionais de saúde sobre como proceder em casos de acidentes com o peixe-leão. Confira abaixo.
Para a população
- Não capture o peixe sem o manejo correto e seguro;
- Em caso de acidente com o animal, submeta a área afetada ao calor: faça a imersão do local afetado em água quente por 30 a 40 minutos, o quanto a pessoa afetada tolerar (entre 40°e 45°C);
- Se não houver água quente, busque manter a área aquecida, pois o calor desnatura as proteínas do veneno, dificultando sua absorção;
- Procure a unidade de saúde mais próxima do local da ocorrência;
- Caso capture o animal, não o devolva para o mar.
- Informe os órgãos competentes ligados ao meio ambiente.
Para pescadores
- Uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI): Se possível, use macacão de pesca impermeável, botas e luvas adequadas para a atividade pesqueira;
- Em caso de acidente durante as atividades laborais, recomenda-se procurar a unidade de saúde mais próxima e comunicar que o acidente ocorreu durante o exercício profissional;
- Caso ocorra uma captura acidental de peixe-leão, o pescador deve ser recomendado a não devolver o indivíduo para o ambiente marinho;
- Informe ao órgão de meio ambiente da sua região mais breve possível, quando encontrar e/ou avistar o animal (peixe-leão);
- Caso ocorra a captura de forma segura, o peixe-leão deve ser mantido refrigerado até a entrega ao órgão competente;
- Realizar atividades para promoção da saúde com orientações para prevenção de acidentes e medidas de primeiros socorros.
Aos profissionais de saúde, a nota técnica orienta que seja prestada assistência médica ao acidentado e que a secretaria de saúde local seja comunicada sobre a ocorrência do acidente o mais breve possível. Além disso, o documento orienta sobre as especificidades da notificação que deve ser realizada no Sistema de Informação de Notificação de Agravos (Sinan).
Por que o avanço do peixe-leão preocupa?
Espécie originária do oceano Indo-Pacífico, o peixe-leão foi identificado no Ceará pela primeira vez em 2022. Existem duas espécies desse animal: a Pterois miles, que se tornou invasora no Mediterrâneo, por meio do Canal de Suez, e a Pterois volitans, que foi introduzida no sul dos Estados Unidos, invadiu o Caribe e chegou ao Brasil.
Uma das estratégias para chegar tão longe é a reprodução. Uma fêmea pode liberar mais de 2 milhões de ovos por ano, sendo entre 15.000 e 30.000 em cada evento de desova.
“Depois de 36 horas, os ovos eclodem em larvas com tamanho inferior a 2 cm, que são dispersas pelas correntes oceânicas por 20 a 40 dias”, explica o doutor em Biologia Marinha Tommaso Giarrizzo, professor visitante sênior do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC),
“Essa característica (...) garante que as larvas desses peixes possam alcançar locais bastante afastados de onde ocorreu a desova. Isso é um aspecto extremamente negativo para controlar o tamanho da população, porque se os adultos ficam em locais mais profundos, por exemplo, não há como capturar os peixes pequenos que estão próximos do nosso litoral”, destaca o docente, acrescentando que a espécie pode chegar a viver 15 anos.
Por se reproduzir rapidamente e não ter predadores naturais, ele tem se espalhado pelo litoral brasileiro e chama atenção de pesquisadores pelo potencial para causar diversos tipos de danos, incluindo riscos ao equilíbrio do ecossistema marinho e à saúde humana.
O Labomar tem feito uma série de pesquisas com o peixe-leão. Um dos objetivos é investigar quais espécies estão sendo devoradas por ele, a partir da análise estomacal dos exemplares coletados para estudo.
Os resultados ainda não estão disponíveis, mas a estimativa é de que pelo menos 29 espécies de peixes no Brasil são afetadas pelo invasor, explica o doutor em Geociências Marcelo Soares, professor do Labomar.
Com isso, o avanço do peixe-leão precisa ser controlado, e uma das estratégias adotadas para esse controle é a promoção do consumo humano. “No Caribe, por exemplo, existem festivais de gastronomia com peixe-leão”, exemplifica Giarrizzo.
Porém, outras pesquisas do Labomar mostram que se deve ter cuidado com possível contaminação dos peixes antes de promover esse tipo de controle. Uma delas analisou 50 peixes-leões encontrados no litoral cearense e teve os resultados publicados na revista científica “Exposure and Health”, no último mês de fevereiro.
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Esse estudo aponta que foram encontrados 19 elementos químicos nos animais, entre eles alguns que podem ser nocivos ao ser humano, como arsênio, chumbo e mercúrio. Foram analisadas espécimes capturadas em localidades com maiores ocorrências, como Bitupitá — na cidade de Barroquinha —, Camocim, Jijoca de Jericoacoara, Cruz, Acaraú e Itarema, incluindo o estuário Timonha-Ubatuba, o Rio Coreaú e o Rio Acaraú.
A presença dos elementos foi investigada em animais que vivem em diferentes tipos de ambientes — fundos não consolidados (como mangues), recifes naturais e recifes artificiais. Entre os resultados do estudo está a variação da presença desses elementos químicos de acordo com o habitat onde vivia o peixe-leão analisado.
Aqueles capturados em ambientes de recifes naturais, por exemplo, tinham maior concentração de mercúrio, enquanto os que foram encontrados em recifes artificiais acumulavam mais chumbo.