Do estresse à solidão, saiba como enfrentar a ‘dezembrite’ durante as celebrações de fim de ano

Entenda o termo e quais são os sintomas associados ao efeito prejudicial à saúde mental no período

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Legenda: Encontros de famílias podem ser desafiadores nesse período
Foto: Shutterstock

Estar desanimado para a ceia de Natal ou os encontros do Réveillon aflige cearenses com sintomas da “dezembrite” – uma expressão popular para uma síndrome definida por irritação, estresse, cansaço, dentre outros. Em meio à exaustão acumulada durante o ano, lidar com as frustrações e as cobranças externas exige cuidados com a saúde mental.

Dezembrite é um termo criado pela junção de “dezembro” com o “ite”, sufixo comum às inflamações, mas não é um diagnóstico descrito nos manuais médicos como a Classificação Internacional de Doenças (CID), apesar de ser algo percebido entre grupos diferentes.

Esse fenômeno, inclusive, aumenta a demanda por assistência nos serviços de saúde mental. Contudo, é preciso lembrar que o acompanhamento profissional, o acolhimento e dar menos importância para as exigências podem aliviar o sofrimento no período.

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“Existe um simbolismo, final de ano, início de outro, ciclos que encerram e outros que iniciam. Isso pode gerar incertezas e algumas pessoas têm mais dificuldade para lidar com isso”, resume Luísa Weber Bisol, professora de Medicina Clínica na Universidade Federal do Ceará (UFC).

Entre as pessoas com transtornos mentais graves, a dezembrite surge como um problema mais delicado pelo potencial de risco. A especialista destaca um sintoma.

“Solidão é um sentimento que é reflexo de isolamento social, estigma, depressão grave que causa sofrimento significativo e que pode exacerbar nessa época do ano em que tradicionalmente as famílias se reúnem”, detalha Luísa.

Solidão, mulher sozinha
Legenda: Conforme especialista ouvida pela reportagem, a solidão é um sentimento que é reflexo de isolamento social, estigma, depressão grave que causa sofrimento significativo e que pode exacerbar nessa época do ano em que tradicionalmente as famílias se reúnem.
Foto: Pexels

A psicóloga clínica Cecília Alves, mestre em Psicologia, escuta mais relatos no cotidiano de atendimentos – que inclusive aumentaram neste mês – de pessoas que não montaram árvores como sinônimo do desânimo com o período.

“Eu imagino que esse termo tenha ficado mais difundido por um sintoma social das pessoas se queixando de coisas parecidas, como não sentir alegria com as festas de fim de ano, uma melancolia, cansaço grande e desmotivação”, completa.

A sensação do fim de um período e o momento para “balanço” no qual as metas não saíram como planejado elevam esse mal-estar. 

A digital creator Julianny Vieira, de 31 anos, sempre sente uma melancolia durante o mês de dezembro e percebe um cansaço coletivo entre as pessoas com quem convive.

"Dezembro me traz uma sensação de fim de temporada, fico triste. Não sou muito fã de Natal, em específico, mas estou fazendo de tudo para ressignificar esse ano. E acredito que tem dado certo porque já me sinto melhor que nos outros anos", considera.

Julianny, no entanto, tem uma boa relação com os encontros familiares. "Sempre busco me fazer presente e também sinto a extrema necessidade da troca que esses encontros têm. Eles são essenciais pra dar aquelas 'férias' pro cérebro, de tanto pensar em trabalho, vida e futuro", acrescenta.

Faço terapia semanalmente há 3 anos e meio e é simplesmente tudo pra mim. Hoje me conheço e me entendo. Então, quando tenho crises, sei como lidar melhor. Além da terapia, gosto de fazer coisas leves que eu amo, como andar de bike, dançar e assistir ao pôr do sol. Acalmam e trazem vida.
Julianny Vieira
Digital creator

Esse descanso vem no contexto em que Julianny não consegue parar devido às demandas de trabalho e, por isso, reconhece a importância do cuidado com a saúde física e mental. "Sempre que eu sinto que estou me perdendo de mim, busco me reconectar, seja com terapia, indo pra natureza, escutando músicas, conversando com amigos", conclui.

Encontros familiares

O momento de celebração, em teoria, causa desconforto e algumas vezes até desentendimentos familiares com os comentários trocados. As frases já viraram até piadas: “você está namorando?”, “quando vai terminar a faculdade?”, “teu primo conseguiu um emprego ótimo!”.

“Nossa família tem um poder de influência muito grande, quanto maior o grau de intimidade, maior a influência que essa pessoa tem na nossa vida. Se já tenho minhas cobranças e insatisfações, ao reunir com os familiares, vemos que algumas pessoas carecem de uma conduta social adequada”, observa Cecília.

Falta um pouco de civilidade, são nessas reuniões que muitas vezes um parente que não sabe de você se sente na liberdade de questionar suas decisões de vida
Cecília Alves
Psicóloga clínica

Cecília, inclusive, reflete sobre o significado de sucesso. “O sucesso é um processo de vida e essas reuniões de ano novo poderiam ser para celebrar os encontros e as histórias. Falta muito o pensar sobre o papel nos encontros”, pontua sobre a conduta de alguns familiares.

As especialistas consultadas pela reportagem citaram os seguintes sinais e sintomas relacionados à dezembrite:

  • Sono desregulado
  • Alimentação desequilibrada
  • Negligência de práticas saudáveis (como exercício físico)
  • Impaciência com as pessoas
  • Irritabilidade de um modo geral
  • Solidão

Cecília teve um aumento na procura por atendimento nas vésperas do Natal e na chegada de pacientes novos. Isso é incomum na minha trajetória, tanto de novas pessoas quanto das que evitam desmarcar por causa dos encontros com parentes”, observa.

Como se proteger

A chamada dezembrite é um fenômeno social, ou seja, grupos de diferentes idades e classes são afetadas por essa angústia. A psicóloga lembra da necessidade de analisar as expectativas e rever o significado da data.

“Temos que entender que somos nós quem atribuímos sentido às coisas, tem pessoas que não vão ter ceia de Natal e não importa a data em si, mas como estou me relacionando com isso”, pondera Cecília.

Por isso, planejar o dia com a família ou sozinho pode ser um passo inicial para manter o bem-estar. 

Luísa Bisol acrescenta a relevância da postura acolhedora e das campanhas sobre saúde mental. “Tentar promover a inclusão das pessoas com transtorno mental em oposição à exclusão e exercitar a tolerância é fundamental. Algumas pessoas com transtorno mentais tem suas peculiaridades e cabe a nós como sociedade tentar acolher”, frisa.

“Sobre os aspectos do cansaço e da tristeza, precisamos pensar ao longo do ano no que fazer para o próximo período, porque qualquer coisa que a gente diga agora vai ser um paliativo”, reflete Cecília. Antes de concluir, o conselho de Cecília: “chega de notícia ruim, de rede social, é bom isolar um pouco”.

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