De bebês a idosas: hospitais do CE notificam à Polícia 9 mil casos de mulheres vítimas de violência
Os registros são do ano de 2021 e o repasse às autoridades de segurança cumpre uma portaria do Ministério da Saúde. As vítimas são de todas as regiões do Ceará e têm idades variadas
Violências. Muitas. Física, psicológica, sexual, abandono, dentre tantas outras, sofridas por mulheres. No Ceará, cumprindo a exigência de uma portaria do Ministério da Saúde, de janeiro de 2021, equipamentos de saúde públicos e privados, como hospitais, unidades de pronto atendimento e postos, informaram à polícia, no ano passado, 9.132 notificações sobre mulheres que sofreram algum tipo de violência e foram atendidas nesses locais.
As notificações, cuja elaboração é obrigatória, conforme a Portaria 78/2021, de 18 de janeiro de 2021, apontam que as vítimas atendidas nos serviços de saúde do Estado têm idades variadas: vão de crianças com menos de 1 ano a idosas com mais de 80 anos.
Vítimas de violações diversas que englobam negligências, agressões, tortura e até tráfico de seres humanos.
Conforme os dados da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), o maior número de notificações refere-se às mulheres de 20 a 29 anos, com 1.870 registros, seguidas por adolescentes e jovens de 15 a 19 anos, com 1.621 ocorrências.
Desde 2003 a notificação dos casos de violência contra a mulher atendidas nos serviços de saúde é obrigatória no Brasil. Em março de 2020, entrou em vigor a Lei Federal 13.931, que altera a legislação anterior e estabelece que nos casos em que há indícios ou confirmação da violência as autoridades policiais devem ser obrigatoriamente comunicadas em 24h.
A portaria do Ministério da Saúde de janeiro de 2021 trouxe detalhes de como essa notificação deve ser feita. Nos casos em que não é possível a comunicação da própria unidade em 24h, a secretaria de saúde estadual fica responsável pelo repasse em 24h após a consolidação semanal da base de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde.
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A vítima é identificada na notificação?
Quando a obrigatoriedade de comunicação à Polícia sobre notificações dos casos atendidos nos serviços de saúde entrou em vigor, discussões foram levantadas sobre a possível exposição da vítima e a quebra do sigilo médico.
Mas, a portaria do Ministério da Saúde prevê que apenas nas situações em que há riscos para as mulheres ou familiares é que as identidades devem ser repassadas à polícia.
Segundo a norma, há duas formas de comunicação às autoridades policiais:
- Forma geral: comunicação sintética e consolidada, não contendo dados que identifiquem a vítima e o profissional de saúde notificador. Nesse caso são informados: o município, a idade, a raça/cor, o bairro da vítima (exclusivamente para municípios com população acima de 100 mil habitantes), o local de ocorrência da violência, o tipo de violência, o meio da agressão, se é violência de repetição, o sexo do provável autor da violência e vínculo entre vítima e agressor;
- Em caráter excepcional: repasse com identificação da vítima da violência, se houver risco à vítima ou aos familiares. Nesse caso, deve haver conhecimento prévio da vítima ou do seu responsável. Nessas situações, são repassadas as informações já mencionadas, e o nome da vítima, endereço completo, a descrição objetiva dos fatos relatados pela vítima e as considerações complementares da equipe de saúde.
A avaliação sobre quando é necessário identificar a vítima por haver uma situação de risco, explica a médica ginecologista e assessora técnica da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), Débora Britto, considera a situação específica de cada caso.
“O objetivo desta comunicação é determinar as características das situações de violência e estabelecer as medidas prioritárias. É importante compreender que diante de uma violência, cada caso precisa ser avaliado e acolhido a partir de suas especificidades. Por exemplo, se você atendeu uma mulher adulta, cabe realizar a notificação e orientá-la sobre a possibilidade de registrar um boletim de ocorrência e a importância dessa atitude, mas é ela quem decide se vai denunciar à polícia”.
Mas, pondera ela, o profissional atendeu uma criança, um adolescente ou um idoso, além de notificar, é obrigatório “comunicar ao Conselho Tutelar ou ao Conselho do Idoso pois outros procedimentos podem ser necessários”.
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Objetivo é enfrentar a violência
Débora também detalha que “a notificação não é denúncia policial". Ela explica que a ficha de notificação é sigilosa.
"O seu objetivo é subsidiar ações de prevenção e enfrentamento da violência, bem como a implementação de políticas públicas. Essa confusão de conceitos, que também existe entre os profissionais de saúde, tem a ver com o entendimento do fenômeno da violência, que, muitas vezes, é visto como algo externo à área da saúde”, pondera.
De acordo com a médica, infelizmente, essa crença, “faz com que exista uma busca ainda pequena por cuidado em saúde” e, com isso, contribui para que as vítimas sigam “sem receber atenção e cuidados de saúde multiprofissionais necessários para a superação do evento e recuperação emocional e física”.
Ela acrescenta que para garantir ações de combate à violência é fundamental que as ocorrência sejam notificadas. Nos atendimentos, reforça, é preciso que as equipes estejam atentas aos relatos ou indícios de violência, seja pela história clínica ou pelo exame físico.
Qual profissional faz a notificação?
Débora esclarece que “qualquer um dos profissionais de saúde pode fazer a notificação”. Mas, argumenta: “o que ocorre, muitas vezes, é que institucionalmente os equipamentos de saúde mais atentos a essa política constroem protocolos internos para criar um fluxo que garanta essas notificações com bom padrão de qualidade da informação”.
Ela destaca ainda que assim como trabalhadores da saúde, “profissionais de outros setores como a educação, a assistência social, os conselhos tutelares e/ou centros especializados de atendimento à mulher, entre outros, também podem notificar”.
Portanto, toda Unidade de saúde que atender mulheres agredidas deve notificar a agressão em uma ficha do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
Como os dados chegam à Polícia?
No Ceará, a comunicação às autoridades policiais, segundo a Sesa, é feita pela própria pasta, por meio da Célula de Vigilância Epidemiológica e o GT de Causas Externas. Toda semana, diz a Sesa, é enviado à Coordenadoria Integrada de Planejamento Operacional (COPOL) da Secretaria de Segurança Pública e Desenvolvimento Social (SSPDS) um consolidado das notificações de violência contra a mulher no Estado.
O Diário do Nordeste entrou em contato com a SSPDS na última sexta-feira (18) e questionou o que foi feito após a comunicação oficial da Sesa sobre as 9.132 notificações nas unidades de saúde sobre atendimento de mulheres que sofreram violência.
A pasta também foi indagada se, em casos de grave risco para a vítima e família (como ferimentos com arma de fogo, arma branca, sinais de tortura), a Copol foi acionada para que os demais órgãos da SSPDS adotassem alguma medida de urgência. Além disso, foi questionada sobre como é o procedimento nesses casos.
Após a publicação desta matéria, a SSPDS informou, em nota, que os dados enviados pela Sesa para a Copol "estão sendo encaminhados à Gerência de Estatística e Geoprocessamento da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública para que possam entrar na base de dados". As informações, explica, têm dados quantitativos, preservando, por exemplo, os nomes das vítimas.
Em relação aos casos de grave risco a vítima e família, a SSPDS diz "a Copol encaminhou uma lista com os contatos das delegacias da Polícia Civil do Estado do Ceará para a Sesa. Dessa forma, cada unidade de saúde mantém contato com as delegacias o mais rápido possível, sem a necessidade de intermediação, e comunica os casos de violência".
Gargalos no processo
A enfermeira, especialista em Saúde Pública e gerente de projetos da Diretoria de Educação e Extensão da Escola de Saúde Pública do Ceará, Patrícia Vieira, avalia que a notificação “é uma forma de cuidado em relação à mulher que já está fragilizada”.
Na prática, defende ela, a ação “melhora a qualidade do serviço de atendimento a essa mulher e melhora também os sistemas de informação que conseguem quantificar os agravos que estão acontecendo e, principalmente, com base nessas notificações, consegue traçar ações específicas para a prevenção do agravo”.
Mas, no percurso, analisa a enfermeira, a principal fragilidade é que “os profissionais de saúde não têm treinamento”. De acordo com ela, muitas vezes a porta de entrada de atendimento da mulher vítima de violência é uma unidade básica de saúde, um pronto socorro, porém os profissionais não estão preparados para reconhecer essa vítima.
“Isso porque ele (profissional) geralmente acredita que os sinais que essa mulher apresenta são físicos e, na verdade, não são. Isso está no escopo do trabalho da saúde. Reconhecer a violência e conseguir ter esse manejo”.
Para alterar essa realidade, projeta, é necessário investir na ampla e contínua capacidade das equipes de saúde.
Onde denunciar violência contra a mulher?
Mulheres vítimas de violência podem procurar distritos policiais e delegacias especializadas, e a rede assistencial das cidades, do Estado e Governo Federal.
Disque 180
O Disque 180 é o telefone de atendimento à mulher do Governo Federal. Os casos são encaminhados aos órgãos competentes.
Casa da Mulher Brasileira
Horário de atendimento: 24 horas por dia
(85) 3108-2968
Rua Teles de Sousa, s/n – Couto Fernandes.
Delegacias de Defesa da Mulher
Fortaleza
(85) 3108-2950
Rua Teles de Sousa, s/n – Couto Fernandes.
Pacatuba
(85) 3384-5820
Av. Marginal Nordeste, sn – Conj. Jereissati 3.
Caucaia
(85) 3101-7926
Rua Porcina Leite, 113 – Parque Soledade.
Maracanaú
(85) 3371-7835
Av. Padre José Holanda do Vale, 1961 – Cagado.
Crato
(88) 3102-1250
Rua Cel. Segundo, 216 – Centro.
Iguatu
(88) 3581-9454
Av. Monsenhor Coelho – São Sebastião.
Juazeiro do Norte
(88) 3102-1102
Rua das Flores, s/n – Santa Tereza.
Icó
(88) 3101-7922
Rua Padre José Alves de , 963 – Novo Centro.
Sobral
(88) 3101-7919
Av. Lúcia Sabóia, 358 – Centro.
Quixadá
(88) 3101-7918
Rua Vicente Albano de Sousa, 2072 – Jardim Monólitos.