Como uma favela do Ceará ensina sobre combater a pobreza e gerar oportunidades

Por meio de esporte e cultura, comunidade do bairro Vila Velha constrói alicerce para cidadania nas novas gerações

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Favela do Inferninho, no bairro Vila Velha, em Fortaleza
Legenda: Vista aérea da Favela do Inferninho, no bairro Vila Velha, em Fortaleza
Foto: Reprodução/Instituto Pensando Bem

Era um beco sujo, com paredes em tijolos crus e escurecidos por infiltrações; repleto de mato, entulho e esquecimento. Um não-lugar atravessando o centro de uma comunidade da periferia de Fortaleza – a favela do Inferninho.

Mesmo nascido e criado lá, Rutenio Florencio, 23, não se deixou ter um olhar conformado. Mirou o abandono, viu oportunidade e encabeçou um movimento junto aos outros moradores para reformar e transformar aquele espaço.

Limpo, iluminado, com paredes estampadas de arte urbana e todo os cantos ocupados por gente, brotou, no meio do Inferninho, o Beco Céu.

Para falar de como transformou uma viela estreita em lugar de impactos de larga escala, Rutenio é um dos participantes do painel “Favela 3D – Mandando a pobreza para o Museu”, que integra a programação do segundo dia do Conexão ODS. 

O evento, iniciado nessa quinta-feira (18) em Fortaleza, promove debates sobre questões sociais, ambientais e de governança nas empresas. As atividades seguem até sábado (21), com objetivo de dar visibilidade aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, a Organização das Nações Unidas.

‘O Beco Céu é nosso sonho’

A Favela do Inferninho fica no bairro Vila Velha, uma das regiões periféricas de Fortaleza mais castigadas pela desigualdade social. “Sempre foi marginalizada, tanto pelo nome pesado como pelo contexto. Mas a desigualdade social é combatida com oportunidade, sou fruto disso”, inicia Rutenio. 

Sob a máxima de “ser ponte” para transformar esse cenário, então, o jovem criou, na garagem de casa, o Instituto Pensando Bem – que atende, hoje, mais de 400 famílias.

“A mãe da criatividade é a escassez, não tínhamos recursos. Depois, encontramos o beco na favela e começamos o processo de limpeza, junto com os moradores. Lá havia casas que conseguimos adquirir por pequenos valores, e hoje são salas de aula”, relembra.

Hoje, o Beco Céu é um hub de inovação com vários espaços: base educacional, laboratório de informática, brinquedoteca e até cozinha.

Aliás, o beco em si é uma sala de aula onde são ensinadas artes marciais e outros esportes, como frisa o líder comunitário. “Hoje o Beco Céu é nosso coração, onde pulsa a transformação e todo o investimento que fazemos na vida das pessoas. É uma referência para a comunidade de um local que é desenvolvido. E ele é só o primeiro”, sonha Rutenio.

Após uma pesquisa entre os moradores para entender as maiores necessidades da comunidade, o Pensando Bem passou a agir “em várias frentes”, com atividades e projetos sociais gratuitos de cultura, esporte e empreendedorismo.

Construir pontes

Legenda: Artes marciais e esportes ocupam o Beco Céu
Foto: Reprodução/Instituto Pensando Bem

Para fazer “as soluções rodarem”, como ilustra Rutenio, a comunidade conta com a ajuda de empresas parceiras – o que é um dos maiores desafios. “Nossa grande barreira fora da favela é conseguir quem acredite no nosso propósito e invista nele”, reforça.

As sementes também precisam ser constantemente regadas dentro do próprio Inferninho, ocupado por gerações que nasceram e cresceram convivendo com a ausência.

A favela tem 70 anos, e há um ciclo que absorve quem tá lá dentro. Nos preocupamos em acompanhar com psicólogos e assistentes sociais pra eles entenderem que tem como evoluir, tem como mudar. O desafio é implantar uma nova cultura.
Rutenio Florencio
Líder comunitário e fundador do Inst. Pensando Bem

Há frutos, porém, que já brotaram. “O esporte é nossa isca, nosso carro-chefe. Perdi um amigo pelo crime, há alguns anos, e hoje amigos e irmãos dele estão indo pro caminho do esporte, da competição. São medalhistas”, orgulha-se Rutenio.

Os resultados do investimento em oportunidades para “mandar a pobreza ao museu” também alcança quem, aos olhos de muitos, já “não tinha mais jeito”. 

“Tem uma moradora que toda a memória que eu tenho dela, de quando eu era criança, era de uma pessoa em drogadição. Com nosso apoio, ela conseguiu dar a volta por cima. Hoje, ela é uma grande empreendedora da favela, sem vício e se sustentando do próprio esforço”, conta o jovem.

O desemprego e a falta da geração de renda são, hoje, uma grande problemática na comunidade, como elege Rutenio.

Com a missão de "zerar a fila de desemprego na Favela do Inferninho", a ONG Gerando Falcões, em parceria com o Instituto Pensando Bem, lançou o Pacto pela Empregabilidade, que vai reunir empresas, parceiros e setor público em busca do objetivo.

Programação do Conexão ODS em Fortaleza

2º dia | Sexta feira – 20/10

  • 08h30: Concentração e Visitas às Comunidades
  • 14h30: Favela 3D – Mandando a pobreza para o Museu
    Convidados: Aline Ferreira, Vice presidente Comercial e Financeira do Grupo Aço Cearense; Eduardo Lyra, Fundador e CEO da Gerando Falcões; Rutenio Florencio, Gestor e Fundador do Instituto Pensando Bem e Idealizador do Beco do Céu.
  • 15h00: Ética e Integridade na Agenda ESG
    Moderação: Tayná Leite, Gerente Sênior de Direitos Humanos e Trabalho do Pacto Global da ONU no Brasil
    Convidados: Chantal Castro, Gerente Plataforma Ação contra Corrupção Pacto Global; Roberto Medeiros, Superintendente de Compliance da Neoenergia; Juliana Ferraz Breno, Regional Compliance Officer, South America da Schneider Electric; Carolina de Souza Andrade Santos Pecorari, Gerente executiva de sustentabilidade e ESG da Ultragaz
  • 15h50: Rede Muda Meu Mundo - O Poder da Conexão
    Convidados: Fábio Silva - CEO da Rede Muda Mundo
  • 16h: Economia Regenerativa
    Convidados: Heerad Sabeti - Cofundador e CEO, The Fourth Sector Group
  • 16h30: Key Note Speaker: Oportunidades para Inovação e construção do futuro saudável
  • 17h00: Justiça Climática - Raça e Gênero na Agenda 2030 
    Moderação: Denise Hills
    Convidados: Cacica Irê, Primeira secretária povos indígenas do da história do Ceará; Flavia Bellaguarda, Fundadora do Laclima; Moara Morasche, Analista Ambiental da Eletrobras
  • 18h00: Key Note Speaker: Empresas e Impacto Positivo: como impulsionar uma agenda de inovação social?
    Convidados: Bia Fiuza, Coordenadora da Coalizão pelo Impacto em Fortaleza; Beatriz Gerdau, Diretora do Instituto Helda Gerdau; Rubens Ometto, presidente do Conselho do Grupo Cosan
  • 18h30: Apresentação EDISCA
  • 19h: Pocket Show Jorge Vercillo
  • 19h30: Roda de Samba de Mulheres - Borogodó

3º dia | Sábado – 21/10

  • 08h55: Abertura Rezo Cacique
  • 09h00: Movimento +Água
    Moderação: Beatrice Kassar do Valle
    Convidados: Águeda Muniz, Diretora de Relações Institucionais Ambiental Ceará Aegea; Rodrigo Brito, Head de Sustentabilidade Cone Sul da Coca-Cola; Arthur Ferraz Ribeiro Junior, Head de Relações Externas da Solar Coca- Cola
  • 09h50: Blue Keepers – Oceanos
    Convidados: Rubens Filho - Gerente de Água, Pacto Global da ONU no Brasil; 
  • 10h00: Investimentos de Impacto
    Convidados: Marcos Pedote, Co fundador e Diretor Executivo da Trê Investindo com Causa; Francisco Vicente, diretor de investimentos da Yunus Negócios Sociais Brasil; Marina Feffer, Fundadora do Generation Pledge; e Ana Sarkovas, Cofundadora da Ecoa Capital e Conselheira do Sistema B Brasil
  • 11h30: Key Note Speaker
  • 12h: Key Note Speaker: Caminhos para o Brasil dos Três Zeros
    Convidados: Prof. Muhammad Yunus, Nobel da Paz e criador do microcrédito; 
  • 12h30: Pitches Desafio Inovação com Impacto
    Convidados: Preto Zezé, presidente da Central Única das Favelas (CUFA)
  • 13h30: Mesa de Avaliação / Premiação Desafio Inovação com Impacto/ Encerramento
  • 14h: Pocket Show Waldonys + Orquestra Sanfônica da Unifor

(*) Programação sujeita a alterações

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