Chuva já causou 5 mortes, desabamentos e enchentes em cidades do CE; entenda como deve ser prevenção

Enfrentamento do problema requer planos de zoneamento e vigilância de áreas de risco

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Acúmulo de água e cheias podem danificar residências, além de prejudicar sistema de transportes
Foto: Fabiane de Paula

Pelo menos cinco pessoas morreram no Ceará por problemas causados pela chuva, em fevereiro. Além dos óbitos, o grande volume de água acumulado no mês, cuja média já foi superada, de acordo com a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), provocou alagamentos e desabamentos e trouxe à tona a necessidade de planejamento das cidades para eventos climáticos extremos. 

Nas últimas duas semanas, durante chuvas intensas, um homem morreu na queda de um duplex no Cais do Porto, e Maria Salete Braga da Silva foi esmagada por um muro no Conjunto Ceará - ambos em Fortaleza. No Crato, Antônio Rafael Santos Pinheiro, de apenas 4 anos, faleceu após ser atingido pela queda de um toldo. Além disso, a cantora de forró Marcinha Sousa e seu marido, conhecido como Ivan da Van, morreram afogados enquanto tentavam atravessar uma passagem molhada sobre um rio, na cidade de Jardim. 

Só em Fortaleza, até a última terça-feira (27), a Defesa Civil Municipal registrou 438 ocorrências, as mais frequentes por riscos de desabamentos, desabamentos, alagamentos e inundações. Até o momento, 25 famílias precisaram ser realocadas de suas residências e encaminhadas para aluguel social. Outras deverão ser incluídas “de acordo com a necessidade”.

O órgão já distribuiu 107 cestas básicas, além de mantas, redes e colchonetes. A Defesa Civil informou ainda que os impactos das chuvas na Capital são monitorados 24 horas por dia, em áreas críticas, por meio da Central de Operações Integradas (COI). “Outras ações como a limpeza de recursos hídricos e bocas de lobo também estão sendo adotadas”, completa.

Veja também

As cheias de corpos hídricos podem atingir tanto o meio urbano como o rural, como destaca Francisco de Assis Souza Filho, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Cientista Chefe de Recursos Hídricos do Ceará.

No meio rural, elas podem destruir infraestruturas como pontes e barragens e impactar o sistema de transportes. No meio urbano, adentrar as residências. Nos dois espaços, podem ceifar vidas. 

“É necessário que nós tenhamos um processo de gestão do risco associado a eventos extremos de cheias. Esse risco, para ser adequadamente gerenciado, vai requerer primeiro o planejamento e, segundo, a implementação de medidas estruturais e medidas não estruturais”, explica o especialista. 

Para ele, é preciso mapear diferentes áreas de inundação, seja onde há maior frequência como onde são esporádicas, mas também sujeitas a impactos severos. Cada uma deve ter zoneamentos bem delimitados e planos de ação “para proteger populações que venham ocupar uma dessas zonas”.

Em Fortaleza, atualmente, há 64 áreas de risco, segundo o titular da Secretaria Municipal de Segurança Cidadã (Sesec), o coronel Eduardo Holanda. Até 2022, a Prefeitura trabalhava com o número de 89, mas a quantidade foi reduzida com a adequação e requalificação de alguns pontos. “Nessa quadra chuvosa, a gente também vai tirar mais alguns pontos”, promete ele. 

Fortalecimento da rede

Nos meses de janeiro e fevereiro, a Defesa Civil do Estado, vinculada ao Corpo de Bombeiros, realizou visitas a quase 100 municípios para fazer recomendações de medidas preventivas, sobretudo naqueles afetados na quadra chuvosa passada. Para o coordenador adjunto do órgão, capitão André Sousa, é preciso criar uma cultura de "percepção de risco" na população.

É essencial que a Defesa Civil esteja presente na comunidade para fortalecer a percepção de risco e desenvolver mecanismos de autoproteção. Um transeunte pode não saber que estacionou em um local que pode alagar e ter correnteza, ou não saber que a residência apresenta algum problema estrutural, como trincas nas paredes ou afundamento do solo.
Capitão André Sousa
Coordenador adjunto da Cedec

Segundo o coordenador, as gestões municipais precisam fortalecer o sistema de proteção civil para darem respostas à altura de possíveis desastres. Em complemento, a Coordenadoria Estadual segue disparando alertas com base em avisos meteorológicos de possíveis eventos extremos para que os agentes locais preparem ações práticas. Em casos mais graves, também vai a campo com ajuda humanitária, incluindo distribuição de redes, lonas e cestas básicas.

Sistema de escoamento

Neste mês, Fortaleza chegou a receber chuvas de mais de 200 milímetros. Com tanta água ao mesmo tempo, o sistema de drenagem da capital é posto à prova. Segundo o professor Francisco de Assis, as cidades precisam contar com medidas estruturais de resposta às enchentes, seja através da construção de reservatórios que minimizem o impacto das cheias ou de melhorias no sistema de escoamento. 

Situação das casas desabadas em Fortaleza
Legenda: Situação de uma das casas após o desabamento no Cais do Porto
Foto: Reprodução/Leábem Monteiro

Reservatórios de controle de inundações, por exemplo, são projetados para acumular temporariamente as águas pluviais e amortecer as vazões de cheias, reduzindo os riscos para o entorno. Um exemplo, cita ele, é o próprio açude Castanhão, “que reduziu significativamente as inundações no baixo Vale de Jaguaribe após a construção”.

Outras infraestruturas que ajudam no controle de cheias nas cidades são as redes de macrodrenagem e microdrenagem. A macrodrenagem tenta controlar e transportar a água “o mais rapidamente possível” dos rios e dos sistemas de maior vazão para a posição logo após a cidade. Já a microdrenagem opera como coletora da água das ruas para levar ao sistema de macrodrenagem. 

Impactos na população

O coronel Eduardo Holanda afirma que a Prefeitura trabalha todos os meses do ano fazendo limpeza de locais já mapeados como críticos. Embora reconheça que a cidade é grande e complexa, o que pulveriza as ocorrências, ele garante que a gestão está preparada para lidar com eventos mais graves.

A gente não espera chegar a temporada de chuva para fazer. Embora a gente tenha um prognóstico para esse ano que é abaixo da média, em compensação, eventos extremos ficam mais fáceis de acontecer. Hoje a gente tem monitoramento por câmera de todos os pontos sensíveis da cidade de Fortaleza.
Cel. Eduardo Holanda
Titular da Sesec

Nesses eventos extremos, as comunidades periféricas são as mais afetadas por alagamentos e perdas materiais, na visão do presidente da Federação dos Bairros e Favelas de Fortaleza (FBFF), Ivan Batista. Para ele, o grande número de ocorrências registradas até o momento reflete o baixo investimento em prevenção.

“Muitas famílias perderam móveis, eletrodomésticos, documentos. Faltou ter um plano emergencial para as questões climáticas. Os efeitos da chuva ainda estão acontecendo”, entende.

Para auxiliar famílias impactadas em diversos bairros, como Papicu e Jardim Iracema, a Federação criou uma campanha para arrecadar cestas básicas e mantimentos, mas Ivan reconhece que o esforço fica aquém da demanda. “Conseguimos entregar algumas coisas, mas é muito pouco pra amenizar a multidão de pessoas que precisa de auxílio”, lamenta.

Como pedir ajuda na chuva

Em caso de qualquer risco, a Defesa Civil de Fortaleza deve ser acionada via Ciops, através do telefone 190. Os agentes trabalham em regime de plantão, 24h, para atender às demandas da população.

Newsletter

Escolha suas newsletters favoritas e mantenha-se informado
Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados