Com 89 pontos, número de áreas de risco monitoradas em Fortaleza é o mesmo há 10 anos

Principais ocorrências nessas áreas envolvem alagamento, inundação e desabamento, decorrentes da localização irregular de moradias

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Alagamentos castigam ruas e casas da comunidade Santa Maria há cerca de 10 anos.
Foto: VCRepórter

A lista mais recente das áreas de risco elaborada pela Defesa Civil de Fortaleza, em 2012, contabiliza 89 espaços. Em 2022, o quantitativo permanece o mesmo, segundo o órgão. Ou seja, em uma década, pouco se avançou na mitigação de problemas que afetam cerca de 22 mil famílias na Capital cearense.

“Com o intuito de tornar a cidade resiliente”, a Defesa Civil considera áreas de risco todas aquelas que podem, através de sua vulnerabilidade, ameaçar a segurança dos munícipes, de acordo com a Secretaria Municipal de Segurança Cidadã (Sesec).

A Defesa Civil diz que o monitoramento desses locais “é feito regularmente”, com limpeza constante dos recursos hídricos e das áreas do entorno, “lugares inadequados para a construção de moradias”. 

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corpos d’água receberam intervenções preventivas em 2021, de acordo com a Defesa Civil, sendo 113 canais e 33 lagoas.

No monitoramento, estão incluídos locais sujeitos a alagamentos, inundações e desabamentos, principalmente aqueles nos entornos dos rios Maranguapinho e Cocó, que costumam concentrar a maior parte das ocorrências.

De acordo com a plataforma de georreferenciamento "Fortaleza em Mapas", os principais assentamentos precários na Capital se referem a favelas parcial ou totalmente dentro de áreas de risco, seguidas por loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais.

Alagamentos anuais

Mal começou a chover e as ruas da comunidade Portelinha, no Planalto Ayrton Senna, começaram a alagar mais uma vez. O problema é recorrente há pelo menos dez anos, como lembra o líder comunitário Valdeci Cardoso.

“A comunidade recebe praticamente toda a água do Ayrton Senna porque estamos na região mais baixa do bairro. Como não temos saneamento básico nem drenagem, há vários anos temos que levantar o piso das nossas casas”, conta. 

Segundo ele, durante as chuvas que ocorrem em Fortaleza desde o fim de dezembro, a água já começou a invadir casas. Ouça o relato do líder comunitário:

Em outro ponto vulnerável da Capital, o nível do Rio Maranguapinho já começou a subir com as primeiras chuvas do ano, mas não alagou residências, como observa uma moradora do Quintino Cunha que pediu para ter sua identidade preservada.

“As casas que ficavam mais às margens do rio já foram retiradas ou demolidas por conta do alargamento da via. Nas demais, a água só chegou no quintal”, conta.

A preocupação dos vizinhos se dá porque, em anos anteriores, a água chegou a entrar em algumas casas, mas “causou apenas transtorno, não prejuízo”.

No Barroso, outro bairro com ocorrências constantes, a reportagem verificou, na manhã desta terça-feira (4), uma obra de drenagem e desobstrução de galerias para evitar o acúmulo de água nas ruas. 

Um comerciante confirmou que, em anos anteriores, a água que entrava nas residências “batia no joelho”. Porém, a construção recente de um canal minimizou o problema.

Legenda: Intervenção no Barroso visa desobstruir galerias de drenagem.
Foto: Thiago Gadelha

Novos lares

Em abril do ano passado, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) recomendou à Prefeitura que a retirada de munícipes de seus imóveis em áreas de risco só ocorresse com a comprovação de “efetiva ameaça à vida ou à integridade física dos cidadãos”. 

Além disso, os órgãos deveriam adotar ações de assistência social aos moradores desabrigados, especialmente quanto ao Programa de Locação Social (PLS), que fornece auxílio financeiro a pessoas em situação de vulnerabilidade social e habitacional. 

Em 2019, por exemplo, mais de 3 mil famílias se cadastraram para receber benefícios após a barragem do Rio Cocó transbordar sobre áreas residenciais do Conjunto São Cristóvão e do Barroso. Dezenove delas precisaram ficar alojadas no Cuca Jangurussu.

A Prefeitura de Fortaleza informou que, nos últimos dois anos (2020 e 2021), “mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia”, beneficiou mais de 1.500 famílias com moradias populares, em parceria com o Governo do Estado e a Caixa Econômica Federal.

“Parte dessas famílias beneficiadas são oriundas de áreas consideradas de risco, como os entornos das lagoas do Papicu, Urubu e Gengibre, e vinculadas ao projeto Vila do Mar”, declarou.

Problema histórico

Em 1999, existiam 45 áreas de risco em Fortaleza. Em 2006, o número saltou para 105, conforme dados compilados na dissertação do professor Jader de Oliveira Santos, do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), a partir de registros das Defesas Civis municipal e estadual.

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No mesmo período, o número de pessoas vivendo em condições precárias de moradia subiu de 21 mil para 96 mil, num acréscimo de 357%.

À época, o docente apontou que “esses números só confirmam o crescimento geométrico no número de áreas e a explosão demográfica da população que vive em assentamentos extremamente precários, estando expostas a uma série de riscos ambientais”. 

Em 2008, a Prefeitura de Fortaleza divulgou que o número havia caído para 99 após um pacote de ações realizadas pela Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor). Em 2012, o quantitativo caiu para 89 e permanece inalterado.

Para o professor Jader de Oliveira, essa metodologia de classificação reflete principalmente os atendimentos realizados pela Defesa Civil e deixa de lado o quadro atual da cidade devido à estagnação do levantamento.

“Não sabemos qual é o número real. Em algumas áreas que foram erradicadas com reassentamentos e intervenções, já se começa a ver uma pequena reocupação, como é o exemplo do canal do Jardim América, próximo da Aerolândia”, percebe.

O especialista explica que, quando há eventos de chuva intensa, os leitos de rios e riachos  buscam ocupar seu leito natural, passando sobre a construção urbana, seja precária ou não. Por isso, não adianta promover a drenagem e a impermeabilização de uma área porque outra pode ser afetada.

“Aquela água vai se acumular em outro local. Ela escoa, mas no final, na confluência, chega mais água do que o rio consegue escoar. Há uma deterioração da qualidade ambiental, como no manguezal do Rio Cocó e no manguezal do Complexo Ceará-Maranguapinho, onde você interfere na dinâmica hidrológica”, observa.

No entanto, muito mais do que ambiental, o professor considera o problema social.

“Ele expõe a vulnerabilidade humana, porque estamos falando de risco de vidas, de famílias e perdas materiais. Eu preciso de um lugar para morar, não posso morar num dia sim e outro não. As ocupações irregulares são uma estratégia de sobrevivência”, pontua.

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Alternativas para solucionar

Segundo Jader, há duas principais linhas de ação para minimizar os problemas nas áreas de risco:

  • Estruturais: envolve a abertura de canais, piscinões, reservatórios de contenção de cheias (como é a barragem do Cocó), que são investimentos “extremamente caros e que não resolvem o problema”, ou a realocação de pessoas; 
  • Não-estruturais: mais baratas, buscam a preservação da funcionalidade de um recurso hídrico cuja área não deveria ter sido ocupada. Porém, aponta, elas esbarram na pressão imobiliária pela construção de novos empreendimentos.

Além disso, o professor pondera a atualização do Plano Diretor de Drenagem Urbana de Fortaleza e a incorporação de novas técnicas construtivas, para reduzir o escoamento e aumentar a infiltração.

Como pedir ajuda

A Defesa Civil de Fortaleza trabalha dia e noite e, em caso de qualquer risco, pode ser acionada via Ciops, através do fone 190. Os agentes trabalham em regime de plantão, 24h, para atender às demandas da população.

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