Av. Bezerra de Menezes vive 10 anos de mudanças, declínio no comércio e evolução no trânsito; relembre

A via é um eixo histórico de deslocamento e conecta Fortaleza à Região Metropolitana. Mas, há anos, vive a perda do potencial comercial e a melhoria na mobilidade.

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
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Legenda: A Av. Bezerra de Menezes é um eixo de deslocamento do Século XX e abriga inúmeras e variadas edificações.
Foto: Tiago Gadelha

São 3,3 km de extensão da avenida que liga o Centro de Fortaleza a Caucaia, na Região Metropolitana. Estruturada na década de 1940, a famosa Av. Bezerra de Menezes foi alterada na década de 1960. Mas, foi em 2012 que as grandes transformações começaram. O resultado: a priorização do transporte coletivo. Porém, são também desse tempo as queixas sobre a ênfase do declínio do comércio na via. Hoje, a Bezerra de Menezes segue com uso misto, mas com potencial de estratégico enfraquecido. 

O que pode recuperar o potencial da tradicional avenida? Por que o uso misto do espaço público (comércio, serviços e moradia) é desejável para a área? Como isso afeta a cidade?

A Av. Bezerra de Menezes é um eixo histórico de deslocamento do Século XX e abriga inúmeras e variadas edificações. De capela com mais 150 anos (Capela de São Francisco de Paula), a um dos shoppings bastante populares da Capital. Tem ainda: bancos, igreja, colégio, faculdade, restaurantes, praça, lojas, condomínios e casas. 

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Mas, também tem prédios (antigos comércios) fechados e imóveis deteriorados, que servem de pontos de lixo. Assim como outras dezenas de portas fechadas disponíveis para aluguel. 

Já no trânsito, no largo espaço da Bezerra de Menezes, cuja divisão tem 4 faixas de cada lado, hoje, o fluxo médio diário é de  42.029 veículos, segundo a Autarquia Municipal de Trânsito (AMC). Há 10 anos, carros particulares e transportes coletivos disputavam espaço. 

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Legenda: Vista aérea da Bezerra de Menezes na década de 1970
Foto: Arquivo Nirez

Quais foram as mudanças na Bezerra

Em 2012, a Prefeitura começou a implantar a priorização dos ônibus e topiques, inaugurando na avenida a ideia que hoje é realidade em grandes vias: as faixas preferenciais. A ideia, chamada de Bus Rapid System (BRS), direcionava duas faixas à direita, nos dois sentidos da avenida, preferencialmente para ônibus e vans. Duas listras azuis, pintadas ao chão, delimitavam os corredores. 

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Legenda: Antigo canteiro central da Av. Bezerra de Menezes
Foto: Kiko Silva

Outra novidade foram as paradas seletivas por grupo: BRS-FOR 1, BRS-FOR 2 e BRS-FOR 3. Ao espalhar os pontos, a ação acabou com as grandes aglomerações de passageiros em determinados locais, notadamente, aqueles de grande movimentação comercial e de serviços. Com a mudança, vieram as polêmicas.  A eliminação, à época, do tráfego pela faixa direita impactava o comércio, afirmava o setor. 

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Legenda: Em 2012, a Prefeitura começou a implantar a priorização dos ônibus e topiques
Foto: José Leomar

Em 2015, a avenida teve outra grande transformação que consolidou a priorização do transporte coletivo. A alteração dura até hoje. Os ônibus passaram a circular exclusivamente nas duas faixas mais próximas ao canteiro, que em tempos remotos já teve um canal. Houve uma divisão física das faixas, estabelecendo grandes corredores exclusivos. 

Foram implantadas 11 estações de ônibus. Com a alteração,  diz a Prefeitura, a velocidade do tráfego dos coletivos passou de 15 km/h para 23 km/h, “permitindo que os ônibus possam cumprir os horários programados, além de ampliar o número de viagens realizadas”. Aos passageiros, garante a Prefeitura, foi assegurado rapidez no percurso. 

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Legenda: Além das estações de transporte coletivo, a avenida também conta com ciclovia
Foto: Tiago Gadelha

Raio X da Bezerra de Menezes

  • 3,3 km de extensão a Rua Padre Ibiapina a Rua Humberto Monte
  • 42.029 veículos passam, em média, por dia na avenida
  • 11 linhas do transporte coletivo param junto ao canteiro
  • 5 linhas do transporte coletivo param nas estações.
  • 19 semáforos em cruzamentos e em travessias para pedestre 
  • 23.198 infrações, em 2021, ao longo da via. As que lideram o ranking são: transitar na faixa ou via de trânsito exclusivo para ônibus. 

Cinco curiosidades sobre a Av. Bezerra de Menezes

Nome homenageia médico abolicionista e espírita

A via tem esse nome em homenagem a Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti (nascido em 1831 na área que hoje é a cidade de Jaguaretama) Ele morreu em 1900 e foi médico, militar, escritor, jornalista, político, filantropo e expoente da doutrina espírita. Bezerra de Menezes era conhecido como "O Médico dos Pobres".

No processo da abolição da escravatura, Bezerra de Menezes se definia como um liberal que defendia a liberdade à população negra escravizada. 

Bezerra de Menezes
Legenda: Imagens da antiga Bezerra de Menezes
Foto: Arquivo Nirez

Via limita 4 bairros e corta um ao meio 

Com 3,3 km, a avenida começa na esquina com a Rua Padre Ibiapina e termina no cruzamento com a Av. Humberto Monte. Ela estabelece os limites que separam 4 bairros: Presidente Kennedy, São Gerardo, Parquelândia e Parque Araxá. Já o bairro Farias Brito é cortado pela via, tendo moradores de ambos os lados da avenida. 

Canteiro já teve o mausoléu de um militar

Os restos mortais do cearense Brigadeiro Antônio de Sampaio, chamado General Sampaio, morto em 1866, na guerra contra o Paraguai, foi submetido a vários traslados, sendo abrigado em distintos túmulos. Um deles, na Bezerra de Menezes. Ele morreu em Buenos Aires.

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Legenda: Mausoléu de general Sampaio na Bezerra de Menezes
Foto: Arquivo Nirez

No Brasil, os restos mortais passaram pelo cemitério São João Batista, e em 5 de maio de 1966, foram levados a um mausoléu construído pela Prefeitura na Av. Bezerra de Menezes. A ideia era que o túmulo fosse visto pela população. 

O local ficava em frente ao aquartelamento do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Fortaleza, hoje sede da Secretaria de Segurança Pública. O CPOR foi extintoe e os restos mortais, em 24 de maio de 1996, foram levados ao Forte de Nossa Senhora da Assunção, sede do Comando da 10ª Região Militar de Fortaleza. 

Tem uma capela de quase 160 anos

A capela de São Francisco de Paula, no número 2590, da Av. Bezerra de Menezes, permanece de pé. Ela foi construída por volta de 1865, em pagamento a uma promessa feita por Antônio Francisco de Góis e a esposa Angelina de Castro Góis, por não terem nenhum membro da família entre as vítimas da epidemia de cólera no Ceará no Século XIX.

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Legenda: Capela de São Francisco na Av. Bezerra de Menezes
Foto: Tiago Gadelha

Teve obra de sucata em homenagem a Luiz Gonzaga

O artista plástico cearense Francisco Magalhães Barbosa, conhecido como Zé Pinto,  nas décadas de 1970 e 1980 fez do canteiro da avenida uma extensão do seu atelier.

Em 1975, expôs no canteiro central da Bezerra de Menezes uma escultura do cantor Luiz Gonzaga, feita por ele a partir de pára-choques, parafusos e outras sucatas de carro. Zé Pinto chamava de “pintódromo” o canteiro que serviu como vitrine de suas obras. 

Morar no entorno

A  estudante de Psicologia, Maria Ester Vale Portela, há 21 anos mora no entorno da Bezerra de Menezes. Residente da Parquelândia, na avenida ela acessa lojas, comércio, serviços e se desloca no transporte público. Na Bezerra, Ester já teve até uma banquinha de venda de lanches, conta. 

“Agora eu avalio que não tem muito comércio. Muita loja fechou. Alguns investimentos na Bezerra não deram certo. Por exemplo, existe um ponto onde era a antiga boate, depois disso, surgiu outra casa de show, ponto pra vender lanche. E agora é uma loja de colchão. Tem muito ponto pra alugar e vender”. 
Maria Ester Vale Portela
Estudante de Psicologia

Em relação à mobilidade, Ester reconhece que “pra todo lugar que preciso ir, tem ônibus pra eu pegar. Até pra ir pros interiores, eu pego uma van ali ao lado do supermercado”, destaca. 

Bezerra de Menezes
Legenda: Montagem: Bezerra de Menezes na década de 1920/ Avenida nos últimos anos
Foto: Arquivo Nirez

Por que a Avenida perdeu a centralidade?

O professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do Observatório das Metrópoles, Alexandre Pereira, aponta alguns fatores que podem ter feito com que a Av. Bezerra de Menezes tenha perdido uma certa relevância e a centralidade no aspecto comercial. 

  • A transformação da avenida em um corredor de transporte. Algumas avaliações, explica Alexandre, indicam que os corredores de trânsito rápido impactam o comércio, que depende de uma certa movimentação por automóveis e a passagem de pedestres;
  • À medida que surgiram novas centralidades baseadas em dimensões mais modernas (considerando tipo de perfil de imóvel comercial, fornecimento, mercadorias), a Bezerra foi perdendo competitividade. 
  • Formação de novos corredores comerciais nas proximidades, como áreas do bairro Presidente Kennedy
  • Crescimento e surgimento de centralidades metropolitanas. A Bezerra de Menezes, diz Alexandre, sempre teve um fluxo de Caucaia. Com a modernização do Centro da cidade vizinha e do bairro Jurema, com ganhos de serviços, os moradores de Caucaia não precisam necessariamente ir até Bezerra para consumir. 
  • O crescimento do e-commerce. Para Alexandre, as compras virtuais tem um impacto muito forte no comércio de bairro. Devido a aspectos como entregas,  comodidade,  rapidez, facilidade, até de preço, esse modelo de compra, às vezes, supera o tradicional e isso impacta nos eixos comerciais históricos. 

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Legenda: Na avenida a gestão pública começou a implementar o modelo de priorização do transporte público que depois se espalhou em algumas vias.
Foto: Tiago Gadelha

O que é possível fazer?

A decadência ou o fechamento de pontos em antigas áreas comerciais, explica Alexandre, pode levar a um processo de transformação no mercado. “Como? À medida que os pontos estão fechados, não conseguem mais ser alugados e até os pequenos comércios, o que pode acontecer é que grupos ou verificando o barateamento dos aluguéis ou até o barateamento dos imóveis, podem promover aquisições e redefinições dos lotes construindo um novo perfil de comércios ou de serviços”. 

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Legenda: No decorrer dos anos, muitos comércios foram fechados na avenida
Foto: Tiago Gadelha

Então, avalia ele, em uma próxima onda de crescimento econômico, pode haver essa redefinição dos espaços, abertura de lojas com diferentes padrões, mais modernas, e incluindo o fortalecimento de serviços. 

Sob as ações que podem ser adotadas pelo poder público, ele diz que, em casos assim, é possível que o município crie, a partir da consideração do zoneamento, incentivos à ocupação de determinadas áreas, por exemplo, com mudança no código tributário especial reduzindo IPTU e ISS. 

Ele explica que em cidades de porte superior ao de Fortaleza, gestores têm adensado o uso residencial desses eixos de transporte público, fortalecendo o uso misto desses espaços. 

“Novas pessoas residindo, precisando de serviços e usando os transporte públicos tende a criar movimento na rua, não necessariamente do automóvel, e o uso de serviços, porque é muito importante que nos bairros, nas áreas de comércio. Isso tem uma implicação de uma circularidade da economia. Faz bem economicamente e também é muito importante pra vida urbana”.
Alexandre Pereira
Professor do Departamento de Geografia da UFC
 

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