Uma saúde indígena de qualidade e presente nos territórios. Essa é a projeção para os próximos anos de Lucas Guerra, coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena do Ceará (DSEI-CE), há pouco mais de sete meses no cargo. Ele é responsável por gerir iniciativas para mais de 29 mil indígenas cearenses e projeta a abertura de 12 unidades básicas de saúde para esse atendimento.
Não-indígena, Lucas foi eleito coordenador durante assembleia dos povos originários, em fevereiro deste ano, como salienta o advogado cearense Weibe Tapeba, titular da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde. Isso foi fruto da confiança conquistada ao longo de mais de 10 anos em defesa da causa indígena.
Há um ano, a política de saúde indígena estava “fragilizada” e sem investimentos, lembra o advogado. Por outro lado, já para 2024, existe a previsão de um incremento de R$900 milhões no orçamento da Secretaria, além da inclusão da saúde indígena na pauta de outros Ministérios e programas federais.
O cenário nacional também repercute no cearense. Em entrevista ao Diário do Nordeste, Lucas Guerra garantiu a disponibilidade orçamentária para a construção de 12 unidades básicas de saúde indígena, já havendo uma em construção na cidade de Crateús. Outras 10 estão com processo bem avançado, e “esperamos começar ainda neste ano de 2023”
Ainda temos muitas estruturas precárias, alguns polos funcionam em pontos de apoio, em casas de família. Nos últimos 4 anos, havia uma determinação do governo federal de não construir em terras não homologadas, e isso atrasou muito a edificação e a transformação desses territórios. Ter um espaço digno dá uma dinâmica nova ao atendimento.
Hoje, nas contas de Lucas, há no Ceará 24 equipes de saúde indígena que atuam em 17 municípios e atendem diretamente a 29 mil indígenas nos territórios, dentre os mais de 40 mil cadastrados no Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Siasi).
Há 10 polos básicos de saúde indígena, sendo a maioria em prédios próprios. Outros necessitam de reforma ou ainda são partilhados com gestões municipais. São eles:
- Anacé
- Caucaia
- Maracanaú
- Aquiraz
- Aratuba
- Monsenhor Tabosa
- São Benedito
- Itarema
- Poranga
- Crateús
Conforme o gestor, a ideia é qualificar o atendimento porque alguns deles atendem cerca de 2 mil pessoas em condições fora do ideal.
Por que saúde ‘especial’
Para quem não compreende a necessidade de “saúde especial” para essa população, Lucas é didático. Saúde é direito que leva em conta o princípio da equidade, tratando iguais de forma igual e desiguais de forma desigual.
Ou seja, os grupos que têm demandas e necessidades diferenciadas devem ser atendidos de forma diferenciada. Nesse sentido, os povos indígenas se organizam em diversas formas de cultura, tradição e valores.
“Nossa Constituição garante a eles uma saúde que perceba a comunidade, seu modo de organização, medicina indígena, parteiras, rezadeiras, benzedeiras e pajés. Muitas vezes também estão em locais de difícil acesso, distante dos centros, por isso necessitam de uma saúde que garanta sua assistência”.
Presença de médicos
O coordenador lembra que saúde é um conceito amplo e envolve não apenas assistência, como abastecimento de água, saneamento básico, gestão de resíduos sólidos, construção e manutenção de edificações e educação em saúde. Todos os temas são articulados pelo DSEI.
Porém, não basta ter infraestrutura: também são necessários profissionais disponíveis a estar nos territórios, alguns em locais remotos. Segundo Lucas, essa dificuldade histórica foi suprida pela retomada do programa Mais Médicos no Estado.
“Por causa dele, pela primeira vez, temos todos os nossos postos de médicos preenchidos. Tínhamos locais que ficaram anos sem médicos porque não se conseguia contratar pelo modo tradicional”, assegura.
Outra forma de garantir a continuidade dos quadros é “valorizar e dar oportunidade” aos profissionais indígenas - enfermeiros, dentistas, técnicos e auxiliares -, que podem participar de processos seletivos para as próprias aldeias.
Nesse cenário de retomada, Guerra se mostra otimista.
“Eu projeto uma saúde que possa perceber as necessidades e demandas e esteja presente nos territórios. Logicamente, temos o trabalho administrativo na sede, mas ele só é integralizado quando está na aldeia, quando percebemos as dores e alegrias, partilhamos as dificuldades e somos transparentes. Tivemos anos e anos de retrocesso, e para avançar precisamos de parcerias”, finaliza.