Remanejamento de alunos em Itapipoca afeta acesso a escolas: “tem unidade a 10 km de distância'

Prefeitura estabeleceu que estudantes de 10 escolas de 7 distritos serão transferidos para outras 7 unidades. Ministério Público pede revisão da mudança

O remanejamento de alunos de escolas públicas do município de Itapipoca, no interior do Ceará, tem provocado uma série de incertezas e mobilizações entre os estudantes e famílias afetadas. Uma portaria publicada pela Prefeitura no dia 31 de janeiro estabelece a mudança na distribuição e, com isso, cerca de 400 alunos de 10 escolas de 7 distritos serão transferidos para outras 7 unidades nas mesmas localidades. Mas a distância entre as antigas e as futuras unidades escolares, no caso mais extremo, chega a 11 km. 

Os estudantes estão entre o 6º e 9º ano do Ensino Fundamental e são de escolas dos distritos de Arapari, Assunção, Baleia, Bela Vista, Cruxati, Deserto e Sede Rural. Na portaria (034/2023) não há detalhamento da quantidade de alunos. Segundo a Prefeitura, são 10 turmas que variam de 30 a 50 alunos.

Em alguns casos, embora o ano letivo já tenha começado, os alunos incluídos no remanejo ainda estão fora das novas unidades. Isso porque a decisão da Prefeitura é criticada por pais de alunos de diferentes comunidades atingidas e a situação tem gerado protestos. 

As queixas referem-se a vários pontos, explica uma moradora (que não será identificada a pedido da própria) da Comunidade de Apiques, do Assentamento Maceió, no Distrito da Baleia. Ela afirma: falta de diálogo da gestão municipal na definição do remanejamento; as estradas que ligam uma escola à outra tem condições precárias; o transporte escolar é problemático; e os alunos estão sendo afastados das próprias comunidades.  

“Todo ano no período do inverno tem uma perda porque as estradas são de péssima qualidade. Não temos infraestrutura. Não adianta ter transporte e não tem por onde esse transporte passar. Defendemos o direito de estudar próximo a sua comunidade. Tem unidade que fica a 10km de distância”, ressalta. 

Escolas com alunos afetados

  • Distrito do Arapari

Escolas que perderão alunos: 
EEB José Gonçalves da Silva - 5,3 km de distância para a nova escola
EEB Francisco Joaquim de Sousa Filho - 5,8 km de distância para a nova escola
EEB João Gonçalves Viana - 5,5 km de distância para a nova escola

Escola que receberá: 
EEB José Edilson de Sousa

  • Distrito de Assunção

Escolas que perderão alunos: 
EEB Anastácio Eulampio Braga - 2,0 km de distância para a nova escola
EEB Tiago Gonçalves Barbosa - 11,2 km de distância para a nova escola

Escola que receberá:
EEB Pautilia de Sousa Braga Veras

  • Distrito da Baleia

Escola que perderá alunos:
EEB Vera Lúcia Teixeira - 6,2 km de distância para a nova escola

Escola que receberá:
EEB José Iranir Mendes

  •  Distrito Bela Vista

Escola que perderá alunos:
EEB Geraldo Quirino Alves - 4,1 km de distância para a nova escola

Escola que receberá:
EEB João Batista Pires

  • Distrito de Cruxati/Betânea

Escola que perderá alunos:
EEB Iracilda Pinto do Nascimento Vidal - 5,7 km de distância para a nova escola

Escola que receberá:
EEB Teófilo Pires Chaves

  • Distrito do Deserto

Escola que perderá alunos:
EEB Maria das Mercês Gomes - 8,3 km de distância para a nova escola

Escola que receberá:
EEB Manoel Rodrigues Sobrinho

  • Sede Rural

Escola que perderá alunos:
EEB Francisco Nelson de Lavor - 6,2 km de distância para a nova escola

Escola que receberá:
EEB Sebastião Gabriel Martins

No  Assentamento Maceió, 38 crianças que até 2022 estudavam na Escola Vera Lúcia Teixeira devem ser remanejadas para a Escola José Irani Mendes, localizada a 6,2 km de distância. Com o impasse, na comunidade, os estudantes não foram matriculados na nova escola e essa semana estão envolvidos em mobilizações. 

Na segunda-feira (13), os alunos foram levados à antiga escola e depois para a Igreja da comunidade. Outro ponto, relata a moradora, é que em algumas localidades, ao invés de serem enviados ônibus para buscar os estudantes, foram mandados carros “pau de arara”. 

“Em dezembro, no fim do ano letivo, a Prefeitura convocou a gestão da escola e disse que o projeto de remanejamento estava previsto. Os pais não tinham escolha. Mas, a comunidade não aceitou e não fez as matrículas. Fizemos um abaixo assinado com mais de 600 assinaturas. Mandamos para o prefeito. Até agora não teve resposta”, explica. 

Pedido de suspensão da mudança

No processo, o Ministério Público Estadual (MP-CE) foi acionado e se manifestou. O Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca) também tem atuado ao lado dos estudantes e dos pais no impasse. 

“No caso dessa comunidade (do Distrito da Baleia) é um assentamento e a legislação brasileira prevê particularidades para a educação de crianças e adolescentes em territórios assentados. Isso porque se entende que a escola e o cotidiano escolar influencia de maneira profunda na dinâmica social não só do estudante, como da família”, explica a assessora técnica do Cedeca, Laryssa Figueiredo. 

No dia 9 de janeiro, o MPCE, através da 3ª Promotoria de Justiça de Itapipoca, recomendou que a Prefeitura suspenda a implementação do projeto, produza um novo e o submeta à comunidade. A orientação é que o tema seja discutido com os envolvidos e haja comprovação do preparo das escolas que receberão os novos alunos.  

Na recomendação, o MP diz que o remanejamento proposto pode acarretar uma série de consequências, como dificuldade no acesso dos alunos à educação.

A instituição destaca que não houve participação prévia nem da comunidade, tampouco do Conselho Municipal de Educação, conforme recomenda a legislação. 

A portaria publicada pela prefeitura, segundo o MP, também não detalha informações sobre transporte fornecido. Nesse sentido, o MP recomenda que a Prefeitura evidencie, via documento, a adequação do transporte com demonstração, por exemplo, dos tipos de veículos, das rotas, das distâncias, a trafegabilidade das vias e o tempo de deslocamento.   

Por que remanejar? 

Na portaria (034/2023) que estabeleceu o remanejo, a Prefeitura indica que a decisão considerou que há escolas de Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) que, conforme o último Censo Escolar, "apresenta um número (de alunos) fora dos padrões mínimos de qualidade".

Outro ponto é a necessidade de organizar a rede pública municipal em "escolas especialistas", e separar, por exemplo, as unidades da educação infantil, do Ensino Fundamental I e Ensino Fundamental II. 

A Prefeitura diz que “foram mapeadas as escolas menores que não possuem a estrutura necessária para entregar uma educação de qualidade para alunos dos anos finais” e, por isso, “remanejamos esses alunos para outras escolas que oferecem essa entrega”. Segundo a Prefeitura, um novo projeto já está sendo preparado “para a justificativa e defesa” das mudanças. 

A recomendação do MP, diz a Prefeitura, “será atendida parcialmente para as escolas que têm acesso mais difícil.” A gestão assegura que reavalia as regiões prioritárias, acessos e transportes.

Sobre a dificuldade de locomoção em alguns trechos e o envio de carros “pau de arara”, a Prefeitura argumenta que “Itapipoca como é conhecida, a cidade dos 3 climas, tem serras e localidades altas, de difícil acesso, mas a Secretaria de Educação garante o transporte escolar conveniente e gratuito diariamente”. 

A gestão reconhece que “as estradas apresentam dificuldades em períodos chuvosos” e indica que a Secretaria de Educação tem diálogo direto com a Secretaria de Infraestrutura “para melhorias e reformas quando necessário”.  O Diário do Nordeste solicitou o detalhamento da oferta de transporte escolar em cada localidade afetada, mas a Prefeitura não repassou. 

Outro ponto considerado na decisão, conforme explicita a portaria, é a Lei do Governo Estadual que amplia o PAIC e busca universalizar o ensino fundamental em tempo integral. Conforme a Prefeitura de Itapipoca, para implantar a jornada estendida será preciso “garantir unidades escolares que tenham estrutura e quantitativo razoável”.