Uma escola cearense formada, em maioria, por filhos de agricultores tem o segundo melhor Ensino Médio do Brasil. A Escola Família Agrícola (EFA) Padre Eliésio dos Santos fica no distrito de Balseiros, em Ipueiras, a cerca de 298 km de Fortaleza; e alcançou um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 7,5. A nota máxima é 10. Considerando todas as escolas públicas, a EFA é a melhor unidade estadual do País, pois sua nota fica atrás somente da Escola Preparatória Cadetes do Ar, de Barbacena (MG), que é federal.
O resultado foi divulgado na última quarta-feira (14) e colocou em destaque uma instituição estadual que aposta na proximidade entre campo, família e escola como trunfo para bons resultados. Funcionando com modelo de “internato”, a EFA criada em 2017 é uma “escola-piloto” no Ceará, como descreve a diretora, Lucélia Galvino, em entrevista ao Diário do Nordeste.
“Somos a única EFA mantida pelo Estado do Ceará. Por isso, temos nos esforçado bastante pra ter resultado, porque precisamos ser referência. É uma escola-piloto, pra ser ampliada, precisa dar certo”, pontua, após brincar que “não dá nem tempo de comemorar, já é preciso pensar na próxima meta”.
O difícil não é conseguir um bom resultado, é mantê-lo. É uma alegria muito grande saber que a escola do campo está tendo espaço, que a educação do campo pode estar entre as melhores do Brasil. Isso pra nós que somos filhos de agricultores é uma vitória.
A EFA adota a “Pedagogia da Alternância”, que, como explica o Ministério da Educação (MEC), “é um método que busca a interação entre o estudante que vive no campo e a realidade dele no cotidiano, de forma a promover constante troca de conhecimentos entre o ambiente de vida e trabalho e o escolar”.
No formato, o aluno reveza entre sessões escolares, em que fica de 12 a 15 dias ininterruptos na escola, em modelo de internato; e sessões familiares, no qual cumpre o mesmo período estudando em casa, com atividades definidas e acompanhadas por professores-monitores.
A alternância é prevista em Parecer do Conselho Nacional de Educação CNE/CP nº 22/2020 – atendendo a uma demanda histórica dos grupos que lutam pela melhoria da educação do campo –, que foi homologado pelo MEC em resolução de agosto de 2023.
Escola no campo, campo na escola
A EFA Padre Eliésio, assim, “é um sonho que se tornou realidade na comunidade”, como define Lucélia. Com seis turmas de ensino médio e 104 alunos matriculados, a instituição acolhe “jovens camponeses e da zona urbana pra uma formação integrada para a vida”.
Os estudantes são, em maioria, filhos de agricultores, e viajam das zonas rurais e urbanas de nove municípios cearenses para estudar em Ipueiras. Durante a sessão escolar, eles ficam nos alojamentos da EFA, numa rotina em que professores também atuam como “cuidadores”.
“Os professores cuidam dos alunos como filhos. Se acompanho 5 estudantes, tenho o compromisso de acompanhar todo o processo de desenvolvimento deles aqui na escola. O acompanhamento personalizado faz a diferença”, aposta Lucélia.
Na grade curricular, além de disciplinas como português e matemática, o Ensino Médio é integrado ao curso técnico de Agropecuária, com conteúdo que inclui o ensino sobre as culturas e técnicas comuns ao cotidiano familiar dos alunos.
A rotina escolar também é peculiar. “Eles chegam na segunda-feira, têm atividades nos três turnos. Sexta-feira, depois do almoço, retornam para casa, enquanto os professores se reúnem para avaliar a sessão e planejar a próxima”, detalha a diretora da EFA.
Já a sessão familiar, ela complementa, é o “tempo comunidade”. “Eles ficam em casa com as famílias, mas têm uma rotina de estudo. Eles levam o caderno de acompanhamento, relatando o que aconteceu na sessão escolar, e quando voltam, trazem o caderno com a devolutiva da família sobre a sessão familiar”, frisa Lucélia.
Os professores são, na verdade, chamados de “monitores”, já que exercem uma função além da sala de aula. “Eles acompanham os estudantes nas atividades que fazem em casa, e também fazem visitas domiciliares, duas vezes ao ano, pra conhecer a realidade dos alunos.”
Desafios da adaptação
A diretora reconhece que o formato de alternância é desafiador, principalmente para os estudantes que vivem a transição entre o ensino fundamental tradicional e o 1º ano do ensino médio na EFA Padre Eliésio. Da própria escola também é exigido um trabalho diferenciado.
“O maior desafio é o início do ano letivo. Precisamos fazer um diagnóstico pra conhecer a realidade deles, tanto do nível de aprendizado como do contexto em que estão inseridos, pra saber que intervenções são necessárias”, pondera Lucélia.
Além da rotina em si, os alunos precisam se adaptar à construção do “Projeto de Vida da Família Camponesa”: o elo prático entre a sala de aula e a terra arada pela agricultura familiar.
“A partir das aulas na escola, ele já vai escolher quais as unidades produtivas que vai desenvolver na sua casa, na sua família. Ao final do 3º ano, ele vai defender o projeto. E as unidades produtivas que escolhem pra serem implantadas é a família é que cuida”, detalha a diretora da escola.
O objetivo, no fim das contas, é claro: ensinar aos meninos e meninas alternativas para se formarem, mas permanecerem no campo, fincados às próprias raízes e contribuindo para que deem frutos.
“A ideia é que eles possam ajudar a sua família a ter uma renda extra, não sair do campo pra cidade. Mostrar que o filho do agricultor e do camponês pode estudar e entrar na universidade e criar várias alternativas pra permanecer no campo, em casa.”
Após alcançar o objetivo de cursar Direito na universidade, este é o plano da estudante Suzane Alves, de 17 anos: “voltar para casa” e retribuir, em forma de conhecimento, a formação que a comunidade tem proporcionado a ela. “Não é necessário sair daqui pra ter uma vida melhor.”
Estudante do 2° ano do Ensino Médio, Suzane mora no distrito de Nova Fátima, em Ipueiras, e estuda na EFA desde 2023. Decidiu que cursaria o ensino médio por lá pouco depois de visitar a escola e “se apaixonar” pelo formato de funcionamento.
“É muito diferente das escolas tradicionais, inclui mais os alunos, dá mais destaque, amparo. Com a alternância, temos o acompanhamento personalizado. Percebi que era isso que eu precisava pra mim, consigo absorver bastante conhecimento”, diz.
A adolescente lembra que a adaptação com o novo formato, no qual fica longe de casa por uma semana, “foi muito tranquila”. “Consigo ter tempo pra mim, pra minha família, meus estudos, e desenvolver minhas habilidades. E compartilhar isso com os outros”, analisa Suzane.
Questionada se o modelo de alternância repercute nos resultados acadêmicos, a adolescente é categórica: “ajuda bem mais do que o modelo tradicional. No modelo tradicional, a pessoa praticamente não vive, estuda de maneira sistemática, pra fazer uma prova e passar. Aqui me prepara pra vida, pro mercado”, opina.
Apesar de o curso técnico em Agropecuária “não bater muito” com a carreira que quer seguir, a estudante garante que a metodologia da escola em si é uma formação à parte. “A EFA me ajudou a me comportar em debate, construir minha opinião, ter uma tese e saber defender”, contextualiza Suzane.
Ideb no Ceará
A EFA Padre Eliésio dos Santos, que alcançou 7,5 no Ideb no ensino médio, é uma exceção dentro da realidade geral do Ceará. O Estado se destaca nos índices de desempenho no ensino fundamental, mas despenca nos rankings em se tratando dos anos finais do ensino básico.
Nesta etapa, o Ceará não atingiu o patamar desejado em 2023. A meta nacional era de 5,2, mas nenhum estado obteve sucesso. O Ceará ficou com nota 4,3, a mesma de dois anos atrás e inferior aos 4,4 de 2019.
Para o ministro da Educação, Camilo Santana, isso é reflexo da realidade desigual que os adolescentes enfrentam em paralelo à vida escolar. “O desafio é não perder quem entra na escola. Perdemos 30% dos estudantes no Ensino Médio. Precisamos garantir equidade e a inclusão de regiões mais distantes, principalmente as mais pobres”, destacou.
COMO É CALCULADO O IDEB?
A média padronizada dos estudantes é obtida a partir das proficiências médias em Língua Portuguesa e Matemática alcançadas na Prova Brasil ou no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
A nota é utilizada como indicador de qualidade educacional desde 2005. Em 2007, entraram em vigor metas a serem alcançadas a cada nova edição, divulgada a cada dois anos pelo Inep. Contudo, elas só foram estabelecidas até 2021.
PARA QUE SERVE O IDEB?
O Ideb auxilia no monitoramento do sistema de ensino do País através do diagnóstico e norteamento de ações políticas. Ele contribui para:
- detectar escolas e/ou redes de ensino cujos alunos apresentem baixa performance em termos de rendimento e proficiência;
- monitorar a evolução temporal do desempenho dos alunos dessas escolas e/ou redes de ensino;
- direcionar programas para promover o desenvolvimento educacional de redes de ensino em que os alunos apresentam baixo desempenho.