Em 1997 o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconhecia e tombava o primeiro Sítio Histórico do Ceará. Localizado em Icó, uma das mais antigas cidades cearenses, o Sítio conta com acervo que contempla 469 bens entre imateriais – como a romaria do Senhor do Bonfim – e materiais, como a praça do Largo do Theberge, considerada uma das maiores do Brasil.
Conforme levantamento do Iphan, deste total, são quase 320 imóveis centenários, "a maioria no centro histórico, que remonta ao período colonial'. Dentre as dezenas de edificações, o conjunto arquitetônico e urbanista contempla imóveis nos estilos neoclássicos e barroco, cuja influência veio de portugueses e franceses habitantes do município que, de tão importante à época, chegou a ser capital do Estado por três meses.
Mas, passados 25 anos, como está a conservação deste tão importante acervo? Ele tem sido adequadamente consumido pela população? E quais desafios o Município encontra para que outros imóveis importantes sejam incorporados?
Para responder estas e outras questões, o Diário do Nordeste ouviu pesquisadores e memorialistas, Iphan e a própria Secretaria da Cultura de Icó, além da Secretaria de Cultura do Estado (Secult).
O órgão federal avalia que "a cidade conserva com bastante integridade um precioso acervo arquitetônico" e pontua que a manutenção dos prédios "cabe ao proprietário dos imóveis" e, o município, responde pelos espaços públicos (praças, largos, etc.) e imóveis que são de sua propriedade.
O advogado Getúlio Oliveira, que participou do processo de pedido de tombamento do Sítio, compartilha da mesma análise do Iphan. "O Sítio [histórico] está muito bem preservado", pontua. Essa é a mesma análise do memorialista Altino Afonso Medeiros.
"Está bem conservado, mas o espaço é pouco consumido pela população. Falta incentivo do poder público, que ainda não tem conhecimento da importância desse patrimônio cultural", conclui.
O coordenador de Cultura e Turismo de Icó, Cláudio Pereira, no entanto, discorda. Em sua avaliação, "há um bom trabalho de fomento que atrai, inclusive, pessoas de fora do Estado".
"Estudantes e professores de vários estados visitam, todos os anos, nossa cidade. O Sítio, além de ser um dos mais conservados do Brasil, segundo o próprio Iphan, tem um todo um trabalho de fomento. A educação patrimonial faz parte da grade curricular das escolas em tempo integral de Icó, o que mostra uma preocupação de disseminar o Sítio Histórico entre a população", detalha Pereira.
O Ceará conta com quatro Sítios Históricos: Conjunto arquitetônico e urbanístico de Icó; conjunto arquitetônico e paisagístico de Aracati; Conjunto arquitetônico e urbanístico de Sobral; e Conjunto histórico e arquitetônico de Viçosa do Ceará.
A Coordenação de Fomento e Incentivo à Cultura, órgão ligado à Secretaria da Cultura do Estado (Secult), considera que o atual desafio para que estes ambientes sejam consumidos e despertem o sentimento de pertencimento por parte da população "é descobrir [cuja incumbência é da gestão municipal] as novas vocações sustentáveis que garantirão o usufruto do espaço preservado e a manutenção das populações tradicionais nos seus lugares".
Ampliação
Os quase 500 bens que fazem parte, atualmente, do Sítio Histórico de Icó podem futuramente ter este número acrescido. O memorialista Altino Afonso avalia "ter outros bens ainda a serem incluídos" neste processo de tombamento. Esta análise, na prática, pode ser concretizada.
A Secretaria de Cultura e Turismo de Icó ingressou com pedido junto ao Iphan para inclusão de outros bens, como antigas fazendas situadas à zona rural. "Elas são o berço da economia da cidade. Icó começou a se desenvolver a partir destas fazendas, que tiveram importância econômica e hoje têm valor histórico e cultural", destaca Cláudio.
Durante a exploração do ouro e a produção do charque, nos séculos XVIII e XIX, Icó progrediu como importante entreposto comercial do interior da Província do Ceará. Desse período também permaneceram inúmeras construções, verdadeiros documentos da ocupação do sertão nordestino pela pecuária.
Após o pedido, a próxima fase do processo diz respeito a apreciação por parte do Iphan. "Considerando que o pedido de tombamento é pertinente, o Iphan fará uma pesquisa que comporá a instrução de tombamento do bem cultural. A manifestação derradeira sobre o pedido de tombamento é do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, a ser ratificada pelo ministro do Turismo", destacou, em nota, o Instituto.
"Ampliar é tão importante quanto disseminar", diz Cláudio Pereira. Para o coordenador da Cultura, quanto maior for o número de bens - sejam materiais ou imateriais - contemplados pelo tombamento, maior é a segurança de que a "história do Município está sendo bem preservada".
Diante desta expectativa de ampliar o leque do primeiro Sítio Histórico tombado no Ceará, Sebrae e Banco de Nordeste, em parceria com a Secretaria de Cultura e Turismo, estão desenvolvendo um projeto que criar uma rota turística em Icó e cidades vizinhas.
"A intenção é atrair moradores da região e massificar, junto à nossa população, o quanto importante é termos um Sítio tão rico como este. Essa rota está em vias de conclusão. Devemos lançá-la ainda neste ano", projeta Cláudio Pereira.
Essa preocupação de "ampliar a proteção para preservar a memória" também é destacada pela Coordenação de Fomento e Incentivo à Cultura. Em nota, o órgão pontuou que "a descaracterização de muitos espaços e a perda irreversível e irreparável fez desaparecer muitos desses potenciais exemplares".
"Há uma riqueza cultural e histórica relevante no Ceará, mas esse fato não se materializa nos espaços urbanos e rurais com a mesma frequência na paisagem, pois poucos são os testemunhos materiais edificados conhecidos que perseveraram com o passar do tempo e que ajudam hoje o reforço à imagem de um conjunto edilício preservado, íntegro, coeso e harmônico nas cidades cearenses', acrescentou.
Ainda conforme a Secult, o principal gargalo existente para a ampliação destes leque de locais preservado reside no "avançado grau de descaracterização e de desfiguração e a grande heterogeneidade das arquiteturas existentes nas cidades cearenses que não possibilitam a identificação de conjuntos urbanos em de seu acervo".
"Ou seja, há de se considerar o estado da qualidade arquitetônica, do nível de preservação e da integridade espacial e paisagística do espaço urbano, inclusive para o planejamento urbano, para se tombar imóveis isolados ou em conjunto em suas respectivas esferas governamentais", concluiu a pasta.
Conheça alguns dos locais que compõem o Sítio Histórico de Icó
- Teatro da Ribeira dos Icós: Primeiro a ser construído no Ceará, o prédio foi tombado em 1983 pelo Estado como patrimônio histórico e artístico. Erguido em 1860, no centro de Icó, sua inauguração só viria a ocorrer, de forma oficial, quase um século e meio depois, em 2005. Antes, porém, o local passou a ter inúmeras utilidades, dentre elas, serviu como espécie de um hospital, para acolher vítimas da cólera.
- Casa de Câmara e Cadeia de Icó: Construída na segunda metade do século XVIII, foi uma das mais seguras cadeias de sua época, conforme relato de memorialistas. O prédio possui dois pavimentos. No andar superior funcionou a Câmara e no térreo a Cadeia Pública.
- Igreja de Nossa Senhora: Foi edificada na Vila do Icó, por volta do ano de 1750, durante o Brasil Colônia. A construção possui uma imponente escadaria em tijoleira e ficou conhecida como Igreja do Monte. Do local é possível observar o Vale do Salgado onde está a cidade de Icó.
- Largo do Theberge: Já foi considerado uma das maiores praças do Brasil, com cerca de 50 mil m³. Ao redor do Largo do Theberge estão três Igrejas Católicas: Matriz de Nossa Senhora da Expectação, Senhor do Bonfim e São José.
- Outros pontos são o Sobrado do Canela Preta e as ruas Dr. Inácio Dias, Ilídio Sampaio, Regente Feijó, Frutuoso Agostinho e 7 de Setembro. Dentre os bens imateriais, estão a Romaria de Senhor do Bonfim, lendas e artesanatos.