Viúva de Sérvulo Esmeraldo critica tratamento dado à obra pública 'Quadrados' instalada na UFC
A escultura foi produzida em 1987 a pedido da Universidade Federal do Ceará; em 2019, uma obra de requalificação da praça onde está instalada afetou a visibilidade
Há mais de 30 anos, a entrada do Campus do Pici da Universidade Federal do Ceará (UFC) pela Av. Humberto Monte recebeu uma movimentação incomum e permanente: a escultura ‘Quadrados’, do cratense Sérvulo Esmeraldo (1929-2017). No entanto, desde que foram instalados e requalificados os abrigos de paradas de ônibus no local, a visibilidade da estrutura foi comprometida, de acordo com Dodora Guimarães, viúva do artista e presidente do Instituto Sérvulo Esmeraldo.
O impasse, segundo ela, vem desde 2011, quando Sérvulo ainda estava vivo. Na época, Dodora e Sérvulo acompanhavam um crítico de arte que veio a Fortaleza para conhecer as esculturas públicas do cearense enquanto escrevia sobre a obra de Sérvulo para um livro. “Quando chegamos no campus nos deparamos com aquele monumento nessa situação. Esse mobiliário foi colocado desrespeitosamente na frente de uma obra de arte”, relata Dodora.
Produzida em 1987 a pedido da Universidade, a obra em questão é feita de aço e possui uma cinemática peculiar, como explica a curadora. “É um monumento que oferece uma leitura dinâmica da geometria. Ao passar na avenida Humberto Monte, você tinha um cinema daquela escultura, pois ela se modifica ao olhar conforme você vai se movimentando, ela tem um movimento diferente. E esses abrigos tiraram essa possibilidade da obra”.
A partir disso, eles se prontificaram para solicitar o deslocamento dos abrigos. Inicialmente, Dodora conta que entrou em contato com a UFC, a qual informou que tal solicitação deveria ser feita com a Prefeitura de Fortaleza. “Escrevi um ofício para a Prefeitura e recebi uma resposta me informando que quem havia solicitado aqueles abrigos tinha sido a universidade, então quem deveria fazer a solicitação era a UFC, não o Instituto Sérvulo Esmeraldo”, afirma.
Em 2019, Dodora tentou contato novamente com a UFC e solicitou uma audiência com o reitor Henry de Holanda Campos, na gestão da época, mas não obteve resposta.
Obra de requalificação
Naquele mesmo ano, ela recebeu via Instagram uma imagem de como estava a situação ao redor da escultura, uma vez que, por meio de um convênio entre a Prefeitura e a Universidade, foi feita uma obra de requalificação da praça Prisco Bezerra, onde está implantada a escultura ‘Quadrados’. O novo equipamento foi entregue em novembro de 2019.
Após receber a imagem, Dodora se reuniu com a Secretaria Municipal da Cultura (Secultfor) para explicar a situação e a importância da escultura.
“Vi a construção dos novos abrigos de ônibus e o que era ruim, ficou pior ainda. O Sérvulo dizia que aqueles quadrados eram molduras para as árvores do local. Ele não queria fazer nada que comprometesse a visibilidade delas, por isso, a estrutura era vazada”.
Além disso, Dodora pontua que, com a reforma da praça, foi feito um restauro de forma incorreta da obra. Segundo a curadora, rasparam a estrutura para retirar ferrugens, usaram tinta inadequada para a pintura. “Simplesmente deram uma demão de tinta a óleo e pintaram a base de azul, foi feito da maneira mais leviana possível. Fizeram ainda um jardim em volta, as plantas precisam ser regadas e isso vai comprometer ainda mais a estrutura. Estão encurtando a vida de uma obra de arte”, lamenta.
“É muito triste, porque é um patrimônio que é de todos. Não é uma escultura do Sérvulo, é da cidade. Faz parte do nosso patrimônio histórico, artístico e também afetivo. Vamos lutar pelo nosso patrimônio, a arte humaniza nossa cidade”, acrescenta Dodora.
Contato atual
Com novas gestões em ambas as Instituições envolvidas, Dodora relatou à reportagem que Elpídio Nogueira, atual titular da Secultfor, enviou uma mensagem se comprometendo a resolver essas questões e informando que o prefeito Sarto Nogueira também está a par da situação.
Além dele, o reitor da UFC, Cândido Albuquerque, também está empenhado em resolver o deslocamento dos abrigos. “Já assumi o compromisso de tentar resolver o problema e o farei dialogando. O momento - COVID - é delicado, mas estou seguro de que conseguiremos”, escreveu no Facebook.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, o professor do departamento de Arquitetura e Urbanismo Romeu Duarte Júnior, coordenador do Comitê de Patrimônio Cultural (COMPAC) da UFC, explicou que, ainda na época da reforma, o COMPAC emitiu parecer para argumentar acerca dos abrigos de ônibus para a direção da UFC e para a Prefeitura.
“Estivemos lá para fazer uma análise com os técnicos da universidade e da prefeitura. Relatamos que a escultura teria perda tremenda de visibilidade por ser feita com uma técnica de cinética, mas, como talvez fosse num momento de transição da gestão da reitoria, deve ter havido alguma dificuldade nesse sentido”, conta Romeu.
Para o professor, considerando a estrutura da praça e a da logística, não deveria ter a estrutura ali, uma vez que a poucos metros há outras paradas de ônibus também na Av. Humberto Monte. “Não precisa ter um abrigo ali na frente, pois isso afeta a qualidade artística da escultura”, acrescenta.
Romeu pontua ainda que espera que haja um acordo entre a Universidade e a Prefeitura para que a situação seja resolvida. “Espero que valorizem a praça, mas sem prejuízos para a escultura de Sérvulo Esmeraldo, que é um dos maiores nomes da arte do País”, conclui.
Por sua vez, a Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal da Gestão Regional (SEGER), reiterou que a reforma foi realizada atendendo uma solicitação da UFC, como resultado de um projeto enviado pela própria universidade à Prefeitura.
"Quanto à parada de ônibus, a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor) explica que a localização do ponto seguiu os critérios da ABNT, que exige o mínimo de 2 metros de calçadas disponíveis para instalação, tendo em vista que a parada atende, aproximadamente, 40 mil passageiros", informou por nota.
"A Prefeitura enfatiza ainda que o terreno e a obra artística do artista Sérvulo Esmeraldo são pertencentes à universidade e, portanto, cabe à instituição decidir sobre a retirada ou não da estrutura da parada de ônibus do local. A Prefeitura informa que, caso a estrutura seja retirada, instalará um novo abrigo comum em local próximo, sem prejuízo aos passageiros", concluiu.