Suspensão corporal: conheça prática que utiliza perfurações na pele como forma de arte e conexão

Em Fortaleza, a prática começou a se fortalecer no ano passado, com a pesquisa inédita que originou o projeto "Matéria Suspensa"

Escrito por
Ana Beatriz Caldas beatriz.caldas@svm.com.br
(Atualizado às 13:29, em 08 de Julho de 2024)
Cena do espetáculo
Legenda: Cena do espetáculo "Matéria Suspensa"
Foto: Micaela Menezes/Divulgação

Conexão espiritual, alívio de dores emocionais, desafio físico, performance artística e até fetiche: muitas são as razões para praticar a suspensão corporal, técnica que utiliza ganchos e perfurações na pele para elevar o corpo e levá-lo ao limite.

Apesar de existirem poucos registros sobre a origem da prática, documentos históricos e obras de arte demonstram que ela surgiu há centenas de anos, quando era utilizada em rituais de povos hindus e algumas etnias indígenas norte-americanas, como os Mandan.

Na história moderna, a experiência foi inserida na contracultura na década de 60 pelo artista Fakir Musafar, tornando-se interesse de amantes de modificações corporais, como tatuagens, escarificações (cicatrizes feitas por meio de pequenos cortes) e outros procedimentos estéticos – mas seguiu restrita a pequenos grupos, que comumente se interessam e aprendem sobre o assunto principalmente em páginas da internet.

Grupo No Barraco da Constância Tem!, responsável pelo espetáculo
Legenda: Grupo No Barraco da Constância Tem!, responsável pelo espetáculo "Matéria Suspensa"
Foto: Micaela Menezes/Divulgação

Em Fortaleza, há relatos de praticantes e eventos relacionados à suspensão corporal desde meados dos anos 2000. No entanto, as sessões costumavam ocorrer apenas quando artistas de outros estados vinham para a Capital para realizá-las. Desde o ano passado, porém, um grupo de artistas decidiu pesquisar, a partir da performance e da dança, o que pode dizer um corpo “em estado de suspensão” – fazendo com que a prática ganhe mais popularidade entre os cearenses.

Durante sete meses, os artistas Georgia Vitrilis, Sarah Nastroyanni, Breno de Lacerda, Felipe Damasceno, Honório Félix e William Pereira Monte uniram teoria e prática para investigar as narrativas do corpo na suspensão corporal. O grupo teve como tutor o artista plástico e performer Guilherme Peters (SP)

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Ensaios para o espetáculo utilizaram técnicas de amarração com cordas
Legenda: Ensaios para o espetáculo utilizaram técnicas de amarração com cordas
Foto: Micaela Menezes/Divulgação

O projeto Matéria Suspensa, desenvolvido na 11ª edição do Laboratório de Dança da Escola Porto Iracema das Artes no ano passado, desenvolveu uma pesquisa que resultou em uma oficina, ministrada pelo artista Pombo Morcego (SP), e um espetáculo cênico sobre o assunto – mas, mais do que isso, posicionou a Capital na rota de expoentes da suspensão corporal, que ainda é muito restrita ao Sudeste do País, explica a artista, pesquisadora e educadora Sarah Nastroyanni.

Não tem tempo mínimo ou máximo para a duração [da suspensão], até onde se sabe. Na cerimônia mandan chamada o-kee-pa, por exemplo, as pessoas ficavam suspensas por horas, em transe.
Sarah Nastroyanni
Artista

Sarah, que integra o grupo à frente do projeto, explica que a possibilidade de ampliar o olhar sobre a suspensão corporal é resultado de políticas culturais mais fortes e descentralizadas. “Com a retomada do Ministério da Cultura, o contexto está bastante favorável à descentralização da cultura, fortalecendo as iniciativas oriundas do Norte e Nordeste”, explica. 

“A tendência é que, por consequência, a produção artística se complexifique ao ponto de estreitar temporalidades distintas, por exemplo, entre as dimensões performativas e ritualísticas da suspensão corporal”, completa.

Espetáculo cênico
Legenda: Espetáculo cênico "Matéria Suspensa" esteve em cartaz no Teatro Dragão do Mar
Foto: Micaela Menezes/Divulgação

A própria Sarah começou a praticar a suspensão corporal a partir da elaboração do Matéria Suspensa. Interessada nos aspectos estéticos e tecnológicos da prática, ela destaca que são muitas “as possibilidades de movimentação, gesto, expressividade, narrativas e poéticas oriundas do corpo em estado de suspensão”.

Durante a pesquisa, o grupo buscou entender como a linguagem do corpo – muito presente nas artes cênicas, como dança, circo e performance – se desenha na prática da suspensão corporal, utilizando também técnicas Shibari (amarração com cordas).

Apesar do estigma que ainda envolve ambas as práticas, Sarah destaca que o espetáculo cênico homônimo que resultou do projeto –  em cartaz no Teatro Dragão do Mar durante o mês de abril – foi bem recebido pelo público. “A ficção tem esse poder de extravasar situações condenáveis”, pontua a artista.

Prática pode ser utilizada para lazer, mas necessita de cuidados

A tatuadora Hanna Barbosa é entusiasta de modificações corporais
Legenda: A tatuadora Hanna Barbosa é entusiasta de modificações corporais
Foto: Arquivo pessoal

Foi por meio do Matéria Suspensa que a tatuadora Hanna Isabelle Barbosa, 21, conseguiu realizar o sonho de se suspender pela primeira vez. Apaixonada por modificações corporais, ela já havia realizado diversos procedimentos considerados extremos – tatuagens nos olhos, bifurcação da língua, cortes nas orelhas e escarificações –, mas ainda não tinha tido a oportunidade de presenciar suspensões ao vivo.

“Era uma coisa que eu sempre pensei em fazer, sempre tive interesse e gostei muito”, destaca a jovem, que, além de tatuar, também realiza procedimentos de escarificação.

As pessoas que a gente gosta, que convivem com a gente no cotidiano e tal acham normal, né? Porque a gente acaba mostrando que é uma coisa normal, que é uma coisa legal e divertida. Mas quem está de fora ainda acha que é loucura, então ainda tem muito preconceito."
Hanna Barbosa
Tatuadora

Para Hanna, suspender o corpo – e todo o processo que antecede essa prática, que inclui a preparação física e mental para as perfurações – tem diversos significados, do alívio de dores emocionais à diversão. 

“Vejo como uma conexão espiritual, mas quando eu estou suspensa, dependendo da posição, é muito divertido. Então, às vezes, é só para se divertir”, explica. “Mas posso estar ali me conectando espiritualmente, vendo os limites do meu corpo, até onde ele vai. É uma junção de tudo isso”, completa.

Ainda assim, Hanna ressalta que é preciso cuidado ao decidir realizar a prática. Ela, que já se suspendeu quatro vezes no último ano, conta que escolhe momentos marcantes e pessoas de confiança para realizar as suspensões – afinal, o procedimento pode envolver riscos.

“As pessoas que fazem estudam bastante para poder fazer. Antes é feita a limpeza da pele, a marcação para ficar simétrico, dependendo de quantos pontos a pessoa fizer no corpo, quantos furos ela fizer. E tem os locais específicos que podem ser furados, não é qualquer local. Dependendo de onde for, pode ter o perigo de rasgar”, destaca.

A tatuadora, no entanto, acredita que “todo mundo pode se suspender”, independente de idade ou gostos pessoais, e vê a prática como algo cultural. Para quem deseja conhecer o mundo da suspensão corporal, ela indica o contato com pessoas que têm o mesmo interesse. “Acho que tem que falar com uma pessoa que faz, porque não é uma coisa muito divulgada”, pontua.

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