Repente é reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro

Herança árabe, arte floresceu no nordeste brasileiro e agora tem título concedido pelo Iphan

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Legenda: Cordelistas e repentistas se juntaram na primeira edição da Mostra Sesc de Culturas Sertão Central, em Quixeramobim
Foto: FOTO: JR. PANELA

Popular e considerada uma rica manifestação da arte nordestina, o Repente foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. O título foi concedido pelo Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na manhã desta quinta-feira (11), após reunião em Brasília.

Veja também

Assim como a Literatura de Cordel, cujo título foi concedido em 2018, o Repente passa a ter registro assegurado pelo Instituto. O processo começou em 2013, após solicitação apresentada pela Associação dos Cantadores, Repentistas e Escritores Populares do Distrito Federal e Entorno (Acrespo), sediada no Distrito Federal.

O reconhecimento atende a luta de repentistas, que se manifestaram via abaixo-assinados e depoimentos de apoio ao título de bem cultural imaterial. O dossiê técnico apresentado ao conselho traduz o longo trajeto de pesquisa realizada em parceria com Iphan e a Universidade de Brasília (UnB).

O estudo foi coordenado pelo antropólogo e professor do Departamento de Antropologia da UnB, João Miguel Manzolillo Sautchuk, cuja tese de doutorado desbravou o gênero nordestino. A equipe multidisciplinar responsável pelo levantamento incluiu historiadores e pesquisadores da literatura.

"Não foi somente para dizer o que é o Repente. É pesquisa que tem a característica de mostrar a pluralidade e riqueza do Repente no Nordeste e outras regiões do País. Está ligada à presença dos nordestinos no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais. Não só dos poetas como dos públicos de nordestinos que foram viver nestas regiões", descreve Sautchuk.

Processo 

O estudo apresentado ao Iphan estabelece também um rico mapeamento dos cantadores. Outro objetivo dos pesquisadores foi motivar a mobilização, discutir com os repentistas o que seria importante para indicar ao Iphan no tocante a políticas de salvaguarda do Repente.

As primeiras discussões para o andamento do registro acontecem em 2009, após um evento que reuniu repentistas em Brasília.  Essas conversas iniciais também tinham participação de cordelistas. Apesar das trocas, por serem artes diferentes, cada classe e categoria de poetas ficou de se organizar e fazer esse pedido junto ao Iphan.

Os trabalhos começaram em 2015 e atenderam duas etapas. A primeira entre 2015 e 2016 e posteriormente entre 2017 e 2019. O relatório foi concluído em 2020 após mergulhar nesta manifestação cultural por diferentes cidades do Nordeste.

"Outro importante aspecto do registro do Repente é incluir outras manifestações poéticas no Nordeste como bens culturais associados e que tem uma história de troca, diálogo e influências múltiplas com o Repente. É o caso do coco de embolada, o aboio, a declamação, a glosa e a poesia de bancada", completa o pesquisador.

Futuro

Conversamos com um dos mais importantes nomes da cantoria em atividade, o Mestre da Cultura Geraldo Amâncio espera que o registro junto ao Iphan simbolize a chegada de melhores dias para os poetas. "Torço para que tudo possa dar certo. Será que através disso, tornar-se o Repente Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, nós vamos ter apoio para nossos festivais? Sem Ministério da Cultura temos que esperar para ver o que no futuro vai acontecer", avalia o cantador.

À frente da Associação dos Cantadores do Nordeste (ACN), que figura entre as mais antigas entidades voltadas a esta arte, Geraldo Amâncio espera que o título abra os olhos da mídia e que esse ganho melhore a situação dos artistas que não tem sido fácil. 

Para Mestre da Cultura, Geraldo Amâncio, fica a expectativa de mudanças
Legenda: Para Mestre da Cultura, Geraldo Amâncio, fica a expectativa de mudanças

"O Repente pelo que nos estudamos aqui no Brasil tem em torno de 170 a 180 anos. No mundo ele é milenar. Vem dos antigos califados árabes. Com essa demora toda e agora o reconhecimento, esperamos que realmente possamos mudar a imagem do Repente que é a arma maior da cantoria", defende o violeiro, poeta e escritor.

Destaque na nova geração de repentistas do Ceará, o cantador urbano Guilherme Nobre descreve que o reconhecimento traz importância sem limites. Pode abrir espaço para mais investimento e um olhar mais atuante à cantoria. "A maioria dos cantadores vive exclusivamente da cantoria, inclusive eu. Nós não ocupamos outras atividades porque temos que ficar a postos para atender essa demanda. A cantoria está atuante como nunca no Ceará, observa.

O poeta e também cordelista descreve que os cantadores, do momento que iniciam suas carreiras como repentistas até o dia de sua morte, são completamente atuantes.

"O público da cantoria sustenta os seus cantadores até o último dia. E quando partem ficam sendo lembrados por um longo período. Coisa que dificilmente acontece com outras manifestações. No mercado fonográfico, cantores são esquecidos facilmente. Ondas de sucesso passam, mas os cantadores não. Essas ondas são permanentes e o povo abraça. E a tendência é se fortificar ao longo do tempo", descreve. 

Para João Miguel Manzolillo Sautchuk, o título junto ao Iphan traça novas perspectivas. "Olhamos com muita esperança. A preocupação não é o fomento de novos repentistas. É como reproduzir e expandir os públicos da cantoria. Talvez, esse seja o desafio. Como manter o público que a sustente tanto como arte quanto cantoria".