Primeiro livro nacional de ficção científica é cearense: conheça as mulheres que mudaram a imprensa

As histórias de Emília Freitas, Henriqueta Galeno, Francisca Clotilde e Alba Valdez são contadas em livro lançado neste sábado (2), em Fortaleza

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Heloísa Vasconcelos é autora do livro que atravessa histórias tão inspiradoras quanto urgentes
Foto: Daniel Firmino

O primeiro livro brasileiro de ficção científica. Um romance sobre divórcio lançado antes de leis acerca da prática. Obras escritas no século XIX traduzidas para várias línguas. A criação de um veículo de comunicação em tempos remotos. Esses feitos foram realizados por cearenses. Melhor: por mulheres.

São elas as protagonistas de “Ipomeias: Mulheres do Século XIX na Imprensa Cearense”, obra lançada neste sábado (2), a partir das 15h30, na Casa de Juvenal Galeno. Escrita pela jornalista Heloísa Vasconcelos, é um tesouro. Nas páginas, fatos e curiosidades acerca da vida de quatro figuras cuja atuação revolucionou o jornalismo do Estado.

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Emília Freitas, Henriqueta Galeno, Francisca Clotilde e Alba Valdez colaboraram de forma muito própria para que a sociedade avançasse em amplos aspectos, sobretudo entre as letras. Além de inspirar, conhecer a trajetória delas projeta na contemporaneidade a urgência de não deixar o legado sumir e ir cada vez mais fundo na valorização dessas figuras.

“Foram mulheres extremamente relevantes nesse período da História – século XIX e início do século XX. Elas realizaram as primeiras publicações”, situa Heloísa. Emília Freitas, por exemplo, é quem escreveu aquele que é considerado o primeiro romance brasileiro de ficção científica, “A Rainha do Ignoto”.

Legenda: Francisca Clotilde escreveu o romance “A Divorciada”, lançado 75 anos antes de sequer ter uma lei de divórcio no Brasil
Foto: Divulgação

A narrativa imagina uma comunidade utópica na qual as mulheres dominam as ciências, têm habilidades sobrenaturais e combatem o mal, tudo sem interferência masculina. O enredo da ginecocracia ficcional, pioneira em vários sentidos, também é considerado o primeiro texto longo de realismo fantástico brasileiro. “É fantástico mesmo”, ressalta Heloísa.

Francisca Clotilde foi outra revolucionária. Desenvolveu o romance “A Divorciada”, lançado 75 anos antes de sequer ter uma lei de divórcio no Brasil. Também participou intensamente da imprensa, e é a autora que mais publicou no século XIX e na primeira década do século XX em meio a um cenário quase exclusivamente masculino. Os textos aparecem em jornais como A Quinzena, O Libertador, Gazeta do Norte e A Evolução – da qual é co-fundadora.

Entre mulheres

Alba Valdez seguiu no mesmo fluxo de Francisca: outra pioneira. Foi a primeira mulher a ingressar na Academia Cearense de Letras. Nascida Maria Rodrigues Peixe, escreveu livros que chegaram a ser traduzidos para outros idiomas, vide o peso de cada texto e a capacidade de chegar a mais culturas.

Por fim, Henriqueta Galeno igualmente não parou. Criou um jornal para permitir que mulheres fossem publicadas e idealizou a ala feminina da Casa de Juvenal Galeno, pai dela. O espaço oportunizou que mulheres se reunissem e escrevessem livremente. 

“Assim, essas mulheres têm muita relevância em nossa história. Importam para eu ter chegado ao meu ofício como jornalista e para tantas que vemos hoje chegando a lugares antes nunca imaginados”, celebra Heloísa. “Quero que elas sejam reconhecidas. Que, assim como sabem quem é José de Alencar e Antônio Sales, saibam quem é Emília, Alba, Francisca”.

Legenda: Criou um jornal para permitir que mulheres fossem publicadas e idealizou a ala feminina da Casa de Juvenal Galeno, pai dela
Foto: Divulgação

Um desejo germinado durante a graduação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará e florescido a partir de intensa e cuidadosa pesquisa. Heloísa – natural de São Paulo e naturalizada cearense – conta que, durante uma disciplina de História do Jornalismo Cearense, incomodou muito o quanto praticamente não havia mulheres na lista.

A ideia seguinte foi ir a campo procurá-las. “É muito difícil ter documentos históricos falando sobre essas mulheres. Emília de Freitas, inclusive, até hoje é uma pessoa sem foto, não sabemos como é o rosto dela”. Como forma de reparo histórico, a capa do livro traz, então, os rostos das quatro perfiladas.

Legenda: Capa do livro de Heloísa Vasconcelos recria os rostos das perfiladas na obra por meio de ilustração
Foto: Divulgação

O título da publicação é outra provocação. Segundo a autora, ipomeias são espécie de flor considerada erva-daninha. Na obra, a metáfora serve para alocar as protagonistas exatamente como esses espécimes, chegando a locais onde não queriam que elas chegassem e se espalhando pelos quatro ventos na sociedade, tais quais ervas-daninhas.

“Foi um trabalho de pesquisa bastante extenso com o objetivo de descobri-las e descobrir mais sobre elas. É muito difícil conseguir informações com pouca ou nenhuma documentação. E, quando não se tem documento, acaba que a História vai se esvaindo. Se não tiver esse trabalho de recuperação, ela se perde”.

Mais próximo delas

Não à toa, o foco da publicação é aproximar as quatro pioneiras do público. “Ipomeias” é narrado em forma de contos, com linguagem literária, dissolvendo quaisquer barreiras de entendimento. Fica fácil para mergulharmos, com profundidade, na vida e na obra daquelas que seguem transformando tudo.

“Claro que hoje ainda existem muitos desafios. Nós, mulheres jornalistas, ainda sofremos assédio, silenciamento, machismo. Ao mesmo tempo, acredito que caminhamos muito do século XIX pra cá, e ainda temo muito pra caminhar. Tudo isso me deixa muito inspirada e é um trabalho que segue com todas nós”.

Legenda: Natural de São Paulo e naturalizada cearense, Heloísa Vasconcelos conta que, durante uma disciplina de História do Jornalismo Cearense, incomodou muito o quanto praticamente não havia mulheres na lista
Foto: Daniel Firmino

Por sinal, tem outro fato bonito para comemorar no lançamento de “Ipomeias”: os 10 anos da editora Substânsia, por onde o livro é publicado. A casa iniciou as atividades em 2014 com o intuito de publicar livros de autores contemporâneos dos mais variados gêneros, gerenciada pelos poetas Madjer Pontes e Talles Azigon e pelo design Daniel Firmino.

Nessa primeira década publicou mais de 90 títulos, tornando-se também, assim como as Ipomeias do livro, personagem importante da literatura cearense contemporânea. As comemorações se prolongam por todo o primeiro semestre, com novidades, lançamentos, eventos e atividades especiais. 

 

Serviço
Lançamento do livro “Ipomeias: Mulheres do Século XIX na Imprensa Cearense”, de Heloísa Vasconcelos
Neste sábado (2), a partir das 15h30, na Casa de Juvenal Galeno (R. Gen. Sampaio, 1128 - Centro. Preço: R$ 60 (desconto 20% na pré-venda até 1º de março). Mais informações pelas redes sociais da editora

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