Paulo Betti apresenta monólogo em Fortaleza sobre a própria história: ‘Inevitável contá-la’
Em cartaz de 26 a 28 de julho na Caixa Cultural, espetáculo atravessa diferentes personagens e períodos da vida do artista cujo sonho é não parar de atuar
“Tô numa lua de mel comigo mesmo”, confessa Paulo Betti ao telefone. Faz sentido. Ao percorrer o Brasil com “Autobiografia Autorizada” – montagem na qual, desde 2015, o ator conta a própria história no palco – é frequentemente abordado para dividir carinhos e fotos com admiradores.
“Até me ofereço para fazer as fotografias porque sei que estou levando um pouco de alegria para aquele momento da vida da pessoa, pelo trabalho que realizei, pelas comédias que fiz e elas deram risada”. O tom cômico, por sinal, cobre metade do espetáculo, em cartaz na Caixa Cultural Fortaleza entre 26 e 28 de julho. As outras fatias correspondem ao drama e à poesia – mistura boa e, não sem motivo, aplaudida.
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É que, ao rememorar a própria trajetória, o artista o faz com a generosidade de quem divide pedaços preciosos do íntimo. Coisas pequenas, mas muito particulares: o trejeito do avô ao falar com cachimbo na boca, o tom de voz do pai, o modo de andar da mãe. Um caleidoscópio afetivo que atravessa o palco por meio de diferentes interpretações.
Betti incorpora cada persona sozinho, lançando mão de gestos, brinquedos e todo um arsenal de artefatos para dar a real dimensão do que se passava com ele desde a infância até a vida adulta. “É uma autobiografia, mas também é ficção – afinal, quem vai dizer que foi daquele jeito que eu nasci, que aquelas eram minhas irmãs, que aquele era o carro do médico?”, diz.
Em resumo, Paulo saiu de um contexto rural, filho de uma camponesa analfabeta que se tornou empregada na cidade e neto de um imigrante italiano que trabalhava como meeiro para um fazendeiro negro. Décimo quinto rebento, conseguiu superar as adversidades, chegou a estudar em boas escolas e, pouco a pouco, consagrou-se no teatro, no cinema e na TV.
Para o ator, ao ser questionado se contar a própria história é exercício fácil ou difícil, a melhor resposta é que é inevitável revisitá-la. “A vida da gente está todo tempo permeando nossa realidade. Nosso passado está sempre presente e se projeta também para o futuro. Então, para mim, sempre foi muito natural vivenciar uma autobiografia. O difícil foi torná-la uma peça e expor tudo claramente no palco”.
Em família
Juliana Betti e Rafael Ponzi logo dirimiram esse desafio. Diretores do monólogo, a filha de Paulo e um dos amigos dele são responsáveis por conduzir no palco a vontade sempre latente do ator de se apresentar sozinho – fruto da eterna admiração por nomes como Paulo Autran, Procópio Ferreira e Paulo Goulart. “Mirava neles”.
Sendo assim, uma manta sonora encorpada – captando desde o som dos pássaros ao ruído de crianças – e fartura de projeções dão conta de alargar aspectos relevantes do trajeto do artista, beneficiadas pela intimidade de ambos os diretores com o texto. Enquanto Rafael Ponzi colabora sobretudo com a parte técnica, Juliana Betti foi a primeira a ouvir o roteiro.
“Foi para ela que li pela primeira vez o monólogo. Quando acabou, ela amou e estava também muito surpresa. Aguentou firme durante a leitura e, no final, disse: ‘Nossa, pai, a maioria das coisas que você está dizendo eu não sabia’. Por isso teve uma participação decisiva na ajuda de várias escolhas, do que era mais interessante colocar”.
Outro ponto essencial foi o fato de Betti sempre gostar de anotar tudo. Considera-se um memorialista. Segundo ele, o que falta em criatividade, sobra em desejo de mergulhar naquilo que registrou em cadernos e agendas há 20, 30 anos. Não à toa, as rubricas se tornaram o principal mote para ir além do ofício de ator e desembocar também na prática de escritor.
“A memória é assim, ela vai te preenchendo. Aquelas faltas que existem no quebra-cabeça ou aquelas luzinhas que estão apagadas, de repente vão se acendendo e fica muito atrativo trabalhar com elas”, explica, mencionando o fato de alimentar uma coluna semanal em um jornal de Sorocaba durante 25 anos tendo como mote exatamente as notas de todo dia.
“Quando percebi que existiam alguns eixos da minha história que seriam menos apenas sobre mim, mas sobre coisas mais plurais, me fortaleci e decidi: vou fazer esse monólogo, será sobre minha família, e vai ser de um jeito positivo. Não é uma viagem psicológica tipo teatro americano dos anos 1940, em que conto as agruras das crises psiquiátricas do meu pai. Passo por isso, mas suavizando, dando um certo toque de humor”.
Dividir experiências
Todo esse cabedal de informações e experiências serão compartilhadas não apenas durante o espetáculo, mas em workshops realizados por Paulo na capital cearense. Este momento em específico é destinado a artistas e aspirantes das Artes Cênicas, com foco em interpretação para Teatro e TV. O objetivo é proporcionar contato com o tema por meio de noções de técnicas, ritmo e tipos de dramaturgia característicos dessas modalidades.
“Confesso que os workshops são a coisa que eu mais gosto de fazer – tanto ou mais do que a peça”, revela, uma vez já ter sido professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas. “É o encontro com a galera que é do meu gueto. Eles olham no meu olho e sei o que querem que eu faça”.
Como premissas, ele enfatiza sobretudo dois aspectos: para ser um bom ator é preciso tomar nota, trabalhar e encarar a burocracia; e também não ficar ausente diante de situações graves, sobretudo relacionadas à política.
“Você tem que se preocupar com a eleição para vereador, para prefeito, e você tem que ajudar a eleger pessoas sensatas porque é a partir do trabalho delas que haverá teatro ou não na sua cidade. Então, bicho, arregaça as mangas e atua também nessa área. Não dá pra ficar imóvel. Respeito quem fica, mas meu conselho é a minha trajetória. Minha história é de envolvimento e militância. E paga-se o preço por isso”.
Refletindo ainda sobre a dicotomia atores profissionais versus influencers nas produções audiovisuais contemporâneas – “sou tranquilo com relação a isso porque quem é do ramo fica e quem não é vai procurar ser outra coisa” – Betti adianta outros projetos para breve.
O novo filme da Turma da Mônica, o longa ítalo-brasileiro “Loucos amores líquidos”, uma nova adaptação da peça “O Mambembe”, de Artur de Azevedo, e a publicação do texto do espetáculo “Autobiografia Autorizada” estão entre eles.
São sinais claros de que o sonho do artista, aos 71 anos de idade, está se realizando dia após dia. “Quero continuar ativo e podendo atuar, tendo público, com as pessoas me prestigiando. Estou realmente encantado com a recepção que eu tenho tido em todos os lugares por onde tenho andado. Parece até uma calhordice falar, mas as pessoas me amam”, ri.
“Deve ter uns 10% que me odeiam – sei disso porque toda unanimidade é burra, já dizia Nelson Rodrigues. Mas, no momento, sou uma unanimidade”.
Serviço
Espetáculo “Autobiografia autorizada”, monólogo de Paulo Betti
De 26 a 28 de julho na Caixa Cultural Fortaleza (Avenida Pessoa Anta, 287, Praia de Iracema). Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada para clientes CAIXA e casos previstos em lei). Classificação indicativa: 12 anos. Inscrições para workshop com o ator no link que será disponibilizado no site da Caixa. Mais informações pelo site e pelas redes sociais do equipamento