Livro da poeta cearense Alana G. Alencar é resposta a questões abordadas em sessões de análise

“Metáforas de uma Análise” reúne uma diversidade de temáticas em travessia livre pelas diferentes paisagens existenciais da autora

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Nova empreitada poética de Alana G. Alencar é atravessada por minúcias e sutilezas que ecoam diretamente nos poemas, escritos em tom de confissão
Foto: Arquivo pessoal

O novo livro da poeta cearense Alana G. Alencar chegou às mãos deste que vos escreve como chegam os embrulhos mais preteridos. Havia um pacote, uma bela fita circundando-o e um sinete com a inicial do nome da escritora. Uma aura de deslumbre e mistério. Tão bem preparado, o invólucro automaticamente convidava a desbravar o que de tão precioso estava guardado ali. O que se revelava em fartas camadas de esmero e cuidado.

“Metáforas de uma Análise”, não sem motivo, pode ser lido assim, como um relicário. A obra é a mais recente travessia que Alana empreende pelo próprio eu, contornando uma diversidade de horizontes existenciais de modo a questionar-se e afirmar-se. Entender-se.

O livro foi uma resposta às minhas questões abordadas em sessões de análise e à minha própria condição de artista. Minha linguagem resiste a partir da metáfora, por isso o título”, explica.

O projeto surgiu logo após o lançamento de “Detalhes da Alma de Alguém”, publicado em 2017. De acordo com a poeta, a nova empreitada literária é totalmente atravessada por minúcias que ecoam diretamente nos poemas, escritos em tom de confissão. Tudo converge para que a audiência vá para além dos versos, abraçando o caráter extremamente simbólico que o trabalho possui.

“Em nenhum momento pensei no que dizer. Eu apenas disse, como numa sessão de análise, seguindo numa livre associação de palavras”, comenta a autora.

Esse fluxo pode ser conferido tanto na forma como os poemas estão divididos – em sessões, cada uma com um título diferente – quanto na própria maneira como eles são designados, identificados por uma numeração que transgride a ordem sequencial. Desta feita, se a primeira criação é o Poema 1124, a última é o Poema 2102, enquanto os do interstício apresentam-se como Poema 6114, Poema 0101, Poema 7899, e assim por diante.

Cada número, conforme Alana, faz referência a um elemento abordado, feito o segredo de um cofre. Pode ser uma data, um horário, um apontamento a algo ou alguém.

Reflexos

Por sua vez, as sessões foram concebidas em compasso de gerúndio, resultado das próprias sessões de análise realizadas pela autora. “São temas que me são caros... Resumem a minha exposição”, diz. Entre os títulos delas, estão “Entre o Peso e a Leveza das Palavras”, “A Intensidade da Metáfora”, “Diafragma” e “O Vômito”.

A que abre o livro intitula-se “A Dor do Verbo” e já chega coroada com as palavras do prólogo, responsáveis por atestar o componente íntimo da publicação. “A palavra é o que tenho de mais humano… jorra de mim o que desconheço”, considera Alana na primeira linha do texto, cujo princípio busca, nos distintos desígnios do escrever, um modo de estar e presentificar o mundo. 

Legenda: “Em nenhum momento pensei no que dizer. Eu apenas disse, como numa sessão de análise", explica a poeta sobre as criações do novo livro
Foto: Arquivo pessoal

São inúmeros os versos que pedem passagem para adentrar no mais profundo da alma. Em determinado instante, no Poema 2229, Alana assim brada: “e ressuscita-me a alma o simples beijo do incomum que chega”. Em outro, no Poema 8240, a poeta se questiona: “Onde deixo os grilhões?/ Onde encontro as chaves para libertar?”. Poesia para desaguar inquietações.

Algumas linhas são acompanhadas por singelas ilustrações, estas atravessando toda a geografia do livro. Junto às palavras, elas iluminam estados de expressiva melancolia e sensibilidade. Os artistas são os dois filhos de Alana – Benjamim, de 8 anos, e Pedro Antonio, que acabou de completar uma década.

“Achei que seria interessante pedir que eles desenhassem porque o infantil me importa. Porque ninguém entende melhor de metáforas do que a criança. Eu lia o poema para eles em voz alta, e o elemento que sobressaía virava mote para o nascer do desenho. Depois, eu mesma fiz a seleção daqueles desenhos que entendi necessários para estar no livro”, conta.

Ímpetos

Artista cuja pena afirma a todo momento que escrever é sobrevivência – saída à angústia e promotora de revoluções internas – Alana G. Alencar poetiza desde a adolescência, no alvorecer dos 12 anos. Ela recorda a leitura de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa (1888-1935), e o posterior pensamento: “É isso! Há uma saída... Eu sou poeta!”

“Nunca mais parei. Minha poesia vem crescendo comigo. Envelhecendo comigo. Se transformando à medida que eu me transformo. Não sou uma leitora voraz, sou uma poeta compulsiva. Minhas referências são tantas... Fernando Pessoa (sempre), Antônio Frota Neto, Belchior, Dimas Macedo, José Alcides Pinto, Freud, Florbela Espanca... Poderia escrever aqui uma lista gigantesca”, aponta.

Legenda: Alana G. Alencar é artista cuja pena afirma a todo momento que escrever é sobrevivência – saída à angústia e promotora de revoluções internas
Foto: Arquivo pessoal

A pluralidade de referências reside nos constantes passeios com a palavra que a cearense empreende. Outros livros publicados por ela foram “Trago do Verbo”, “Nunca Sei Dizer Direito” e o já citado “Detalhes da Alma de Alguém”. A forma como eles se sintonizam, segundo ela, é a partir da frequência de quem ela é, um ser em constante mutação. “São livros muito diferentes um do outro”.

“Sempre me senti desproporcional quanto ao sentir. Penso que sempre senti demais. Há uma inesgotável sensação de infinitude... que não explico. Na própria palavra, que é um arcabouço limitado, sobra o que ainda deve ser dito. A palavra não dá conta. Eu me sinto assim também. Meu corpo, por vezes, não dá conta da minha existência que transborda (por isso escrevo)”, considera.

Tal consideração chega à superfície quando é questionada sobre o componente do verso “E nesse meu imenso da alma… tudo sobra”, que antecede o início da primeira Sessão. Em semelhante movimento, ela analisa que, ao término da concepção de “Metáforas de uma Análise”, conseguiu perceber que os poemas diziam muito da melancolia que integra o livro, da eroticidade e do atrevimento que é poetizar. “Então... talvez... eu os tenha concebido a partir disso. Disso que me compõe”.

Alcance

Aos interessados em adquirir o livro, a compra é possível mediante contato com a própria autora (@alanagalencar, no instagram). Devido à Covid-19, ainda não houve um lançamento presencial da obra. Contudo, Alana gravou um vídeo de lançamento, disponível no YouTube

Na produção, poemas são declamados e intercalados com canções de sua autoria, interpretadas com alguns parceiros musicais, a exemplo de Marcelo Melo, Sérgio Cardoso, Karla Karenina e Thaynar Lima. “Espero fazer um lançamento presencial, sim! Com muita música e muito vinho!”, torce.

Até lá, os retornos que a poeta tem recebido sobre o projeto são positivos. Ela destaca um comentário em específico: “Adorei o livro, mas não entendi nada”. “Acho que isso é bom! Não é objetivo do poema ser entendido”, ri, enquanto reflete sobre uma das linhas da publicação, em diálogo frontal com o hoje pandêmico. Assim diz: “Cada verso assume a metáfora aparente/ e se completa à exigência de perfurar a realidade”.

“Penso que essa pandemia nos tem obrigado a refletir sobre uma série de questões. Às vezes, tenho a estranha sensação de que a realidade está a todo momento sendo vilipendiada. Então,  enquanto artista, é digno que eu não me permita naufragar nessa aclamação ao raso, ao medíocre; é meu dever fazer uso do que me é instintivo, a poesia, para suscitar questões que atravessam a existência humana. Seja para questionar a realidade, seja para servir de testemunho de acontecer numa metáfora”, situa.

Atualmente finalizando um livro de pequenos contos (“são diferentes dos poemas… não são urgentes”) e com outros vários projetos na mente, Alana, com este seu “Metáforas de uma Análise”, costura o ímpeto de escrever com a violência de existir, de adentrar os labirintos da alma, como bem descreve o filósofo e poeta Júlio César Soares no texto da quarta capa. Uma obra envolta em fascínio porque lapidada em inestimáveis pilares: a palavra, a vida.

Metáforas de uma Análise
Alana G. Alencar

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2021, 218 páginas
R$ 60


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