Filme da Barbie: o que explica o sucesso da boneca por mais de seis décadas?
Primeiro live-action da boneca loira estreia nesta quinta-feira (20) e resgata o sucesso sexagenário da Barbie
Ela é um brinquedo ícone. Marcou gerações, virou referência fashion, inspirou o universo lúdico de muitas crianças. Lançada pela Mattel em 1959, a Barbie mantém o sucesso desde seu lançamento e, agora, ganha o primeiro filme live-action.
Com Margot Robbie, Ryan Gosling, Dua Lipa, Simu Liu no elenco e direção de Greta Gerwig, o longa estreia nesta quinta-feira (20) sob grandes holofotes, olhares curiosos e altas expectativas de quem ama a Barbie. O hype foi tanto que, nas últimas semanas, as redes sociais vêm sofrendo uma overdose rosa.
Para além da expectativa de ver os bonecos ganhando vida, o filme reflete a longevidade que a Mattel, empresa criadora da Barbie, conseguiu estabelecer para o brinquedo. Neste ano, a Barbie completou 64 anos de muita reinvenção.
Veja também
Coleções colaborativas com marcas de moda, lanches pink, acessórios de Barbie, artigos para decoração de casa, foram vários os lançamentos divulgados na onda do filme. Todo esse universo cor-de-rosa tem até mesmo impactado no comportamento do público. É um grande objeto de desejo.
A especialista em marketing Rayssa Thomaz aponta que esse é um universo de marca muito bem construído e um grande case de branding. “Ela é esse fenômeno pela construção de imaginário, de lembranças e de memórias que ela gerou na vida dos clientes”.
“Isso foi construído a partir desse universo cor-de-rosa, do candy color, o brilho, a identidade visual da boneca é muito forte, o universo em que ela vive é muito forte. É uma marca muito bem construída até mesmo no cheiro, você imagina que a o cheiro da Barbie é aquele cheiro de plástico mais docinho que até se assemelha um pouco ao da Melissa".
Rayssa complementa que branding é lembrança, ou seja, o que marca a vida das pessoas, e isso foi feito por meio de um universo extenso, com bonecas variadas, carro, casa, cachorro, identidades, profissões, etc.
Ícone da moda
A boneca adulta que permitia brincar com looks e combinações diversas também se tornou um ícone fashion, refletindo o que estava em alta na década, fosse vestindo o twin-set de lã, a roupa fitness da década de 1980 ou o maiô listrado em preto e branco da primeira Barbie.
E não só isso, marcas de alta costura, como a Givenchy, Hervé Léger e Moschino vestiram coleções especiais da boneca. Em 2015, a Mattel lançou a linha Barbie Fashionista com um dos maiores catálogos da marca.
Margot Robbie soube usar bem dessa estratégia ao vestir releituras de looks icônicos nos eventos de divulgação do filme sob o styling do norte-americano Andrew Mukamal.
De acordo com Rayssa, a Barbie é, provavelmente, o primeiro contato de crianças com a moda, pois assim como a boneca sempre usou a moda como expressão, as crianças também, quando escolhem usar roupas estampadas dos personagens preferidos.
"E esse red carpet, todo esse buzz em cima dos looks da Margot Robbie tem tudo a ver com a nostalgia, porque ela tá usando looks de Barbies icônicas, o que mexe com a nossa memória, com o lado afetivo. É aquela boneca que eu brincava, que eu sonhava que ela era de verdade se tornando real”, acrescenta.
Referência de identidade
Quando criança, a empresária e cabeleireira Luana Muriel não tinha condições financeiras de ter a boneca, mas o desejo sempre existiu, é tanto que, quando começou ganhar dinheiro com o trabalho, foi em uma loja e comprou várias bonecas.
“Hoje, elas ficam expostas aqui no meu salão, são da nova geração que tem corpos, cabelos e corpos diferentes. É como um símbolo de diversidade, as crianças adoram porque tem Barbie de cabelo cacheado. Pergunto se querem uma Barbie pra acompanhar e elas escolhem e amam”, conta.
Por isso, para ela, ter a boneca é um símbolo de que ela pode ter as coisas que sonhou um dia, enquanto criança. “Não é um brinquedo barato e não era algo tão facilmente alcançado antes. E as que tinham, nos colocavam num padrão inexistente, especialmente no Brasil. Simboliza que o mercado está mudando. A passos lentos muitas vezes, mas está mudando”.
Além das características físicas, Luana destaca que o fato de a Barbie ter várias profissões é também uma forte influência para as crianças, de que elas podem, sim, fazer e ser o que quiserem.
“Eu tenho Barbies variadas e o meu público tem, geralmente, a minha idade. É um ponto de conexão entre mim e as minhas clientes. Além do que as crianças amam! É muito legal elas poderem se enxergar, de certa forma, numa Barbie cacheada ou de pele preta, por exemplo. Na nossa época, não existia nem salão para nós, cacheadas, nem Barbie, por assim dizer”.
A professora do Departamento de Administração da Universidade Federal do Ceará (UFC), Claudia Buhamra, é outra que só pôde ter Barbie na fase adulta. “Ela só chegou ao Brasil em 1982 e eu já tinha 20 anos nessa época. Foi só quando minha filha nasceu que eu pude brincar com a boneca”.
“Naquela época, eu já tinha concluído meu Doutorado e já trabalhava como professora na UFC, então pude me sentar pra brincar com ela sem toda a ansiedade de ter que conquistar coisas. Eu cobri minha filha de Barbies, tínhamos uma pequena coleção com mais de 70 bonecas”.
Padrão de beleza x inclusão
Se por tantos anos a Barbie representou o estereótipo do padrão de beleza ocidental – loira, alta, magra e de olhos azuis –, as últimas décadas trouxeram mais diversidade e representatividade para a boneca. Em 1960, a Mattel lançou a primeira Barbie negra e, em 1997, veio Becky, a amiga paraplégica que vinha em uma cadeira de rodas.
Desde então, o catálogo da marca ganhou novas silhuetas e características, além de outras etnias e culturas. Há a versão com vitiligo, de menor estatura, com penteado afro e com perna de prótese. Neste ano, foi lançada a primeira Barbie com síndrome de down.
Claudia destaca que as alterações culturais também ajudam no processo de sucesso da marca, já que causam mais identificação com o público.
"Nos Estados Unidos, a boneca tem mais seios e menos bumbum. A Barbie brasileira é o contrário, tem menos seios e mais bumbum. A japonesa tem pernas mais curtas e, nos países mulçumanos, elas usam o hijab. Há um respeito à religião e às culturas".
Dessa forma, a empresa tem que oferecer valor ao cliente, uma vez que ele também muda. “Como é que você oferece uma boneca pra crianças brincarem sabendo que daqui a dez anos essas crianças não serão mais usuárias do produto? Ela deixa o papel de usuária, mas passa ao papel de influenciadora da compra e decisória da compra e de compradora efetiva”.
Ou seja, essa linguagem de adaptação à realidade acompanha os movimentos de evolução da sociedade. O que será que vem nas próximas décadas?