Estudantes de cursos artísticos virtuais partilham experiências e situam interesse pelas formações

Entre as benesses e os desafios de se aprender remotamente, participantes ressignificam os momentos vivenciados em grupo tendo a arte como foco

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Ary Amorim assistindo a uma das aulas do curso 321 Escreva, ministrado pela professora e escritora Vanessa Passos: investimento na arte literária
Foto: Arquivo pessoal

Ary Amorim sempre nutriu a vontade de escrever um romance. Sabia a história que queria contar, possuía alguns rascunhos já feitos, porém desconhecia como fazer para lidar com todo esse material. Foi quando, mediante uma mudança de emprego e ganho de maior remuneração monetária, ela começou a fazer o curso 321 Escreva, ofertado pela professora, escritora e Doutoranda em Literatura Vanessa Passos.

Veja também

Iniciada em 2019, a formação passou a ampliar o alcance junto ao público durante o período de pandemia de Covid-19, influenciando pessoas a se debruçar sobre aquilo que gostariam de narrar para o mundo, feito aconteceu com Ary. “Quando comecei o curso, além das aulas a Vanessa me ofereceu uma consultoria, pois eu tinha sido umas das primeiras a me inscrever naquela turma. A partir daí, as coisas começaram a acontecer, uma vez que sentamos para planejar desde a escrita até a publicação do livro”, diz.

Em três meses, “A viúva Cabral”, obra de estreia de Ary em formato longo, estava pronto. A autora detalha que estabeleceu a meta de escrever de três a quatro capítulos por semana, e seguiu religiosamente o princípio. O livro é um romance de época ambientado no Ceará, numa cidade fictícia chamada Assunção – inspirada em Fortaleza do século XIX, no período da Bèlle Époque. 

Legenda: Capa do romance "A viúva Cabral", de Ary Amorim, escrito durante as aulas do curso 321 Escreva
Foto: Divulgação

“Com isso, uni a minha paixão por romances de época e o meu campo afetivo, Fortaleza. Dessa relação, saiu um lindo romance, cheio de referências da nossa cidade – desde o clima e os costumes até os equipamentos culturais”, descreve. 

O livro saiu em pré-venda por meio de financiamento coletivo em maio deste ano e, ao término da campanha, foi atingido um total de 101% da meta. “Começaremos a enviar para os leitores em setembro, portanto ainda é possível adquirir comigo, via Pix. Basta entrar em contato por meio do direct, no instagram @aryannamorim”.

Para a escritora, realizar um curso virtual de formação artística neste momento foi essencial para que ela se reconhecesse no ofício ao qual se dedica, percebendo que havia força no que escrevia e assumindo de uma vez por todas que quer fazer isso – talvez até viver desse trabalho um dia.

“Outra coisa que aprendi é que, para escrever um livro, é preciso muito mais do que inspiração. É necessário disciplina, constância e planejamento”, situa. “Para mim, o curso ter passado da modalidade presencial para a virtual só teve vantagens. Primeiro, com o contexto pandêmico, se a Vanessa não tivesse versatilizado o curso, eu não o faria tão cedo e, consequentemente, meu livro não seria publicado. Segundo, eu trabalho durante oito horas por dia e tenho uma filha de 2 anos, portanto meu tempo é bem escasso. Com o curso virtual, era possível assistir às aulas no meu horário de almoço e/ou depois da minha filha dormir”.
Ary Amorim
Escritora

Ela ainda sublinha que, para quem já possui certa maturidade acadêmica, a modalidade virtual pode ser uma aliada diante das muitas demandas assumidas durante o dia, oferecendo a liberdade de organizar o tempo de estudo. “Para nós que escrevemos, acho que vale muito a pena, já que além de assistir às aulas ainda temos que arranjar tempo para escrever. Assim, desde que seja um curso de qualidade, como é o caso do da Vanessa Passos, só há vantagens”, dimensiona.

Legenda: Para Ary Amorim, realizar um curso virtual de formação artística neste momento foi essencial para que ela se reconhecesse no ofício de escritora
Foto: Divulgação

Bordar a vida

Da tessitura das palavras para o correr dos dedos pelas linhas e agulhas. Foi por meio do curso de bordado ofertado pelo curso de Design de Moda do Centro Universitário Ateneu, em parceria com o Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ), que o professor, artista e escritor Dianton voltou a investir em um saber que há algum tempo já o acompanhava.

Entre os meses de junho e julho deste ano, ele aprofundou seus ainda tímidos conhecimentos na arte do bordado por meio da já referida formação e, ao término do curso, percebeu que o bordado está bordado em si. “Fui tomado, quero dizer”, explica.

Legenda: Ecobag produzida pelo artista, professor e escritor Dianton durante o curso de bordado ofertado pela UniAteneu, em parceria com o CCBJ
Foto: Arquivo pessoal

“Atualmente, continuo elaborando alguns trabalhos, uma coleção de bordados livres/criativos para uma marca – AzBee _ homens que bordam – criada por mim durante o curso de extensão de bordado”, completa. Não à toa, a celebração por ter participado dos momentos formativos. Segundo Dianton, aprendizados e compartilhamento de conhecimentos pautaram os encontros da turma.

Para além da aprendizagem de pontos básicos do bordado livre, uma coisa que chamou a atenção do artista foi a proposta de elaboração de produtos a partir dos pontos aprendidos. Assim, durante o curso foram elaborados flâmulas, porta-copos, broches, chaveiros, marcadores de página e ecobolsas, tudo sob a égide do bordado.

Legenda: Broche feito por Dianton: o bordado para além das aulas, também como fonte de renda
Foto: Arquivo pessoal

Para registrar os produtos confeccionados e possibilitar a montagem de um portfólio, a fim de apresentar as criações aos professores, houve ainda a elaboração de um pequeno estúdio fotográfico, algo que muito favoreceu a percepção de Dianton quanto às formações artísticas neste período de limitações.

“Quero pensar que o aprendizado do bordado em formato virtual pode ser viável sim, haja vista os inúmeros canais dedicados à arte no Youtube, por exemplo, com milhares de acessos e comentários positivos. Mais do que viável, creio que seja necessário para superarmos períodos difíceis e sombrios como o que estamos vivendo no Brasil e, particularmente, no Ceará. É insuportável viver sem criar. É insuportável viver sem a arte”.
Dianton
Professor, artista e escritor

Autoanálise e bem-estar

Seguindo o mesmo caminho da feitura artesanal, Nilda Soares participou do curso “Vivência de Mandalas - A criação de si através dos círculos sagrados”, ofertado pela artista e comunicadora cearense Camila Aguiar. O encanto pelo trabalho da criadora despertou em Nilda a possibilidade de também ingressar na seara, uma experiência que descreve como proveitosa pois repleta de descobertas pessoais.

“Gosto de desenhar e de pintar, e as mandalas chamavam muito minha atenção. Analisava os traços sem perceber o tempo. Para mim, foi um convite discreto para minha própria análise e bem-estar”, considera. A experiência partilhada em grupo, não sem motivo, rende até agora. Para Nilda, elaborar as mandalas representa um momento de silêncio, em que ela vive um estado de presença e contemplação do que vai criando.

“Hoje me sinto livre ao desenhar no papel, na madeira, em caixas e em tudo que tiver potência aos meus olhos. Inclusive, aprendi a contornar os desafios dos encontros remotos com essa análise diante da vontade de fazer acontecer. Com o curso online, tive acesso a uma ótima dinâmica e à convivência com outras pessoas sem sair de onde moro, João Pessoa (PA), enquanto a formação era realizada em outro Estado. Essa possibilidade é massa”.
Nilda Soares
Artista

Residindo no município de Pires Ferreira, interior cearense, Michael Marinho igualmente dimensiona a experiência de estar em um local distante da matriz do curso ofertado. No caso dele, foi a formação em Cenografia Criativa, realizada pelo Porto Iracema das Artes, sediado em Fortaleza.

“Onde moro não existem incentivos culturais – com exceção da linguagem musical. E a disponibilidade de cursos e oficinas oferecidos na pandemia por meios remotos garantiram a minha reciclagem na área do teatro, bem como a possibilidade de gerar networking com artistas e profissionais da área. Uma vez que não temos espetáculos para assistir, nós, artistas, temos que trazer a linguagem para o interior e para as comunidades carentes”.

Legenda: Uma das mandalas criadas por Nilda Soares como fruto da vivência proporcionada por Camila Aguiar de forma virtual
Foto: Arquivo pessoal

De acordo com Michael, muitas pessoas ainda estão desconsiderando a possibilidade de produzir cursos, oficinas e aulas online. Ele espera, porém, que a estrutura de ensino à distância não deixe de existir. “Sem ela, talvez eu teria desistido de continuar fazendo teatro”.

Expansão do olhar

Com o curso ofertado pelo Porto Iracema das Artes – ministrado pelo ator-produtor Chico Expedito, do grupo Motim de Teatro – o artista diz que expandiu o olhar sobre objetos, tecidos ou até mesmo para o fato de ressignificar corpos presentes no dia a dia. 

“A proposta é enriquecedora se a gente partir da ideia de que não temos acesso direto a figurinos ou cenários feitos diretamente da marcenaria ou da alfaiataria. Além do mais, a iniciativa de reciclagem de inúmeros produtos pode surgir por meio de ideias que o curso foi projetando, bastante enriquecedoras”, destaca.

Legenda: "Para mim, foi um convite discreto para minha própria análise e bem-estar", afirma Nilda Soares sobre vivência virtual contemplando a criação de mandalas
Foto: Arquivo pessoal

Situando os desafios que podem surgir advindos da instabilidade de conexão à internet de todos os envolvidos em projetos feito este, além da escolha da plataforma escolhida para serem transmitidos os encontros, Michael acredita que esses pontos não sejam, de fato, empecilhos para deixar de fazer um curso em formato virtual.

“Hoje todos temos uma página na web, desde as redes sociais até sites e blogs. Para aqueles que não têm tanto acesso à internet, podem se valer de um vizinho ou mesmo parentes que tenham internet. Eu não só acredito que seja um caminho viável para a difusão e formação de profissionais artísticos, como também afirmo que essa potência não deixe de ser explorada. O digital está crescendo e não podemos abrir mão dessa ferramenta”.
Michael Marinho
Estudante

Assuntos Relacionados