Especialista fala sobre o conceito de nutrição desconstruída

A nutricionista Pabyle Flauzino fala sobre o método de nutrição desconstruída. A vertente defendida pela especialista apresenta a escolha dos alimentos de maneira consciente e uma postura de pensamento crítico

Escrito por Zilda Queiroz , zilda.queiroz@svm.com.br
Legenda: Na nutrição desconstruída, fatores, a exemplo de sentimentos e ações no ato de comer são considerados

Simplicidade, uma pitada de prazer, nada de neura e valorização das comidinhas caseiras, a exemplo da combinação feijão com arroz fresquinhos. Esta sugestão de “receita” é considerada infalível pela nutricionista Pabyle Flauzino, para aqueles que desejam adotar uma rotina alimentar saudável e equilibrada.

 Defensora da vertente de uma alimentação desconstruída, o conceito de dieta, com receitas e restrição de alimentos, está fora do plano de trabalho da profissional. A forma como a especialista se posiciona pode ser considerada incomum, mas ela afirma que a nutrição é a ciência de sempre.

Decidi me colocar assim por não me sentir confortável ao ver como o profissional de nutrição e os alimentos eram (e são) reduzidos a um simples ‘pode ou não pode’”, confessa.

A profissional também diz nunca ter se identificado com o modelo curativista, centrado no peso e na forma autoritária de prescrever receitas. E ainda, com a maioria das pessoas, ela não se dá bem com dietas, motivos pelos quais Pabyle optou pela especialização em uma área que leva em conta não apenas o que se come, mas os sentimentos, pensamentos e todas as ações associadas ao ato de comer. 

Uma das minhas premissas é promover autonomia, melhorar a relação das pessoas com a comida e o corpo, de forma que a saúde integral seja contemplada. Não parece nada ‘desconstruído’ falando assim, mas diferenciar saúde, estética e compaixão para todos os corpos é um ato desafiador”, define.

Orientação

Segundo a nutricionista, uma das recomendações padrão ouro da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que o recém-nascido se alimente na primeira hora de vida. “Esta criança não precisa de dieta, em sua maioria, ela sabe como e quanto comer. A partir daí, ela comerá até o fim e várias vezes ao dia”, destaca. Durante este trajeto, a especialista lembra que podem surgir as dietas restritivas (e é certo que apareça, principalmente se este bebê for mulher). 

Para Pabyle, as dietas geralmente nos confundem sobre o que é ter uma alimentação saudável. Dentre os maus exemplos, cita: comer a cada três horas, sem respeitar os sinais internos de fome e saciedade, além de incluir na rotina alimentos indesejados, apenas por estarem na moda. Segundo a nutricionista, o comer é um ato biopsicosociocultural e somente uma “folha” com calorias contadas está fadada ao fracasso, pois não engloba todas essas dimensões. 

“O resultado é esse que vemos, 95% das dietas não têm sucesso. Então, trabalhar de forma não prescritiva (sem dietas) não quer dizer que não seja “escritiva” (é importante diferenciar isso), as pessoas saem com papéis e, sobretudo, sempre orientadas. Traçamos metas, planos de ação, planejamos uma rotina alimentar, fazemos diários e outras demandas que surgirem ao longo da consulta”, afirma.

Mas, se não houver motivo biológico, como alergias, ou fatores associado às preferências das pessoas, Pabyle afirma não fazer sentido restringir grupos alimentares. “Essas exclusões, sem sentido, fazem com que classifiquemos os alimentos em ‘permitidos e proibidos’. Esta ideia pode se tornar central em nosso comportamento frente aos alimentos”.

Exemplo disto é: caso a pessoa ache que não deve comer pão por acreditar que ele engorda ou faça mal, mas em algum momento resolve comê-lo, ela será tomada por sentimentos de culpa, fracasso ou vergonha. De acordo com Pabyle, estas crenças, sentimentos e pensamentos negativos podem prejudicar a relação com a comida, podendo progredir para um comer transtornado. 

Desde 2015 atuando na área da nutrição desconstruída, Pabyle confessa que sempre, ao encontrar os paciente, é cumprimentada com um grito de alívio, por já terem tido outras experiências fracassadas na busca pelo peso ideal. A nutricionista ressalta que não se considera uma profissional do conceito “desconstruída” pelo simples fato trabalhar sem prescrição, mas, especialmente, por não julgar as dificuldades de cada um, por retirar o foco da saúde centrada no peso e escutá-los. 

“Temos uma formação limitada para a escuta, foi bem difícil no começo, mas me ajudou bastante a compreender que, sobre nutrição, eu já sabia bastante, porém, sobre quem sentava à minha frente eu não sabia praticamente nada”, complementa.

Atuação 

O público de Pabyle é composto por 99% de mulheres, entre 20 e 35 anos e sua maior demanda é pelo Instagram. Atualmente, o posicionamento da nutricionista o auxilia na explicação de como trabalha. Por isso, dificilmente a perda de peso surge como demanda primária. Mas quando ocorre, ela os escuta e traça objetivos reais.

“Sempre tento tornar as pessoas críticas em seus processos, preciso que elas estejam lúcidas sobre o porquê desejam emagrecer, quais são suas reais motivações, o que elas esperam e como foram as experiências passadas. Além disso, sou muito franca, não prometo resultados rápidos. Não sou contra a perda de peso, sou contra o emagrecimento irresponsável”, alerta. 

Indústria da beleza 

Conhecedora dos resultados virtuais, a profissional confessa que,

a era digital atravessou a todos nós, vemos com muito mais rapidez e nitidez a ‘grama’ do outro. E a rede social é a lupa que a indústria da beleza/dieta colocou à nossa frente”, pontua

Na concepção da especialista, com o manuseio da ferramenta tudo ficou mais ampliado, inclusive os sentimentos de insatisfação. Não é por acaso que as redes sociais são as que mais afetam a saúde mental no mundo contemporâneo. Por isso, uma das alternativas que Pabyle recomenda é o ‘unfollow terapêutico’ ou simplesmente deixe de seguir perfis de pessoas ou marcas que veiculem exclusivamente corpos padronizados, a exemplo do modelo imposto culturalmente. 

“É quase impossível não nos compararmos. Por isso, deixar de consumir conteúdos que nos gerem sentimentos de inadequação, vergonha ou ansiedade é o ideal. Além disso, empodera a pessoa para que ela não acredite em tudo que passa pela timeline e comece a questionar promessas milagrosas, imagens retocadas ou mesmo o motivo de ficar tanto tempo exposta a corpos padrões”, alerta. 

As postagens da nutricionista nas suas redes sociais são direcionados à desconstrução de ideias sobre corpo e comida, que atingem diretamente às mulheres. A ideia é informá-las, de maneira simples e objetiva, que elas podem ser livres desses padrões.

Vida saudável 

A profissional considera ainda muita utópicas as hashtags ditas como ‘promotoras de um estilo de vida saudável’, com comportamentos semelhantes ao de meninas com transtornos alimentares”. De acordo com Pabyle, exemplo disso é o enaltecimento de corpo magro que, recentemente, uma blogueira, com milhares de seguidores, disparou a seguinte afirmação: “eu amo a magreza" e o pavor pelo ganho de peso. 

Como consequência deste tipo de comportamento, temos também a famosa hashtag “comeu, malhou”, que grandes perfis de “estilo de vida saudável” disseminam com frequência na internet”, complementa a nutricionista Pabyle Flauzino.

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