É possível abraçar o ócio com prazer e sem culpa? Livro mostra que sim

Publicado pela editora Rocco, “Niksen - A arte holandesa de não fazer nada” apresenta uma tendência comportamental cujo objetivo é praticar o ócio a fim de otimizar o bem-estar físico e emocional

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Com honestidade e acuradas percepções, o livro convoca a uma desaceleração consciente, prazerosa e sem culpa
Foto: Divulgação

Qual foi a última vez que você realmente parou e apreciou o fato de não estar fazendo nada? Ou a rotina, sempre esfomeada, engole todas as possibilidades de sossego? Talvez esta segunda pergunta seja mais fácil de responder. Não importa se diante do cenário pandêmico ou longe dele: interromper o fluxo cotidiano para estar inteiramente consigo é um dos maiores desafios da contemporaneidade.

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Olga Mecking sabe muito bem disso. Não à toa, confessa: “Entre os meus filhos, a casa, o trabalho, o meu marido – que trabalha longas horas – e o resto da minha família e amigos, tento lembrar a última vez em que realmente não fiz absolutamente nada. E falho miseravelmente”.

As linhas estão presentes nas primeiras páginas de “Niksen - Abraçando a arte holandesa de não fazer nada”, livro publicado pela editora Rocco no qual a jornalista polonesa discorre a respeito dos benefícios do ócio na busca por um caminho de bem-estar físico e emocional. Olga faz isso de modo abrangente, revelando, por exemplo, por que os holandeses são um dos povos mais felizes do mundo.

Segundo ela – há dez anos morando no país – muitas nações fariam bem em olhar para outras como os Países Baixos, que oferecem muitos dias de folga, uma ótima rede de seguridade social e um excelente equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Fascinante, não é? Assim, o conceito de Niksen, ou a arte de não fazer nada, tem um lugar sólido e garantido por lá.

Legenda: Segundo a autora, muitas nações fariam bem em olhar para outras como os Países Baixos, que oferecem muitos dias de folga a seus habitantes, por exemplo
Foto: Ilustração de Eva Jans

Contudo, o que poderia distanciar a audiência da leitura – vide as dificuldades de se viver em um lugar totalmente diferente desse panorama – logo rende pontos para Mecking, cujo mérito é equilibrar dados e experiências pessoais a fim de tornar tudo acessível, palatável. Com honestidade e acurado olhar sobre si e o entorno, a também escritora e tradutora tece valiosas reflexões e convoca a uma desaceleração consciente, prazerosa e sem culpa.

Espaço para a mente divagar

Uma das explicações encontradas no livro é de que niksen não segue a linha de outras tendências comportamentais, a exemplo do mindfulness, que busca atenção plena; o minimalismo, com ênfase naquilo que é essencial; e o konmari, método de organização e limpeza da casa desenvolvido pela japonesa Marie Kondo.

Trata-se de um conceito compreendido como “fazer algo sem utilidade e aproveitar o ócio”. Mas o ócio mesmo, nulidade de ação. Isso significa que aquela pausa para navegar nas redes sociais ou para ler um livro ou assistir a um filme não entram nesse time. 

“Às vezes, não fazer nada é exatamente o que você precisa para se tornar um ser humano mais produtivo. Aliás, talvez você simplesmente não precise se tornar mais produtivo e, em vez disso, comece a redefinir sua noção de produtividade para se sentir produtivo deitado no sofá, ou cuidando da sua família, ou indo a um museu ou fazendo qualquer outra coisa que não tenha um objetivo imediato ou um resultado mensurável”, defende Olga.

Essa constatação é sublinhada de modo fundamentado. A cada virar de páginas, o leitor tem acesso a dados de pesquisas feitas por grandes institutos e exemplos concretos do quanto suspender, por instantes, a loucura do dia a dia pode ser redentor. 

Legenda: "Às vezes, não fazer nada é exatamente o que você precisa para se tornar um ser humano mais produtivo", afirma a autora do livro
Foto: Eva Jans

Ao longo de seis capítulos, a jornalista ainda se pergunta de onde vem tanta sobrecarga, o que o estresse faz conosco e também desvenda como a ocupação excessiva se tornou um símbolo alternativo de status. Porém foge de uma postura maniqueísta ao tratar dessas questões. Não demoniza a agitação do cotidiano nem pretende evitá-la. Ao invés disso, procura as razões de estarmos agindo de um jeito que pode nos levar ao abismo. 

Perceba. De um lado, ela afirma: “Estar ocupado faz com que nos sintamos produtivos, como se tivéssemos nossas vidas sob controle. Há uma razão pela qual as listas de tarefas e as agendas são tão populares: a sensação de satisfação que experimentamos quando dividimos o dia em pequenos pedaços administráveis”. Desta feita, pondera sobre a injeção de dopamina, neurotransmissor ligado à sensação de prazer e motivação, no organismo ao termos que lidar com situações dessa natureza.

Por outro, ao discorrer sobre o sentimento negativo que geralmente paira ao darmos conta de que estamos sem nenhuma atividade para fazer, ela destaca: “Embora a culpa seja uma emoção desagradável, é animador saber que não somos os únicos a experimentá-la. A culpa, ao que parece, é uma emoção que conecta todos nós”. Logo, faz um interessante balanço de perspectivas para tornar a compreensão do tema eficaz e esclarecedora.

Legenda: Ao longo de seis capítulos, a jornalista ainda se pergunta de onde vem tanta sobrecarga e o que o estresse faz conosco
Foto: Eva Jans

Práticas para não esquecer

Ao término de cada capítulo, a obra traz ainda uma série de perguntas, permitindo que o leitor reflita sobre o que acabou de ler. Junto a elas, alguns exercícios práticos otimizam o impulso à criatividade, aumentando o foco e permitindo uma maior consciência acerca das próprias atitudes.

Gerente editorial da Rocco e responsável por escolher o livro para ser publicado no Brasil, Ana Lima explica que o título já estava contratado quando a pandemia começou; contudo, o momento deixou a publicação mais interessante.

“Ao ter de dividir o espaço do lar com o espaço do home-office, muitas pessoas têm se mostrado ansiosas até mesmo para descansar ou não fazer nada, como sugere Olga Mecking. A vontade constante de trabalhar e uma cobrança excessiva de produtividade podem levar à diminuição do bem-estar mental e, paradoxalmente, a ser menos produtivo”, considera.

Ao mesmo tempo, percebe: “Relaxar e não fazer nada é mais difícil do que parece. Existem técnicas e o livro traz dicas para realizá-las, com o auxílio da sociologia, biologia, história e psicologia. Niksen é uma filosofia de vida, um antídoto para o estresse, desânimo e ansiedade, assim como as técnicas de mindfulness e meditação”.

Não sem motivo, Ana diz ter se descoberto mais atenta ao redor porque calmamente inserida num processo de alerta para o fundamental. “Limitei o tempo de concentração e tirei pausas para dar uma volta no quarteirão ou sentar confortavelmente, encarando o horizonte sem fazer nada, abraçando a arte holandesa do Niksen para recarregar as baterias sem sentir culpa ou ansiedade”. Que assim sempre seja.

 

Niksen - A arte holandesa de não fazer nada
Olga Mecking
Tradução: Ana Rodrigues

Rocco
2021, 192 páginas
R$ 49,90

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