Controle do orçamento: Fortaleza está entre as 14 capitais sem emenda impositiva para vereadores
Parlamentares municipais chegaram a aprovar o orçamento impositivo em 2010, mas o mecanismo foi derrubado pela Justiça; desde então, a proposta não avançou
A criação do orçamento impositivo no Congresso Nacional, que completa 10 anos em 2025, teve efeito direto nas casas legislativas das capitais brasileiras. Quase metade delas implementou as emendas impositivas ao longo da última década, totalizando 12 capitais que contam com esse mecanismo. Quarta maior capital do País, Fortaleza não está nesse grupo.
O dado é de levantamento realizado pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados. Segundo o estudo, 14 capitais brasileiras ainda não possuem emendas impositivas, enquanto 12 já implementaram o mecanismo.
Por enquanto, os vereadores da capital cearense seguem sem a possibilidade de utilizar deste instrumento, que obrigaria a execução de percentual do Orçamento municipal indicado pelos parlamentares. Mas essa ausência de emendas impositivas não é por falta de tentativa.
Há, pelo menos, 15 anos, os parlamentares tentam emplacar o orçamento impositivo do Município, sem sucesso. Agora, no primeiro ano de uma nova legislatura, e às vésperas da chegada da Lei Orçamentária Anual para 2026, a discussão volta à Câmara Municipal de Fortaleza, mas sem perspectivas de definição.
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Ao PontoPoder, parlamentares reforçaram que as emendas impositivas são um desejo quase unânime entre os vereadores, sejam aliados ou opositores da Prefeitura de Fortaleza, mas admitiram que a discussão sobre o tema ainda não foi levada ao prefeito Evandro Leitão (PT).
Eles pontuaram que a situação financeira dos cofres públicos nesse início da gestão municipal pode ser um obstáculo e ponderam a necessidade de cautela tanto para avaliar quais são os instrumentos jurídicos necessários para a implementação das emendas impositivas quanto na criação de regras para essa destinação de recursos, inclusive em relação à fiscalização.
Presidente da Câmara Municipal de Fortaleza, Léo Couto (PSB) afirma que essa deve ser uma das prioridades do seu mandato no cargo. "O primeiro ano (de gestão) é realmente ano de colocar a casa em ordem, mas é um tema que eu vou me debruçar ano que vem para que a gente possa ver se consegue viabilizar essa questão das emendas", afirma.
Luta por emendas impositivas
A criação das emendas impositivas passa por uma mudança na Lei Orgânica do Município, principal ordenamento jurídico da cidade. Está em tramitação um projeto de emenda à Lei Orgânica, de autoria do vereador Jorge Pinheiro (PSDB), que pretende fazer essa alteração na legislação municipal.
"Ela é feita baseada no estudo de várias outras cidades e capitais, inclusive Salvador, e a gente vai trazer esse tema agora. Por quê? Porque está chegando o final do ano, vai chegar a LOA, com a possibilidade da gente apresentar as nossas emendas, e a gente quer que elas sejam impositivas", explica Jorge Pinheiro.
Apresentada no final de 2024, a proposta ainda aguarda para ser lida no plenário e, assim, ser encaminhada para as comissões. O próprio autor do projeto afirma que é preciso ter um cuidado, inclusive com estudo técnico sobre a implementação do mecanismo.
"Precisaria também de uma regulamentação possivelmente vinda do Executivo, para que se possa entender que a emenda é impositiva, (mas) não é impositiva para qualquer pessoa, ou para qualquer associação, para fazer o que elas quiserem. Tem todo um manual e um catálogo que precisa ser seguido para poder essas emendas serem implementadas. Então, para que haja isso é preciso que a gente traga essa discussão".
Essa não é a primeira vez que é apresentada uma proposta de emenda à Lei Orgânica para implementar o orçamento impositivo. Na verdade, ainda em 2010, um projeto semelhante chegou a ser aprovado pela Câmara Municipal de Fortaleza.
De autoria do então vereador Salmito Filho (hoje, deputado estadual), o texto previa que a Prefeitura de Fortaleza passaria a ser obrigada a executar "pelo menos, 0,01% do valor correspondente à receita estimada pela Lei Orçamentária Anual do Município para o exercício, das emendas apresentadas por cada vereador".
Sob gestão da ex-prefeita Luizianne Lins, a Prefeitura entrou com ação no Tribunal de Justiça do Ceará, que admitiu a inconstitucionalidade da norma e derrubou a previsão de emendas impositivas para os vereadores de Fortaleza. Vale lembrar que, na época, ainda não havia sido criado o dispositivo pelo Congresso Nacional.
'Bastante aguardado'
Presidente da comissão de Orçamento, Fiscalização e Administração Pública, Paulo Martins (PDT) relembra que a discussão sobre a criação de emendas impositivas sempre é retomada. "Toda a legislatura, e eu já estou na minha terceira legislatura", pontua.
"Isso é um desejo, eu creio, dos 43 vereadores realmente. É algo bastante aguardado e seria justo, até porque a gente sabe a oposição também tem suas obras, também representa a cidade Fortaleza, também era interessante ela destinar determinado percentual do orçamento para iniciativas que ela acha justa para a cidade. É uma forma justa realmente de distribuir o orçamento", considera.
Para o vereador, a articulação para implementar esse mecanismo deve ser feita bem mais fora do plenário da Câmara do que dentro, inclusive com a necessidade de diálogo com o prefeito Evandro Leitão.
A vereadora Adriana Almeida (PT) também reforça a necessidade de diálogo com o prefeito, que considera "aberto a diálogos". "Eu acho que tem que dialogar com o prefeito para que se possa chegar a um consenso, inclusive porque existe um problema sério na questão financeira", afirma.
Ela disse que a bancada do PT na Casa ainda não fez essa discussão internamente, mas considera que isso deva ser feito, inclusive para levar a discussão até o gestor municipal, que também é petista. "Para abrir essa discussão para que as emendas sejam de fato impositivas. Mas acho que agora avança", aponta.
Vice-presidente da Câmara Municipal, Adail Júnior (PDT) afirma que considera que não considera que seja fundamental um diálogo com o Executivo. "A iniciativa é mais da Casa", defende. Ele considera que o prefeito seria "aberto" a dialogar sobre o tema, mas considera "que depende muito do Poder Legislativo".
"Era bom porque favorecia todos os parlamentares municipais, todos os vereadores, independente de que partido, independente de que linha ideológica, independente de que posição política. E quem ganharia era o povo", disse. "Então, acredito que esse ano nós vamos ter as emendas parlamentares".
Por sua vez, o líder do Governo na Câmara Municipal, Bruno Mesquita (PSD), não considera as emendas impositivas uma pauta prioritária para este ano. "Pessoalmente, acredito que não seja o melhor momento para fazermos está discussão", disse, por meio de nota.
"As pautas prioritárias do governo neste segundo semestre são a aprovação do Plano Plurianual, o Plano Diretor e o próprio orçamento - temas fundamentais para o povo de Fortaleza nos próximos anos. A pauta de emendas impositivas em nenhum momento entrou em nossas discussões", disse.
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Para Adriana Geronimo (Psol) a Lei Orçamentária Anual, apontada como prioritária por Mesquita, é justamente um momento em que a discussão sobre as emendas impositivas "deve voltar". "Essa é uma pauta antiga de interesse dos vereadores", acrescenta.
"Desde 2017, quando ingressei aqui no parlamento, realmente tem uma cobrança dos vereadores para que essas emendas se tornem impositivas", concorda Julierme Sena (PL). "Se tornando positivas, a gente pode utilizar esse recurso em prol da população, seja no bairro onde o vereador atua fortemente, seja na área da saúde, que é o principal gargalo da administração pública, na infraestrutura, enfim. Mas infelizmente, até hoje, a gente não conseguiu emplacar essas emendas impositivas", disse.
Regras e fiscalização
Caso sejam criadas, as emendas impositivas não podem ser usadas com intuitos "politiqueiros", ressalta Adriana Geronimo. "A gente apoia a decisão, mas ela precisa ser regulamentada com transparência e não pode ser usada em benefício próprio dos vereadores com algum objetivo politiqueiro", diz.
"A gente não pode tentar fazer com que Fortaleza se torne, sei lá, uma Câmara (dos Deputados), que implemente emenda sem nenhum tipo de transparência, sem participação. (...) Não podem ser emendas que fiquem ali no campo nebuloso. Precisam ser de fato para fomentar e fortalecer as políticas públicas", completa.
Adail Júnior segue linha semelhante, afirmando que o ideal é que as emendas parlamentares sejam voltadas "exclusivamente para a gestão municipal". "Não estou muito de acordo que vá para entidades e sim para a Prefeitura Municipal de Fortaleza", diz.
Adriana Almeida reforça a necessidade de um trabalho de fiscalização, para evitar que os recursos públicos sejam usados "como moeda de troca". "Essa discussão precisa ser feita na Câmara com responsabilidade", diz.
"Mas a gente precisa avançar. (...) Hoje, a gente indica (as emendas), mas elas não são aplicadas como a gente solicita. A gente quer ver elas sendo aplicadas onde a gente vê mais necessidade. A Câmara deveria caminhar para legitimar essas emendas (impositivas)", acrescenta.
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Vereador de primeiro mandato, Aguiar Toba (PRD) considera que as emendas impositivas representam uma "transformação" no trabalho dos vereadores de Fortaleza. "Podemos colocar na pauta e isso se tornar real. É muito importante para os vereadores e para a cidade", defende.
Paulo Martins concorda. "Seria um sonho aqui para a gente, para os vereadores realmente terem essas medidas impositivas", afirma. "Os vereadores com certeza, com certeza todos têm esse desejo, que é uma forma efetiva de a gente não só legislar, mas também, de certa forma, executar, concretizar aqui os nossos desejos".
Léo Couto reafirma o tema como "importante", mas afirma que não deve ser uma discussão imediata. "Isso é um assunto importante, mas a gente tem que tratar com muita responsabilidade, debater principalmente os meios jurídicos. (...) O primeiro ano é de arrumar a casa, mas isso é um assunto onde nós vamos discutir posteriormente", reforça.
Apesar de não existir uma expectativa para a implementação, a discussão deve voltar à tribuna e aos corredores da Casa com o avanço da tramitação do Plano Plurianual, que será votado ainda em setembro, e da Lei Orçamentária Anual, primeira elaborada pela gestão Evandro Leitão e que irá detalhar a receita, gastos e investimentos do Executivo municipal para 2026