Legislativo Judiciário Executivo

Controle do orçamento: Ceará é um dos 4 estados que não possuem emendas impositivas para deputados

Legislativo estadual atua a partir de indicações na execução orçamentária, no qual a aplicação não é obrigatória

Escrito por
Marcos Moreira marcos.moreira@svm.com.br
Imagem de uma sessão legislativa vista de perto, com foco em três homens sentados em cadeiras pretas, usando ternos, enquanto acompanham a reunião. Um deles, Romeu Aldigueri, fala ao microfone, enquanto outro observa a tela de um dispositivo sobre a mesa. Ao fundo, pessoas circulam ou conversam, e um grande painel eletrônico exibe informações com cores verde, roxa e branca. O ambiente tem divisórias de vidro e concreto, além do brasão do Ceará visível em uma parede.
Legenda: A demanda chegou a ser reforçada pelo próprio presidente da Alece, o deputado estadual Romeu Aldigueri (PSB), mas não avançou.
Foto: José Leomar/Alece

O Ceará é um dos quatro estados que não possuem previsão de emendas parlamentares impositivas nas constituições. Atualmente, os deputados cearenses podem fazer apenas indicações para a destinação dos recursos dentro do Orçamento, mas a execução não é obrigatória e fica a critério do Executivo estadual. 

Conforme estudo publicado pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, das 27 unidades federativas, 23 possuem emendas impositivas, totalizando mais de R$ 11 bilhões nas Leis Orçamentárias Estaduais. A média é de R$ 466 milhões por estado. 

R$ 76 milhões
valor total de emendas que os deputados cearenses podem indicar 

O Ceará, no entanto, está na categoria de “emendas não impositivas”, na qual cada deputado tem o direito de indicar o envio de cerca de R$ 1,6 milhão por ano para a execução de obras ou outros projetos em municípios cearenses. Em geral, os recursos são destinados às bases eleitorais dos deputados, contemplando prefeituras e projetos específicos. 

O montante total disponível para indicações dos parlamentares é dividido da seguinte forma: 

  • R$ 30 milhões – emendas de caráter geral 
  • R$ 46 milhões – emendas no âmbito do Programa de Cooperação Federativa (PCF) 

Pelo fato do orçamento cearense ser de caráter autorizativo, o que não implica obrigatoriedade do pagamento, não há cronograma definido para pagamento das verbas. Historicamente, o modelo registra queixa de parlamentares, que vão desde o atraso na liberação das emendas à priorização de aliados. 

Foi assim que a questão da impositividade ganhou força em 2015, quando a medida foi implementada no Congresso Nacional. No entanto, após tentativas em legislaturas e presidências distintas, a imposição no Orçamento não foi concretizada na Alece por decisões políticas, já que depende diretamente da articulação entre Legislativo e Executivo

R$ 1.652.174
Valor por deputado estadual no Ceará para emendas não impositivas 

COMO FUNCIONA O PCF 

O Programa de Cooperação Federativa (PCF) foi criado pelo então governador Cid Gomes (PSB), em 2007, como estratégia para manter o apoio dos parlamentares ao Governo do Estado. Inicialmente, o repasse dos recursos era feito mediante convênio entre a secretaria estadual e a prefeitura, um processo que virou alvo de críticas dos deputados por ser considerado, muitas vezes, burocrático e demorado. 

Foi então que, em maio de 2021, o Governo alterou a forma de transferir o dinheiro às prefeituras para o modelo "fundo a fundo", no qual a verba é enviada, diretamente, ao caixa dos municípios, sem necessidade de convênios. 

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Pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), da Universidade Federal do Ceará (UFC), a socióloga e cientista política Paula Vieira explica que o Pacto surgiu para oficializar a articulação do Executivo com os deputados estaduais em torno da discussão do orçamento, que já existia de modo informal.  

O Pacto de Cooperação Federativa surgiu numa tentativa de dar mais transparência para o processo e também de estabelecer uma igualdade entre os deputados, todos os deputados receberam o mesmo recurso para suas bases eleitorais (...) Ele não é impositivo positivo porque ele já tem um recurso destinado, ele já tem uma verba específica para a destinação, que é para a destinação desses recursos, já tem como se tivesse uma rubrica já específica para essa destinação
Paula Vieira
Socióloga e cientista política

No mesmo sentido, pontua a pesquisadora, a medida de 2021 veio de uma iniciativa para aumentar a transparência no repasse dos recursos. “As prefeituras passam a se articular mais com os deputados e criam um vínculo com esses deputados também, que vão de alguma maneira fazer a destinação da verba”, frisa Paula Vieira.  

Atualmente, o parlamentar solicita a liberação financeira dos recursos da emenda parlamentar executada por meio do PCF ao Conselho Gestor do programa, que analisa a iniciativa e envia ao órgão estadual competente. Então, o processo passa a envolver os municípios e, ao final, o Executivo é o responsável por aprovar a destinação da verba. 

Conforme manual da Secretaria do Planejamento e Gestão (Seplag-CE), os recursos devem ser aplicados em ações do Poder Executivo Municipal que impactem na melhoria das condições de vida da população. Em paralelo, é vedado o uso para pagamento de pessoal e encargos sociais e do serviço da dívida. 

EMBATE POR MUDANÇAS

A maioria dos parlamentares ainda cobra a adoção de emendas impositivas no Legislativo cearense, mesmo diante de tentativas frustradas em anos anteriores. Em geral, as principais reclamações ao atual modelo envolvem o atraso ou a não liberação de recursos, a priorização das solicitações de aliados governistas e até mesmo o valor de referência de cerca de R$ 1,6 milhão por deputado, que não é atualizado desde 2006. 

A demanda pela implantação de emendas impositivas chegou a ser reforçada pelo próprio presidente da Alece, o deputado estadual Romeu Aldigueri (PSB). No entanto, a proposta ainda não avançou. 

“Acredito que vamos construir isso (a adoção de emendas impositivas), vamos sentar com o Poder Executivo, o governador também é a favor, a maioria dos deputados é a favor, acho isso natural”, disse Romeu, durante entrevista concedida ao PontoPoder em dezembro de 2024.  

Membro da oposição, Cláudio Pinho (PDT) é um dos defensores da implantação das emendas impositivas. O parlamentar alega que as emendas dele e de outros membros do grupo costumam ser aprovadas, mas acabam não sendo executadas.

“O que adianta você criar uma expectativa de emendas para não receber? Você sai frustrado”, reclama Cláudio Pinho. “Colocam um valor de emenda para o parlamentar, onde nós não temos, na realidade, ingerência nenhuma, nem saber se isso vai acontecer. Fica também uma dependência muito grande do Executivo”, acrescentou. 

Por sua vez, o líder do Governo Elmano de Freitas (PT) na Alece, o deputado Guilherme Sampaio entende que a situação diz respeito à dinâmica de execução orçamentária de forma geral, ocorrendo com parlamentares tanto da base quanto da oposição. Mesmo assim, o parlamentar entende que é legítimo a discussão sobre a implantação das emendas impositivas.  

É a coisa mais usual do mundo a gente aprovar uma emenda e ela não ter condições de ser executada ou porque não tem disponibilidade financeira naquele momento ou porque a emenda não atende a totalidade de recursos necessários para aquela obra ou por uma mera gestão orçamentária que é necessária para adequar os fluxos financeiros do estado e outras emendas são executadas
Guilherme Sampaio
Líder do Governo Elmano na Alece
 

A posição é enfatizada por Júlio César Filho (PT). “O PCF está saindo conforme a destinação dos deputados. O que ocorre é que algumas prefeituras ficam inadimplentes, impedidas de receber o recurso. Por isso que, às vezes, está lá o recurso autorizado, mas o Estado fica impedido de transferir justamente pela inadimplência ou alguma irregularidade do próprio município”, ponderou o parlamentar. 

Júlio defendeu também que os parlamentares podem, inclusive, passar do valor do valor fixo de 1,6 milhão, pelo incremento possível de 20% se a verba para a saúde e por meio de articulações a partir do Monitoramento de Ações e Projetos Prioritários (MAPP), sistema da Seplag que acompanha a execução de projetos e recursos.

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