Como a PEC da Blindagem e o caso Júnior Mano no Ceará se cruzam em investigação sobre emendas
A ideia é emplacar medidas para restringir o cumprimento de mandados judiciais contra parlamentares; Júnior Mano está na mira do STF
.jpg?f=16x9&h=574&w=1020&$p$f$h$w=60c2ab4)
A presença de agentes da Polícia Federal (PF) nos gabinetes do Congresso Nacional, em operações que miraram desde tentativa de golpe de estado a desvio de emendas ao orçamento, tem acendido o alerta de autodefesa parlamentar. Temendo repercussões negativas sobre os seus mandatos – inclusive, na bancada cearense –, os congressistas podem descongelar a PEC da Blindagem.
A ideia é montar um pacote de medidas para restringir o cumprimento de mandados judiciais contra parlamentares e seus auxiliares dentro das casas legislativas e estabelecer uma nova regra na qual seria necessária a autorização do Congresso Nacional para a execução das diligências.
Veja também
O texto também pode aglutinar alterações relacionadas ao foro por prerrogativa de função – conhecido como foro privilegiado –, além da definição de novas regras a respeito do acesso aos inquéritos policiais. Esses eram os termos das negociações retomadas em 2024, após dois deputados do PL do Rio de Janeiro serem alvo de operações.
A proposta inicial, apresentada e admitida em 2021 pela Câmara Federal, ganhou forte adesão entre deputados cearenses e foi avalizada por 16 (de 22) deles. À época, o então deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) foi preso em flagrante após ser alvo de mandado de busca e apreensão.
Era prevista, ainda, a custódia da Polícia Legislativa para legisladores com mandados de prisão, e não da Polícia Federal como ocorre atualmente, entre outros pontos. Mas a dificuldade de consenso entre lideranças partidárias e a pressão popular fizeram com que a iniciativa, que já estava sob análise de comissão especial, tivesse a tramitação paralisada.
Com os recentes desdobramentos relacionados a emendas parlamentares, a discussão pode ser retomada ainda nesta legislatura, com apoio da base e da oposição ao presidente Lula (PT) nas duas Casas. Mas congressistas também devem buscar outros meios de aumentar a proteção sobre os mandatos. Estuda-se, ainda, um acordo com o Supremo para ampliar a imunidade parlamentar, limitando operações policiais, como informou O Globo.
Emendas e o caso Júnior Mano
A ofensiva do Supremo Tribunal Federal (STF) contra o uso irregular dos recursos parlamentares preocupa o Legislativo, e não demonstra horizonte de resolução por ora.
A Corte autorizou o cumprimento de mandados, no último dia 13, no gabinete do deputado Afonso Motta (PDT-RS), que foi vasculhado para colher informações sobre a participação de seu assessor em esquema do tipo.
Nesse compasso, o cearense Júnior Mano (PSB) também virou alvo da Polícia Federal. Pretenso candidato ao Senado em 2026, ele enfrenta investigação por suposto envolvimento em esquema de compra de votos em 51 municípios do Ceará no ano passado, viabilizado pelo suposto uso ilegal das emendas parlamentares.
O pessebista teria um “papel central” no esquema, que também contava com coordenação do prefeito eleito de Choró, Bebeto Queiroz (PSB), conforme relatório da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado no Ceará (Ficco-CE) ao qual o PontoPoder teve acesso. Bebeto foi alvo de mandado de prisão, mas está foragido há mais de dois meses.
Devido a essa suspeita, o caso foi alçado ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que Mano tem foro privilegiado, e distribuído para o gabinete do ministro Gilmar Mendes. Na última sexta-feira (14), ele decidiu manter o processo no STF.

A discussão sobre o foro privilegiado tem interessado membros do Congresso Nacional pelo seguinte motivo: ter mais possibilidade de recursos em julgamentos de crimes comuns, já que os processos começariam em tribunais menores, e não imediatamente no STF.
Também é estudada a ampliação da regra para crimes relacionados aos mandatos, de forma que análises comecem pelos Tribunais Regionais Federais (TRF), passem pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e somente depois irem ao STF.
Mas sob Gilmar, em consonância com a regra em vigor, a competência do STF no caso Júnior Mano foi reiterada, conforme parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR). A investigação corre em segredo de Justiça.
A defesa do deputado diz confiar que a inocência do político será provada ao longo do processo. Em nota, também se colocou “à disposição das autoridades policiais e judiciais para o completo esclarecimento dos fatos”.
Júnior Mano ainda ressaltou que a execução das emendas é de responsabilidade dos gestores locais e que não tem "qualquer participação em processos licitatórios, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos".
"A atuação se dá exclusivamente na esfera legislativa, sem qualquer envolvimento nas administrações municipais. Nas eleições de 2024, o deputado apenas manifestou apoio a alguns candidatos", diz nota mais recente, enviada ao PontoPoder nesta quinta-feira (20).
Sob suspeita
A discussão tem ganhado força novamente desde o cumprimento de mandados de busca e apreensão no gabinete do deputado carioca Carlos Jordy (PL), líder da Oposição na Câmara, em janeiro do ano passado. Ele foi alvo da 24ª fase da Operação Lesa Pátria, cujo objetivo era identificar pessoas que planejaram, financiaram e incitaram os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Poucos dias depois, naquele mesmo mês, foi a vez do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) ter o gabinete vasculhado pela PF, mas durante a Operação Vigilância Aproximada, por suposto envolvimento em espionagem ilegal na Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A discussão sobre a PEC da Blindagem, então, foi retomada no mesmo período.
Veja também
Dando um salto temporal de um ano, chegamos à mais recente operação contra um parlamentar no seu espaço de despacho. A PF mirou, com autorização do Supremo Tribunal Federal, um assessor do deputado Afonso Motta (PDT-RS) em investigação sobre desvio de emendas ao orçamento.
A atenção dada pelo STF ao tema, especialmente desde agosto do ano passado, tem colocado boa parte do Congresso sob suspeita, já que existem ao menos 20 investigações a respeito das emendas na Corte.
Veja também
Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) iniciou investigações contra 81 prefeituras cearenses beneficiadas com emendas individuais impositivas por meio de transferência especial, as chamadas “emendas Pix”. O órgão ministerial apura suspeitas de que os recursos públicos foram usados para "a prática de atos de corrupção".
Nacionalmente, ao menos 400 cidades entraram na mira. Contudo, esse número deve aumentar, já que a intenção é seguir o rastro de todas as emendas Pix transferidas para estados e municípios brasileiros, de acordo com informações da Folha de S. Paulo.
Veja também
Tudo isso também ocorre em meio a embates entre Legislativo e Judiciário, que têm medido forças nos últimos anos. Os discursos dos novos presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), demonstram isso, ainda que de maneira mais discreta.
“Queremos uma Câmara forte, com a garantia de nossas prerrogativas e em defesa de nossa imunidade parlamentar”, sinalizou Motta.
“É essencial respeitar as decisões judiciais e o papel do Judiciário em nosso sistema democrático. Mas é igualmente indispensável respeitar as prerrogativas do Legislativo”, disse Alcolumbre.
Apesar das investidas dos parlamentares, não há, ainda, previsão de quando o novo pacote de blindagem deve ser fechado e se, desta vez, deve encontrar consenso no Congresso.