Emendas Pix a 81 prefeituras no Ceará estão na mira do MPF em investigação de corrupção

No País, as investigações já chegaram a 400 cidades, mas esse número deve aumentar

(Atualizado às 15:59)
MPF investiga mais de 80 prefeituras cearenses
Legenda: MPF investiga mais de 80 prefeituras cearenses
Foto: Natinho Rodrigues

O Ministério Público Federal (MPF) iniciou investigações contra 81 prefeituras cearenses beneficiadas com emendas individuais impositivas por meio de transferência especial, as chamadas “emendas Pix”. A ofensiva, deflagrada no fim do ano passado, mira no instrumento que ficou conhecido pela falta de transparência e, por isso, também tornou-se alvo do Supremo Tribunal Federal (STF). 

O MPF apura suspeitas de que os recursos públicos foram usados para "a prática de atos de corrupção". Nacionalmente, as investigações já chegaram a 400 cidades, contudo, esse número deve aumentar, já que a intenção do órgão é seguir o rastro de todas as emendas Pix transferidas para estados e municípios brasileiros, de acordo com informações divulgadas na última quarta-feira (29), pela Folha de S. Paulo.

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As investigações em todo Brasil foram iniciadas a partir de um ofício expedido, ainda no ano passado, pela Câmara de Coordenação e Revisão (CCR), do MPF, que uniformiza o combate à corrupção no País. No documento, o Ministério Público Federal informa que segue determinação do ministro Flávio Dino, do STF, de “assegurar a transparência na aplicação dos recursos públicos e prevenir atos de corrupção”.

No Ceará, as investigações estão sendo conduzidas pelo Núcleo de Combate à Corrupção (NCC), já miram 81 municípios e ainda estão na fase de apuração. Na última quinzena do ano passado, o MPF recomendou aos gestores dessas prefeituras que enviassem a “completa prestação de contas de todos os recursos de Emendas Pix utilizados no corrente ano (2024), na plataforma do Transferegov.br”.

O órgão ainda alertou que o descumprimento da recomendação pode desencadear processo de improbidade administrativa. 

Em recente manifestação sobre o instrumento das “Emendas Pix”, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, criticou essa modalidade de transferência de recursos. Segundo ele, o instrumento contraria preceitos fundamentais como a separação de Poderes e os princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência da administração pública, comprometendo mecanismos de controle da aplicação de recursos públicos.

Além do Ceará, portarias divulgadas pelo MPF indicaram investigações em andamento também nos seguintes estados: 

  • Espírito Santo
  • Pará
  • Piauí.
  • Rio de Janeiro
  • Maranhão
  • Roraima
  • Sergipe
  • Amazonas
  • Acre
  • Rio Grande do Norte
  • Mato Grosso do Sul

CERCO NO STF

Desde 2022, o STF vem travando uma queda de braço contra o Congresso para estabelecer regras que garantam transparência pública na destinação de emendas. Em dezembro daquele ano, a Corte julgou as emendas RP9 (emenda de relator) e RP8 (emendas de comissão) como inconstitucionais.

Em resposta, os deputados e senadores aprovaram uma resolução que mudou as regras de distribuição de recursos em uma tentativa de se adequar às considerações do Judiciário. Contudo, o Psol recorreu ao STF alegando que as mudanças não eram suficientes para garantir, entre outros princípios, o de transparência na indicação dos valores.

Em agosto do ano passado, Flávio Dino determinou a suspensão das emendas e estabeleceu a adoção de mecanismo de rastreabilidade como condição para liberar os repasses. Ele ainda determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) auditasse o envio de emendas.

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Nos meses seguintes, o Legislativo e o Executivo se movimentaram para criar novas regras para a execução dos recursos. Em dezembro, Dino liberou o pagamento das emendas parlamentares, mas estabeleceu regras mais rígidas do que as criadas pelos parlamentares e sancionadas pelo presidente Lula (PT). A medida gerou incômodo entre os congressistas, que a interpretaram como uma interferência indevida.

Contudo, Dino avançou mais. Em 23 de dezembro, ele ordenou o bloqueio de R$ 4,2 bilhões em recursos. A determinação foi uma resposta à manobra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de indicar o montante sem cumprir as exigências da Corte.

Desde então, o magistrado liberou apenas emendas destinadas à Saúde. Ele ainda suspendeu o envio de emendas parlamentares a Organizações Não Governamentais (ONGs), a não ser para aquelas que estão comprovando a regularidade nos repasses.

FRENTES DE INVESTIGAÇÃO

Além do MPF, a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público do Ceará (MPCE) têm investigações em andamento no Ceará contra um esquema criminoso com uso ilegal de emendas parlamentares e compra de votos no Estado.

Conforme mostrou o Diário do Nordeste em uma série de reportagens neste mês, o deputado federal cearense Júnior Mano é citado como tendo um “papel central” no esquema. Ele nega as acusações. Já o prefeito eleito — e foragido — de Choró, Bebeto Queiroz (PSB), é apontado como o principal articulador do grupo criminoso.

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De acordo com os investigadores, o mandatário usava empresas em nome de “laranjas” para desviar o dinheiro oriundo do orçamento federal. Uma das empresas atribuídas ao gestor celebrou contratos com quase 50 prefeituras do Ceará. Tais acordos são investigados pela PF.

RESPOSTA DAS PREFEITURAS CEARENSES

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Prefeitura de Juazeiro do Norte disse que a emenda citada pelo MPF não foi destinada ao município, mas sim para uma escola estadual cearense.

A Prefeitura de Miraíma confirmou que recebeu, no ano passado, duas emendas individuais de transferência especial, uma do deputado AJ Albuquerque (PP) e outra do deputado Danilo Forte (União), ambos com bases eleitorais no município. “Os recursos foram devidamente cadastrados no sistema Transferegov para serem utilizados em investimento em pavimentação”, completou a gestão.

A Prefeitura de Cedro disse que foi notificada pelo MPF sobre a destinação dos recursos referentes à emenda e prestou todas as informações solicitadas dentro do prazo estabelecido pelo órgão. “Reiteramos nosso compromisso com a transparência, a boa gestão dos recursos públicos e o respeito aos princípios da administração pública. Todos os repasses recebidos seguem rigorosamente os procedimentos legais e são devidamente aplicados conforme as normativas vigentes”, informou a assessoria.

A Prefeitura de Acaraú informou que as emendas recebidas pelo município “estão sendo utilizadas conforme destinação constante no plano de trabalho, inseridos no portal Transferegov”. “Informamos ainda que comunicamos a contento o Poder Legislativo Municipal, o TCU e TCE do recebimento dos recursos e a informação de sua destinação. Assim sendo, foram cumpridas todas as exigências legais para a garantia da transparência e rastreabilidade, responsabilidade fiscal, devido processo orçamentário, moralidade e eficiência no recebimento e processamento das emendas”, concluiu a gestão.

A Prefeitura de Tauá disse que recebeu um ofício do MPF solicitando informações sobre as emendas e respondeu ao órgão.

A Prefeitura de Russas informou que também foi notificada com um pedido de informações e respondeu “de forma completa e irrestrita, com o encaminhamento de toda a documentação solicitada referente ao recebimento da emenda, bem como anexando o plano de trabalho aplicado para a execução e utilização integral do recurso”. “O Município de Russas desconhece a existência de qualquer Procedimento Investigatório, de natureza cível e/ou criminal, instaurado pelo MPF contra o ente público em razão do recebimento da Emenda Parlamentar nº 40280004-2024, até o presente momento”, concluiu.

A Prefeitura do Crato confirmou o recebimento das emendas e disse que, desde então, vem seguindo todas as orientações do TCU. “As informações acerca do recebimento dos valores e documentos relativos à destinação dos recursos estão sendo devidamente comunicadas ao Ministério Público Federal”, informou.

A Prefeitura de Monsenhor Tabosa informou que já foi notificada sobre o procedimento administrativo do MPF e reforçou que aplicou corretamente os valores. Segundo a gestão municipal, os recursos foram usados na pavimentação asfáltica de diversas ruas. “Todas as informações referentes ao plano de trabalho, programa, dotação orçamentária e demais detalhes estão disponíveis na plataforma Transfere.gov.br do Governo Federal, assegurando a integral transparência e rastreabilidade”, disse a Prefeitura, que reforçou ainda seguir todas as orientações do TCU.

A Prefeitura de Aracati argumentou que o pedido de informações do MPF faz parte de um acompanhamento das decisões do STF sobre as emendas Pix, “não se trata de um procedimento investigatório”. A gestão disse que foi uma das “selecionadas” para receber esse acompanhamento “amostral”. 

“Aracati apresentou as informações de maneira clara e detalhada, atestando que as emendas foram devidamente aplicadas nas destinações corretas, em conformidade com as normativas vigentes. Ademais, foi assegurado que toda a movimentação financeira, com relação aos repasses recebidos, foi devidamente registrada no sistema Transferegov, plataforma oficial de prestação de contas do Governo Federal. O município demonstrou total transparência, incluindo os extratos de repasses e comprovantes de aplicação das verbas no sistema, conforme exigido”, concluiu.

A Prefeitura de Forquilha disse “repudiar qualquer insinuação acerca de irregularidades por parte do Município” e reforçou que “não recebeu qualquer recurso de forma irregular ou ilegal”. A gestão esclareceu que foi beneficiada com R$ 480 mil da emenda investigada pelo MPF e usa o montante para a ampliação do balneário público da cidade. 

“A execução da obra está sendo conduzida de maneira rigorosa e eficiente, em total conformidade com o Plano de Trabalho cadastrado no Sistema de Transferências Voluntárias e Recursos da União. O cronograma de execução está sendo seguido à risca, garantindo que todas as etapas sejam cumpridas dentro dos prazos estabelecidos. Com isso, já podemos anunciar que a obra será entregue à população de Forquilha ainda na próxima semana, beneficiando a comunidade de forma imediata”, acrescentou a gestão.

“A contratação da obra foi realizada com o máximo rigor e transparência pelo Município de Forquilha, garantindo a lisura de todos os processos, com análise irrestrita das formas, procedimentos e valores adotados. Vale ressaltar também que o recurso ainda não foi pago à empresa contratada, encontrando-se, no momento, em conta bancária específica para esse fim, aguardando a etapa final de execução”, concluiu.

A Prefeitura de Iracema, por sua vez, disse que a emenda questionada contemplou pedidos da comunidade local, que desejava a promoção de uma série de melhorias para o Estádio Municipal de Futebol de Campo. Por isso, a gestão iniciou a articulação no Congresso e produziu uma minuta do projeto de emenda. 

"Logo em seguida, ocorreu a liberação dessa Emenda no importe de R$ 1,05 milhão no dia 04/07/2024. Nessa mesma oportunidade, a própria Instituição Financeira realizou um Investimento, denominado, de BB RF CP Automático no qual se encontra gerando ativos até o presente momento. Nesse sentido, verifica-se que o saldo desta conta bancária é a na ordem de R$ 1.095.046,75", descreveu a gestão.

"Portanto, o aludido recurso público encontra-se ainda na sua integralidade depositada na Instituição Bancária e não houve qualquer retirada, aliás, encontra-se rendendo ativos por força do decurso temporal e da aplicação financeira realizada. [...] Ademais, salientamos que todas essas informações já foram prestadas à Procuradoria da República no Ceará que se encontra investigando esse objeto", completou.

Iracema também informou que o Plano de Ação necessário para o repasse do recurso já foi submetido, com informações como dados orçamentários, plano de trabalho e relatório de gestão. 

Todos os municípios citados na reportagem foram procurados. A matéria será atualizada caso outras prefeituras se pronunciem.

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