Discussão sobre racismo e religião gera bate-boca na Alece e sessão é suspensa nesta quarta (7)
Dra. Silvana e Salmito protagonizaram um bate-boca acerca de um livro do Governo que traz orientações de educação para as relações étnico-raciais
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A sessão da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) foi suspensa temporariamente, nesta quarta-feira (7), por conta de uma discussão entre os deputados estaduais Dra. Silvana (PL) e Salmito (PSB). Mesmo diante dos pedidos de "calma", os parlamentares protagonizaram um bate-boca que envolvia religião e racismo, a partir da citação de um material didático do Governo do Estado.
A obra em questão é o livro “Educação para as Relações Étnico-Raciais e Semana da Consciência Negra”, da Secretaria de Educação do Ceará (Seduc), que traz orientações para a atuação na área, além de reflexões sobre o impacto do racismo para a cidadania das populações negra e indígena e o reforço de estereótipos na sociedade.
Durante pronunciamento na tribuna, Dra. Silvana criticou o trecho do material que fala sobre o processo de “branqueamento”, que cita a “imposição de conceitos brancos, ocidentais e cristãos”. Para a parlamentar, o Governo do Estado estaria associando um conceito cristão à preservação do racismo.
“Nesse processo de branqueamento, a instituição escolar refletiu, em sua estrutura organizacional pedagógica e administrativa, essa realidade, propagando práticas discriminatórias e racistas no espaço social, sendo o currículo o fator mais atingido, o que resultou na imposição de conceitos brancos, ocidentais e cristãos, em que o saber dominante ignorou e colocou na invisibilidade e negação a história negra e indígena e suas trajetórias de luta pela cidadania”
Durante a fala da deputada, Salmito insistiu para se pronunciar sobre o caso em alguns momentos, o que irritou Silvana. “Querer fazer a defesa do Governo do Estado em cima de um texto que acusa Jesus de racista, vossa excelência fica de um lado e eu fico do outro, e vossa excelência fique longe de mim, em nome de Jesus. Não queira defender o indefensável para mim”, rebateu a parlamentar.
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Por sua vez, Salmito defendeu o livro, explicando que o conteúdo faz referência a episódios tidos como “erros históricos”, citando a Inquisição e as guerras religiosas como exemplos. “O material didático da Secretaria de Educação faz referência à História e aos erros históricos que foram cometidos em nome de Deus, em nome de Cristo e em nome do cristianismo. Portanto, está correto o material”, defendeu.
Em nota ao PontoPoder, a Seduc informou que o material constitui uma proposta didático-pedagógica fundamentada em legislações vigentes, referências históricas e bibliográficas consolidadas. A Pasta ressaltou, ainda, que o objetivo é contribuir para a construção de uma educação antirracista, promotora da diversidade, da inclusão e da equidade no ambiente escolar.
“O material em questão não tem como propósito criticar ou deslegitimar qualquer crença religiosa, incluindo o cristianismo. Trata-se de um conteúdo pedagógico com base técnica e histórica, que visa contextualizar a trajetória das populações negra e indígena no Brasil, bem como suas lutas por cidadania e igualdade de direitos”, argumentou a Secretaria. (Veja nota na íntegra ao final da reportagem)
SESSÃO SUSPENSA
Os dois ainda seguiram a discussão durante o pronunciamento do deputado Danniel Oliveira (MDB), que chegou a conceder tempo a ambos para reforçarem os pontos de vista. No entanto, o bate-boca continuou mesmo fora dos microfones, interrompendo a fala do parlamentar.
“Eu vou fazer o seguinte, vou trazer o meu tema um outro dia. Está encerrado aqui o meu tempo e vou ajudar a presidir a sessão”, afirmou Danniel Oliveira, que é o 1° vice-presidente da Casa, finalizando o pronunciamento.
Os pedidos de calma foram reforçados por De Assis (PT), que também não obteve sucesso. Com a insistência dos ânimos exaltados, o parlamentar resolveu, então, suspender a sessão por 10 minutos.
Após o intervalo, a sessão retornou com o deputado Romeu Aldigueri (PSB), presidente da Alece, já conduzindo a sessão e iniciando a discussão das pautas previstas na ordem do dia. A partir da transmissão da Alece, é possível ver que Silvana e Salmito chegaram a deixar o Plenário.
Na sequência, Salmito retornou e passou a conduzir a sessão da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, na qual é presidente. “Bom, pedindo aqui publicamente desculpas porque acabei me excedendo e já conversei ali com a deputada Dra. Silvana, a quem tenho um apreço verdadeiro. Pedir também desculpa ao deputado Danniel Oliveira pela inconveniência da minha parte”, frisou na fala inicial.
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O QUE DIZEM OS DEPUTADOS
Em nota ao PontoPoder, via assessoria, Salmito ressaltou que foi um episódio pontual, já resolvido entre as partes. “Divergências são normais no ambiente legislativo e fazem parte do processo democrático. O deputado segue comprometido com um debate público qualificado, consequente e com o exercício parlamentar respeitoso, voltado ao interesse da população cearense”, disse o deputado.
Em contato com a reportagem, Dra. Silvana destacou que, no campo pessoal, está tudo resolvido. “Ele foi deselegante, falando fora do tempo e ao mesmo tempo. E levantou o dedo em rispidez para me silenciar. Eu não aceito. Mas ele se desculpou. (...) Ele veio e falou amavelmente e ficou tudo direitinho. Mas eu insisto que ele tenta erradamente fazer a defesa do indefensável”, ponderou.
CONFIRA A NOTA DA SEDUC-CE NA ÍNTEGRA:
"O documento intitulado “Educação para as Relações Étnico-Raciais e Semana da Consciência Negra” constitui uma proposta didático-pedagógica fundamentada em legislações vigentes, referências históricas e bibliográficas consolidadas. Seu objetivo é contribuir para a construção de uma educação antirracista, promotora da diversidade, da inclusão e da equidade no ambiente escolar.
No Ceará, o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana está regulamentado pela Resolução nº 416/2006 do Conselho Estadual de Educação (CEE), em consonância com a Lei Federal nº 10.639/2003. Desde 2005, a Seduc desenvolve ações que visam fortalecer essa política, em resposta a marcos legais e às demandas históricas dos movimentos sociais, em especial da população negra.
O material em questão não tem como propósito criticar ou deslegitimar qualquer crença religiosa, incluindo o cristianismo. Trata-se de um conteúdo pedagógico com base técnica e histórica, que visa contextualizar a trajetória das populações negra e indígena no Brasil, bem como suas lutas por cidadania e igualdade de direitos.
A escola é, por essência, um espaço de formação crítica, escuta, diálogo e respeito às diferentes visões de mundo. O compromisso da Seduc é com uma educação pública de qualidade, inclusiva e democrática, que forme cidadãos conscientes, preparados para a convivência com a diversidade e engajados na construção de uma sociedade justa e igualitária."